‘Ainda Estou Aqui’

Reflexão sobre o filme "Ainda Estou Aqui", a ditadura militar, a luta pela democracia e o papel da arte como motor de liberdade e resistência. Por Bayard Boiteux

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ainda estou aqui cartaz
Foto: Divulgação

Naquela noite de novembro, quando saí do Cine Gávea, após assistir Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, senti um aperto no coração. O filme, que retrata o endurecimento da ditadura militar — um verdadeiro marco no resgate histórico de um Brasil ainda negado por alguns —, fez-me reviver também a história de meu pai: cassado, preso, exilado, mas sem nunca esquecer a luta em prol da democracia. Nossa casa, na Tijuca, foi invadida, e vários romances e livros em línguas estrangeiras foram levados por “apregoarem o comunismo”. Tentaram jogar uma bomba no quarto onde eu estava, impedidos pelo tio Ruyter.

Consegui uma proeza: com o exílio de meu pai, desenvolvi o gosto por viajar, pelos idiomas estrangeiros, pelas relações internacionais e por ser um embaixador da pluralidade e da diversidade. Alguém que, até hoje, apregoa a paz e luta por um mundo que consiga conviver com as diferenças, aceitando grupos minoritários que tragam discussões constantes de identidade e sobrevivência.

O projeto criado por um grupo de idealistas e abnegados, como Alfredo Laufer, José Eduardo Guinle e, humildemente, eu — os Embaixadores de Turismo do Rio — reúne um contingente nunca visto, quiçá nunca pensado, de tantos apaixonados pelo Rio, que lutam diariamente por meio de suas profissões. Temos um universo plural, mas proibimos, de forma veemente, os que propagam fake news e ferem a ética, que são convidados indiretamente a nos deixar.

Meus amigos não estão numa bolha, mas nos quatro cantos do mundo, encontrados em viagens, aulas, eventos, palestras, discussões e convicções ideológicas, sempre em prol do respeito à lei máxima. Este é o documento que limita os que apregoam a falta de respeito pelo poder constituído, eleito por maioria absoluta. O direito de criticar, emitir juízos de valor ou até promover atos de repúdio faz parte, mas nunca invadir a Praça dos Três Poderes e tentar destruir nossa memória, pretendendo ainda serem perseguidos e até se exilarem.

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O Globo de Ouro de Fernanda Torres, cuja mãe, a Fernandona — embaixadora do Turismo do Rio e minha amiga —, trouxe-me um conforto espiritual. Tive a impressão de que a excelente atriz, ao lado de outros integrantes do elenco, que centralizo em Selton Mello, estava homenageando os que sofreram para podermos estar aqui hoje. A maneira ímpar e repleta de afeto com que agradeceu o troféu fortalece ainda mais o respeito que temos por ela e por sua forma de atuar, que nos faz acreditar na arte.

Um orgulho para o cinema nacional, o primeiro de muitos Globos, até mesmo de um Oscar, faz-me entender que ainda estamos todos aqui para enfrentar qualquer movimento que queira o retorno de tempos obscuros. A liberdade e a arte são nossos motores de sobrevivência.

Bayard do Coutto Boiteux é professor, escritor e amante das viagens para entender melhor democracia e pluralidade.

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