AL: pouco acesso à educação na pandemia ameaça redução da desigualdade

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Alunos na escola (Foto: divulgação)
Alunos na escola (Foto: divulgação)

Nos últimos 30 anos, a América Latina registrou uma importante redução na persistente desigualdade da região. Foram ganhos que começaram a ser perdidos a partir de 2013, início de uma onda de instabilidade política, recordou a argentina Nora Lustig, professora de Economia Latino Americana e diretora-fundadora do Instituto Comprometimento e Equidade na Universidade de Tulane, nos EUA, que participou do ciclo de diálogos promovido pelo diretor-geral do IICA, Manuel Otero.

Doutora em Economia pela Universidade de Berkley e fellow sênior no Centro de Desenvolvimento Global do Diálogo Interamericano em Washington, Nora chama a atenção para o risco de haver uma piora considerável nos índices de desigualdade da região no pós-pandemia, fenômeno que associa à diferença de acesso à educação, quadro agravado pelos efeitos da pandemia de Covid-19.

De acordo com a pesquisadora, estima-se que no México haja um incremento de nove milhões de pobres até o fim do ano e que no Brasil a desigualdade cresça entre um e dois pontos no índice Gini.

“Nos últimos 30 anos, a desigualdade diminuiu praticamente em todos os países com todos os indicadores que se meça, dede o Gini até a relação entre a proporção de renda que recebem os 10% superior em relação aos 40% inferiores. Foi uma queda robusta e isso surpreende, principalmente porque foi em um período em que outros países, principalmente os EUA, foram na direção oposta”, comparou a pesquisadora.

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Segundo Nora, a redução da desigualdade se deu em três tempos, com aumento em muitos países nos anos 90, mas com quedas importantes entre 2002 e 2013 em todos os países da região, com registros de reduções de até cinco pontos no Gini. “El Salvador, por exemplo, chegou a perder 10 pontos, mas a partir de 2013, começamos a perder esses ganhos”.

O fim do boom das commodities e das transferências de renda, além das crises políticas, ajudam a compreender a mudança, segundo Nora. Ela afirma, porém, que houve também uma redução na diferença entre os salários dos trabalhadores com mais e menos escolaridade. “Isso produziu uma relativa redução na oferta de trabalhadores com menos qualificação, graças à expansão da educação dos anos 90”, associa.

“Essa é chave para explicar o que aconteceu na América Latina e é a uma imagem espelho, até certo ponto, do aumento da desigualdade nos EUA, onde a educação secundária e pós-secundária foi ficando mais difícil”, disse.

Lustig se diz preocupada com o impacto sobre o capital humano das novas gerações, já que a rede de ensino está sendo deslocada para uma forma que depende de meios, como rádio e televisão ou online, ou da capacidade dos pais de poder, até certo ponto, substituir os professores, o que está diretamente relacionado ao nível de acesso de educação da família.

“Obviamente, crianças que vivem com país que têm educação alta têm uma vantagem enorme porque os pais serão melhores mentores ou terão recursos para contratar mentores. Por outro lado, as crianças que estão na parte de baixo da distribuição não têm essa vantagem e também têm muito menos acesso aos meios que estão sendo utilizados, ou seja, à conectividade”, disse.

Para ela, a região está no meio de um processo que pode reverter os ganhos conquistados. “Em um recorte de quem nasceu entre 1987 e 1994, seria o equivalente a atrasá-los ao recorte de quem nasceu entre os anos 50 e os 60, em termos da capacidade das pessoas de completar o Segundo Grau. Tem que haver um grande esforço dos governos, do setor privado e da sociedade civil para reverter isso ou estaremos plantando a desigualdade do futuro”, lamentou.

Otero reforçou que acesso à conectividade é uma das principais preocupações do IICA, sobretudo no campo e que o organismo se dedica a dar um novo olhar ao setor rural. “Não é mais a agricultura só das commodities, que já geraram muitas divisas. O IICA acredita na bioeconomia, na grande ponte entre a sustentabilidade e a produtividade, na química verde, nas energias renováveis e o campo de oportunidades é imenso e requer uma nova abordagem institucional e um novo arcabouço de políticas”.

Em sua opinião, é preciso aumentar as pesquisas dedicadas às desigualdades no campo já que, em boa parte, a academia está mais voltada a entender o fenômeno nos conglomerados urbanos.

Já Otero ressaltou que faltam estatísticas para as zonas rurais, onde ainda vivem cera de 20% da população na América Latina. “Quando não há mais remédio, esses pequenos trabalhadores migram para os centros urbanos, agravando o problema social nas cidades”, alertou.

Cerca de 60 milhões de pessoas estão vinculadas à agricultura de subsistência na América Latina e Caribe. “Essa atividade representa entre 50% e 70% da oferta de alimentos, não tanto a oferta exportável, mas a oferta doméstica. Em muitos casos, no sul sudeste do México e no Nordeste do Brasil, por exemplo, eles são guardiões dos territórios e deveriam ser os guardiões da biodiversidade”, disse.

Para ele, a biotecnologia é uma promessa real de futuro e já chegou na América Latina, mas ainda não chega a todos os agricultores. “Eu insisto que a biotecnologia pode ser uma ponte entre a agricultura e a sustentabilidade. A agricultura do futuro não pode ser mais às custas da destruição dos recursos naturais e da biodiversidade”, enfatizou. “Não devemos colocar muros entre o setor rural e o setor urbano. Há uma espécie de revolução na ruralidade na qual nós apostamos”, completou.

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