Americanas (AMER3): o problema reportado e seus desdobramentos

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Ilan Arbetman (foto divulgação Ativa Investimentos)
Ilan Arbetman (foto divulgação Ativa Investimentos)

Conversamos com Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos, sobre o problema contábil das Americanas que foi reportado ao mercado nesta quarta-feira (11). Segundo o Fato Relevante divulgado, a companhia disse que “foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizados em exercícios anteriores, incluindo o exercício de 2022. Numa análise preliminar, a área contábil da companhia estima que os valores das inconsistências sejam da dimensão de R$ 20 bilhões na data-base de 30/9/2022. A companhia estima que o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial”.

No call realizado nesta quarta, e disponibilizado no site de RI das Americanas, Sergio Rial, diretor-presidente que já renunciou ao cargo assumido em 1º de janeiro, disse que o valor de R$ 20 bilhões seria “uma estimativa de diversos lançamentos contábeis que surgiram ao longo dos últimos anos”, mas “que, na realidade, estão no balanço”. Segundo Sergio, “esse número está dentro da estrutura atual do balanço, só que ele não está registrado, apropriado, ao longo dos últimos anos”.

 

Qual a sua avaliação sobre o problema reportado pelas Americanas?

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Existe uma incredulidade de como algo tão grande pode ter passado tanto tempo sem que fosse percebido. As operações de risco sacado, onde se tem a ponta da empresa, do banco e do fornecedor, são muito comuns e feitas por todas as varejistas*. Só que para o banco aceitar ser o seu parceiro, ele tem que estar ciente de qual é o seu risco, e para que ele tenha uma melhor noção do seu risco, ele tem que conhecer de cabo a rabo o seu cliente.

Quando se olha para a linha de fornecedores no balanço das Lojas Americanas, você tem um valor entre R$ 4 bilhões e R$ 7 bilhões que pode ser extrapolado para R$ 20 bilhões ou mais. Trata-se de uma diferença muito grande que não foi constatada por ninguém. O mercado não vai dar o benefício da dúvida enquanto nós tivermos uma zona cinzenta tão grande quanto a que se tem hoje, e os próximos dias serão muito movimentados.

 

Já há uma noção de há quanto tempo esse problema acontecia, o seu tamanho e a sua responsabilidade?

No call que foi feito pelo Sergio Rial, ele disse não saber há quanto tempo isso acontecia, mas abriu possibilidades. Essas inconsistências poderiam estar acontecendo de quatro a sete anos ou de sete a dez anos. Não se sabe ao certo, mas podemos estar falando de bastante tempo e, claro, quanto mais tempo for, maior a magnitude do evento. Trata-se de um caso grande e com muitas repercussões. Também foi dito que para se ter uma noção mais completa, faz-se necessário esperar o término de um novo trabalho de auditoria que será feito.

Sem colocar culpa ou acusar alguém, sem dúvida que esse problema coloca em xeque o papel da auditoria. Estamos falando de uma série de demonstrações contábeis que podem ter sido apresentadas com uma discrepância muito grande entre o valor da companhia e o seu valor de livro. Isso é muito grave e também vai ser um case que vai envolver a parte regulatória. Da mesma forma que há uma empresa que precisa de uma auditoria que presta um serviço, você tem que ter um ente regulatório que atente a esse trabalho. Existe uma série de esferas que hoje, sem dúvida, estão sob escrutínio por parte do mercado.

 

Quais serão os desdobramentos desse caso?

Nós temos duas grandes perguntas que precisam ser feitas: como as Lojas Americanas vão fazer para sair dessa e se existe o risco de haver esse susto em outro balanço. Para vermos como as Americanas vão sair dessa, temos que ter uma noção maior de quanto é esse rombo.

No call, foi dito que os acionistas chaves, como a 3G Capital, estão comprometidos com o futuro da companhia. Eles podem capitalizá-la, contanto que enxerguem um futuro para ela. Esse é um ponto chave porque hoje temos uma dinâmica de varejo superagressiva no Brasil. A Magalu fez o seu turnaround com sucesso, mas as Lojas Americanas e a Via, que são grandes players, estão com muitas dificuldades.

Nós temos que ver qual será o tamanho do rombo para vermos se vale a pena continuar investindo numa empresa que já apresentava muitas dificuldades e que, certamente, depois desses fatos, terá a confiança dos seus stakeholders abalada. O papel dos bancos nessa reestruturação será fundamental. Temos que ficar de olho nisso, pois, com certeza, a companhia vai precisar de crédito e prazo.

No call também foi dito que seria possível que a capitalização não ficasse só nas mãos dos investidores chaves. Pode ser aberta uma oferta para que o público aporte dinheiro na empresa, só que nós temos uma queda vultosa dos papéis, e uma nova oferta de ações diluiria ainda mais o capital do investidor. Isso sem contar que estamos num cenário de juros altos com uma expectativa de manutenção desses juros nesse patamar, sobretudo se forem confirmadas as intenções de gastos do novo governo, o que prejudica o consumo. Como disse, não temos como saber como as Americanas vão sair dessa e, possivelmente, virão dias duros para a companhia.

O segundo ponto é quanto ao risco de contágio (spill over). As ações das Americanas estão virando pó e, dependendo do desempenho das ações da Via, Magalu e Mercado Livre (exterior), podemos ver movimentos de consolidação à frente. Novamente, é cedo para falar, mas eu vejo dessa forma. Talvez, esse baque que as Americanas estão sofrendo mostrem que para a frente ficará ainda mais difícil competir no varejo.

 

O Sergio Rial chegou a esclarecer como descobriu esse problema em tão pouco tempo?

Ele não falou sobre isso. O que o mercado tem na mão é que ele e o CFO, ao se depararem com a magnitude das inconsistências, renunciaram imediatamente aos cargos, mas não foi dito nada sobre como essas inconsistências foram constatadas.

 

* O fornecedor antecipa a sua fatura emitida contra as Americanas num banco. Assim, no dia do vencimento, as Americanas efetuarão o pagamento da fatura diretamente ao banco.

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