Análise fundamentalista

Nesta entrevista, Marco Saravalle explica a importância de se analisar o retorno sobre o capital empregado de uma empresa versus o seu custo médio ponderado.

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Marco Saravalle (foto MSX Invest)
Marco Saravalle (foto divulgação MSX Invest)

Conversamos sobre análise fundamentalista com Marco Saravalle, estrategista-chefe da MSX Invest.

O que chama a sua atenção, positivamente, nas demonstrações financeiras (DFs) de uma companhia?

Quando nós falamos de uma análise fundamentalista que visa investir em boas empresas, nós sempre procuramos encontrar empresas que geram valor para o acionista. Um indicador que olhamos muito é o Retorno sobre o Capital Empregado, pois ele nos mostra se a empresa está sendo eficiente no uso dos recursos, não importando a sua estrutura de capital, ou seja, se a empresa tem muito capital de acionistas ou de terceiros.

Nós comparamos esse indicador com o WACC (Weighted Average Capital Cost), o custo médio ponderado de capital. Com esse indicador, que parece complexo, mas que não é tanto, nós chegamos nas empresas que geram e que destroem valor. No longo prazo, as empresas que geram valor tendem a ter uma melhor performance, sendo o inverso verdadeiro.

É lógico que o Ebitda e o Ebit são importantes, mas o retorno sobre o capital empregado está sendo maior que o custo do capital, mesmo que momentaneamente? Isso independente do movimento das ações, pois olhamos para esse indicador para encontrarmos empresas de qualidade que geram valor para o acionista.

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O que chama a sua atenção, negativamente, nas DFs de uma companhia?

Existem empresas que podem estar gerando algum retorno sobre capital empregado, mas ainda abaixo do custo de capital. Essas são empresas que não geram ou que destroem valor para os seus acionistas. Logicamente, quando uma empresa está apresentando prejuízo, nós precisamos entender esse prejuízo, pois, por exemplo, ele pode ser o efeito cambial em cima de uma dívida que não, necessariamente, está destruindo o caixa naquele momento.

Por exemplo, eu sou muito crítico em relação ao Bradesco. O retorno sobre o patrimônio do Bradesco está abaixo até mesmo do CDI. Por mais que o seu custo de capital não seja o CDI, o Bradesco está destruindo valor para os seus acionistas. Recentemente, eu disse no Twitter – atual X – que enquanto o Itaú está batendo as máximas históricas ou recentes, ou algo muito próximo disso, o Bradesco está na mínima nos últimos cinco anos. Se você tem um banco como o Itaú, que gera valor para o acionista, você sempre vai ter algum argumento para que as ações continuem a subir, mas se você é um banco cuja operação destroi valor para o acionista, você sempre vai ter algum argumento para que as ações continuem a cair. Mais do que estar barato, a questão é a geração ou não de valor para o acionista. 

Como você avalia uma empresa?

Como analista, eu busco por turnarounds, pois por mais que uma empresa possa estar destruindo valor, ela pode ter um novo projeto, uma mudança de gestão ou um ganho de margem que podem ser um ponto de inflexão a partir do qual ela vai começar a gerar valor. As ações tendem a acompanhar isso, mas, nesse momento, elas ainda estão olhando para trás.

Vou te elencar um caso clássico, de alguns anos atrás, de uma companhia que já se estabilizou e que nós conseguimos pegar bem esse movimento: Taurus. A Taurus era uma empresa que destruía muito valor para os seus acionistas, mas que passou por uma reestruturação financeira e operacional que expandiu muito a sua rentabilidade ao mesmo tempo em que diminuiu o seu custo de capital. Esses dois fatores fizeram com que as ações disparassem em determinado momento.

Se estamos analisando uma empresa de capital intensivo que está desenvolvendo um projeto, nós conseguimos estimar quanto esse projeto vai gerar de valor adicional para o acionista. Na semana passada, eu estive com o CFO da Irani, que acabou de terminar uma fase de expansão, para entender esse fluxo. Isso porque num projeto como esse, por mais que o capital tenha sido empregado, você ainda não tem a geração de caixa. Como a fase de colocar dinheiro terminou, a companhia vai começar a receber o fluxo desse projeto nos próximos 12 meses.

Basicamente, nós buscamos empresas que geram valor e empresas que possuem algum projeto que possa expandir a diferença entre o retorno x custo de capital, pois os grandes ganhos na Bolsa estão na antecipação desses movimentos. Isso é muito difícil, pois a empresa pode não entregar o retorno previsto. É por isso que o investidor tem que estar ciente dos riscos de execução de projetos.

Quando o resultado trimestral de uma companhia é divulgado, isso ocorre, geralmente, 30, 45 dias após o encerramento do período. Ou seja, as DFs são uma fotografia de algo que já ocorreu, sendo que desde o seu encerramento, outros fatos, que afetam os resultados, estão acontecendo, o que só será espelhado quando os resultados do trimestre seguinte forem divulgados, 30, 45 dias depois do seu encerramento. Como administrar essa realidade?

Um analista tem que procurar antecipar as informações. Por exemplo, quando há uma Black Friday, no início da semana seguinte já há um banco de dados gigantesco de agências especializadas para se tentar antecipar como foi a Black Friday. Não é preciso esperar o fechamento do ano, que vai ser divulgado lá para fevereiro do ano seguinte, para entender como foi a Black Friday, pois aí já se passaram três, quatro meses. Além de entender de finanças, economia e contabilidade, um analista precisa entender de análise de dados para fazer essas antecipações.

Outro exemplo. As empresas varejistas de vestuário são muito sensíveis ao clima. Neste ano, nós estamos tendo um clima relativamente quente no inverno, só que quando se fala de roupas, elas têm uma margem melhor no inverno. Com um inverno mais quente, você tem que se perguntar se os estoques estavam preparados e como será o comportamento das margens. Como essas informações de clima são públicas, o analista tem que ir atrás para entendê-las.

Um analista tem que se antecipar para chegar a uma conclusão do que vai ser o próximo trimestre, pois quando se espera um trimestre que já foi, 80%, 90% já está precificado no preço das ações.

Vou trazer outro exemplo que talvez fique mais claro: câmbio. Em junho, nós vimos várias ações de exportadoras se fortalecendo, como o caso da JBS. A minha dúvida  foi sobre o câmbio que os analistas estavam projetando nas suas análises. Na minha opinião, as ações subiram porque nenhum analista estava considerando um câmbio de 5,50, 5,60 no final do 2T24. Lembrando que na última sexta-feira foi fechamento de trimestre.

A análise fundamentalista poderia ter detectado o problema das Americanas?

Recentemente, eu fui moderador de um painel promovido pela Apimec sobre governança corporativa. Neste painel, um dos participantes, o professor Oscar Malvessi, disse que os indicadores financeiros das Americanas já davam indícios bastante preocupantes há alguns anos. Contudo, é difícil dizer isso, pois não foi só as Americanas que não geraram caixa ou que não precisaram de um aumento de capital. Se uma empresa queima caixa, isso não quer dizer que está havendo uma fraude, pois ela pode estar passando por um momento de dificuldade e de menor crescimento.

Como analista, eu sempre digo que nós temos que tratar as informações públicas como verdadeiras, pois elas passaram por auditorias e vários órgãos. Se você perguntar para dez analistas, acredito que os dez vão dizer que não há como capturar um caso de fraude como esse.

Um ponto comum no debate é que os analistas tinham um acesso muito difícil ao time de relações com investidores das Americanas, que sempre foi uma empresa relativamente fechada. Ela fazia poucas reuniões e se comunicava por e-mail com grande dificuldade.

Um analista pode ter indícios e preocupações, mas a probabilidade de encontrar alguma coisa é muito baixa, tendendo a zero. Ele sabe quando uma empresa queima caixa por dois anos, pois essa informação é pública, mas ele não consegue ter sensibilidade num caso de fraude. Isso em qualquer tipo de fraude, como no caso das Americanas ou do Bano Pan. 

O melhor seria que nós tivéssemos uma sinalização da auditoria, pois ela estava pegando os números e validando. A minha preocupação é sobre o quão responsáveis são as empresas de auditoria. O caso das Americanas é muito complexo de ser entendido. Foi como debatemos no painel: se já havia uma dificuldade muito grande para se ter acesso às informações das Americanas antes, agora ficou ainda mais por causa da recuperação judicial.

Como você utiliza a análise técnica para apoiar as suas decisões de investimento?

A análise técnica pode dar muito mais os comportamentos de curto prazo de um ativo que eu não consigo com a análise fundamentalista. Por exemplo, se eu estou vendo que o dólar está disparando e os investidores estão começando a aumentar posição em empresas dolarizadas, eu consigo ver isso em algum indicador técnico, como cruzamento de médias e volumes.

O inverso também é verdadeiro. Eu posso estar posicionado num papel, que eu gosto dos fundamentos, mas que me decepcionou em um trimestre. Como está o seu volume? Como está a sua tendência? Até onde pode ir esse papel? Se a análise técnica estiver apontando que ele pode cair de R$ 5 para R$ 2, embora eu goste da empresa, é melhor eu ficar mais leve ou até mesmo stopar o papel para esperar o próximo trimestre.

Quanto mais informações nós tivermos, mais confortável será a nossa decisão, pois a análise técnica soma para que eu possa entender, principalmente, os movimentos de curto prazo, embora eu nunca tome uma decisão baseada 100% em análise técnica.

Você gostaria de acrescentar algum ponto à nossa entrevista?

Na academia, nós nos baseamos muito nos mercados maduros, nos mercados mais avançados, como os Estados Unidos, só que muitas dessas análises precisam ser tropicalizadas. O desafio dos analistas fundamentalistas é fazer a tropicalização desses indicadores. Por exemplo, a inflação projetada, o prêmio de risco e a liquidez de uma taxa de desconto precisam ser tropicalizados. Por mais que tenhamos uma academia muito boa no Brasil, não dá para compararmos com o histórico e o trabalho feito, sobretudo, nos Estados Unidos.

Outro exemplo: os investidores não entendem como a taxa de juros, que é um componente decisivo na alocação de capital, muda o valuation das companhias. Há pouco tempo, nós estávamos com juros de 2%, passamos para 13,75%, e hoje estamos com 10,5%. Em 3, 4 anos, essa foi uma mudança gigantesca, o que muda completamente as avaliações e a percepção de risco.

No Brasil, nós temos inflação, juros, política fiscal e até os três poderes, pois quase todas as empresas, de alguma forma, são reguladas. Nos últimos dias, o assunto está sendo a tributação de fundos imobiliários, o que muda uma decisão de investimento. PIS/COFINS, benefícios fiscais, tudo isso muda o valuation das companhias. O principal caso que eu vivi, que foi drástico e emblemático, foi a MP 579/2012 da Dilma. Um investidor americano não estava nem aí para a MP, mas nós tivemos que esquecer empresas que tiveram seus cases e suas teses mudados completamente. No Brasil, nós não temos um dia de paz.

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