Anvisa não lê na cartilha de Bolsonaro

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Anvisa (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
Anvisa (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

Ao prestar depoimento nesta terça-feira à CPI da Pandemia no Senado, que investiga as ações e omissões do governo federal no combate à Covid-19, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, criticou posturas do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia, como a defesa do uso da cloroquina como “tratamento precoce” contra a Covid, questionamentos sobre a eficácia de vacinas e ataques aos imunizantes produzidos na China.

Ao ser apresentado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) a uma lista de declarações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contrárias ao uso de vacinas contra Covid-19, o diretor-presidente da Anvisa disse que elas vão contra tudo o que a agência preconiza em suas declarações públicas. Também fez questão de ressaltar que a agência deve pautar suas posições como órgão de Estado e não de governo.

Barra Torres, que é contra-almirante da Marinha na reserva e se considera amigo do presidente por quem foi indicado para o cargo, defendeu no Senado as recomendações científicas para lidar com a pandemia: distanciamento social, uso de máscaras, testagem em massa e vacinação da população.

Seu depoimento foi marcado por clareza nas respostas às questões levantadas, marcando diferenças em relação a Bolsonaro ao defender uma estratégia baseada na ciência para combater a pandemia, ao contrário do que se posicionou o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga no seu depoimento dado na semana passada.

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Vacinação

O relator da CPI, senador Renan Calheiros, questionou Barra Torres sobre afirmações do presidente contrárias a vacinação, como a de que alguns imunizantes poderiam transformar as pessoas em jacaré e fazer as mulheres terem barba, ou a de que não compraria vacinas da China.

“A conduta do presidente difere da minha nesse sentido”, disse o presidente da Anvisa. “Temos, sim, que nos vacinar. (…) A população não deve se orientar por essas falas”, afirmou.

Também confirmou a realização de uma reunião no Palácio do Planalto em 2020 quando sem discutiu sobre alteração da bula da cloroquina para incluir a recomendação de seu uso para pacientes com coronavírus. O encontro já havia sido mencionado no depoimento do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Tratamento precoce

Segundo Barra Torres, a proposta de alteração da bula da cloroquina foi defendida pela oncologista Nise Yamaguchi, defensora deste medicamento para tratar Covid e que estava presente na reunião. Mandetta e o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, também estavam no encontro, e uma minuta de decreto presidencial foi apresentada sobre o tema.

Barra Torres disse ter reagido de forma “deseducada e deselegante” à proposta e se negado a mudar a bula do remédio. Ele afirmou que isso só poderia ser feito a pedido do laboratório que produz o medicamento, e com a apresentação de estudos clínicos que comprovassem a eficácia para tratar a doença.

Sobre a defesa do “tratamento precoce” contra a Covid, que envolve o uso de drogas sem efeito como a cloroquina e a ivermectina, afirmou que tenta se manter “completamente fora disso”.

Na sua opinião, o tratamento precoce deveria ser entendido como testagem, diagnóstico precoce e tratamento dos sintomas de quem contrai a doença, seguindo os protocolos médicos.

Também apontado como uma das razões pela convocação de Barra Torres à CPI foi a decisão a não autorização do uso da vicina russa Sputnik V no Brasil determinada pela Anvisa em abril, último, mesmo com alguns governadores tendo negociado a sua compra direta. Barra Torres afirmou que não houve preciosismo nessa conclusão argumentando que a empresa produtora não enviou à Anvisa todos os relatórios técnicos necessários que atestassem a segurança e eficácia do imunizante, e faltavam documentos que comprovassem que o adenovírus usado nessa vacina não era capaz de se reproduzir no corpo da pessoa imunizada e causar doenças.

Sputnik V

Disse, também, que o pedido de aprovação da Sputnik V está neste momento parado na agência, aguardando que a empresa União Química, que representa o fabricante do imunizante no Brasil, entregue novos documentos para reabrir a análise.

Questionado, afirmou que não se reuniu com diplomatas dos Estados Unidos para tratar do tema e que a negativa à Sputnik V não deve provocar desconfiança sobre a vacina. “Essa negativa de autorização excepcional de importação não deve somar a essa marca Sputnik V nenhum pensamento negativo. Essa é uma marca do processo, conclamo que, tão logo essa situação seja, e esperamos que seja resolvida, que não se credite a essa vacina nenhuma característica ruim”.

O presidente da Anvisa disse não ver nenhum problema em vacinas, medicamentos ou insumos chineses, e afirmou que uma fala recente de Bolsonaro, que sugeriu que a China teria usado o coronavírus para fazer uma guerra química, se baseia em uma teoria sem “nexo causal”.

Ao se declarar contrário a qualquer tipo aglomeração neste momento da pandemia, o presidente da Anvisa, ao ser cobrado sobre sua participação em uma aglomeração de apoiadores do presidente em frente ao Palácio do Planalto, ao lado do próprio, em março de 2020, no início da pandemia, sem máscara, foi taxativo: “Foi um ato inadequado. Eu hoje tenho plena consciência de que se pensasse cinco minutos, eu teria feito diferente”. Se arrependido, ao lembrar que estava no Palácio do Planalto para uma reunião com o presidente e o acompanhou quando ele decidiu encontrar apoiadores.

Ofensa

O diretor-presidente da Anvisa voltou repudiar as críticas feitas em fevereiro último, no plenário da Câmara Federal pelo líder do governo Ricardo Barros (PP-PR), ao trabalho do órgão regulador quando. O parlamentar disse que os diretores da agência estavam “fora da casinha e nem aí para a pandemia” e que iria “enquadrar a Anvisa” por considerar exageradas as exigências da agência para aprovação de vacinas contra a Covid-19.

Após ressaltar que “se sentiu ofendido”, Barra Torres, a pedido do senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI. Disse: “Recebi muito mal, e, não só eu, os servidores da Casa se sentiram profundamente ofendidos por essa declaração. Primeiro porque ela não é verdadeira. Pessoas que trabalham na Anvisa abriram mão de tudo o que um ser humano pode abrir mão. Já abriram mão de família, tempo livre, final de semana, noite de sono, e ouvir uma autoridade do cenário político nacional que ‘não estamos nem aí’ foi muito ruim. Eu não sou capaz de qualificar o quanto foi ruim dizer que nós não estávamos nem aí para a pandemia”.

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