Após ofensiva de Trump, Brasil reforça moeda local no Brics

Presidente americano fala em 'morte' do bloco após ameaçar países com tarifas, para analista, 'com a possibilidade de guerra comercial em grande escala, inflação global tende a aumentar'

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Bandeiras dos Brics
Bandeiras dos Brics (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

Em meio à ofensiva do presidente dos EUA, Donald Trump, contra o Brics, a Presidência do Brasil do bloco se comprometeu a desenvolver uma plataforma que permita aos países-membros usarem suas próprias moedas para o comércio entre eles, o que poderia abrir caminho para substituir, em parte, o dólar como moeda do comércio internacional.

“De forma a cumprir o mandato estabelecido pelos líderes do Brics na Cúpula de Joanesburgo em 2023, a Presidência do Brasil dará continuidade aos esforços de cooperação para desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento, aproveitando sistemas de pagamento mais acessíveis, transparentes, seguros e inclusivos”, informa o documento.

A medida contraria os interesses dos EUA, que iniciaram uma guerra comercial com a elevação de tarifas para alguns mercados e produtos, incluindo o aço e alumínio, mercadorias que o Brasil exporta para o país.

Ontem, antes de se reunir com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que faz parte do Brics, o presidente Trump disse que o bloco estaria “morto” depois das ameaças que fez de taxar em 100% as importações dos países que substituam o dólar.

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Por sua vez, o documento da Presidência brasileira do Brics afirma que o “recurso insensato ao unilateralismo e a ascensão do extremismo em várias partes do mundo ameaçam a estabilidade global e aprofundam as desigualdades”.

O documento completa dizendo que “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem destacado o potencial do Brics como espaço para construção das soluções de que o mundo tanto precisa. Mais do que nunca, a capacidade coletiva de negociar e superar conflitos por meio da diplomacia se mostra crucial. Nosso agrupamento dialoga com todos e está na vanguarda dos que defendem a reforma da governança global”.

O professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), Fabiano Mielniczuk, destacou que o Brasil terá que deixar mais claro para o mundo o que significa esse tipo de mecanismo de pagamento em moeda local.

“O Brasil tem enfatizado bastante, principalmente na figura do seu Sherpa novo, o embaixador Maurício Lirio, que não pretende avançar no sentido da desdolarização das relações econômicas internacionais. O Brasil não quer criar atritos com os EUA. E o Brasil precisa deixar claro até que ponto a criação de mecanismos para pagamento em moeda local no âmbito do Brics representa, ou não, uma alternativa ao dólar”, ponderou.

Para especialistas consultados pela Agência Brasil, os EUA buscam preservar sua hegemonia econômica global, que tem no dólar como moeda internacional uma das suas principais vantagens. Por outro lado, os países do Brics defendem que o uso de moedas locais para o comércio traz benefícios econômicos e reduz fragilidades externas, pois os países não precisariam recorrer sempre ao dólar para o comércio exterior.

A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Ana Elisa Saggioro Garcia avalia que a nota do Brasil não trouxe novidades em relação ao que já vinha sendo discutido no âmbito do bloco em relação aos meios de pagamento, faltando ainda detalhar como isso seria implementado.

“Há muito o que se fazer para enfrentar esse período Trump. Acho que se, de fato, o Brics conseguir avançar em facilitar o comércio interno dentro do bloco, à revelia das tarifas impostas, avançando nos descontos de transações de crédito e no financiamento do comércio em moedas locais, vamos ter um avanço significativo”, comentou Ana Elisa, que é pesquisadora do Brics Policy Center, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

O Brasil ainda promete fortalecer a recém-criada Rede de Think Thanks sobre Finanças e a cooperação em infraestrutura, tributação e aduanas, assim como aprofundar a Parceria Brics para a Nova Revolução Industrial (PartNIR), “cujo objetivo é a diversificação e a atualização tecnológica da base industrial dos países do agrupamento”.

A regulação da Inteligência Artificial é outra agenda da Presidência brasileira no Brics. Para o professor Fabiano Mielniczuk, o Brasil e os Brics precisam avançar na proteção dos dados produzidos nos países.

“Esses dados estão gerando riqueza para as big techs. O Brasil deveria focar na dimensão econômica da economia de dados que está por trás da geração de modelos de IA e não apenas regular o uso da IA. Se o viés econômico de economia de dados avançar no tratamento de IAs, aí os interesses do Sul Global vão ser atendidos”, argumentou o especialista em Brics.

No documento que detalha as prioridades da Presidência brasileira, o país se comprometeu ainda a promover a defesa da reforma das instituições financeiras internacionais, em especial, do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional.

“A Presidência brasileira pretende aumentar a representação dos países em desenvolvimento em posições de liderança no FMI e Banco Mundial, refletindo melhor as contribuições das nações do Sul Global para a economia mundial, bem como objetiva trabalhar para aprimorar iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo de Reservas para Contingências”, diz o texto.

Para André Matos, CEO da MA7 Negócios, “o anúncio de Donald Trump sobre a criação de tarifas recíprocas para países que impõem taxas de importação sobre produtos dos EUA, como o etanol brasileiro, reforça a sua estratégia de reduzir os déficits comerciais e implementar o ‘American first’. Porém a medida acirra ainda mais a tensão comercial, especialmente entre os membros do Brics, ameaçados de taxas de até 100% e que já vêm enfrentam desafios relacionados à competitividade e ao uso do dólar. O impacto das tarifas poderá desestabilizar ainda mais as economias emergentes, como o Brasil, elevando o valor do dólar e prejudicando a balança comercial. Além disso, esse movimento pode levar o Fed a subir os juros, o que agravaria a fuga de capitais para os EUA e afetaria a estabilidade econômica global.”

E para João Kepler, CEO da Equity Fund Group, “com a possibilidade de uma guerra comercial em grande escala, a inflação global tende a aumentar, especialmente nos EUA.”

“Isso pode dificultar ainda mais o trabalho do Federal Reserve em atingir sua meta de inflação de 2%, já que a elevação dos custos de insumos básicos tende a pressionar os preços, forçando o banco central a adotar uma postura mais cautelosa e a realizar novos aumentos de juros. Para o Brasil, essa situação pode resultar em uma valorização do dólar e na desestabilização das relações comerciais, prejudicando a competitividade das exportações e afetando o fluxo de capitais internacionais. O aumento das taxas de juros nos EUA atrai investidores para os títulos públicos americanos, valorizando o dólar frente a outras moedas e criando um cenário de instabilidade para economias emergentes como a brasileira.”

Com informações da Agência Brasil

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