As notícias e manchetes transcritas a seguir, que foram publicadas em edições recentes de jornais do Rio e São Paulo, levam qualquer pessoa normal à conclusão de que fracassou o modelo econômico desregulamentado, “financeirizado” e entregue às forças do mercado, que a presente administração adotou sob pressão do FMI e de governos de alguns países que sempre mandaram no Brasil:
“Lucro dos bancos triplicou em 2001”; “Do apagão à dengue, a economia do setor público está órfã” ; “Economia do país não cresce em qualidade”; “Lucro da Vale em 2001 equivale ao valor pelo qual a empresa foi privatizada em 1997”; “Empresas de energia lucram até 257% no racionamento”; “Lucro de Furnas em 5 anos seria o preço de venda da empresa”; “Empresas de energia enviaram R$ 9 bilhões ao exterior em 3 anos”; “Tarifas de eletricidade pressionaram o IPCA em 7%”; “Luz no Rio custa o dobro de Paris”; “De Collor a FHC, salário real caiu 20%”; “Indústria de SP demite mais do que contrata”, “Brasil é o segundo país do mundo em quantidade de desempregados”; “Estado paralelo controla setores de principais cidades”; “Traficantes torturaram e mataram jornalista”, “Serviços públicos privatizados puxam inflação”, e por aí vai.
Para explicar esse descalabro, os analistas econômicos põem-se a inventar pernósticas teorias monetaristas e financeiras, quando na verdade as causas são bem simples: estamos valorizando exageradamente o lado financeiro da economia, em detrimento do lado produtivo e, o que é pior, permitimos que seja remetida ao exterior grande parte da renda de setores produtivos que já estavam aqui implantados e não remetiam lucros. Por outras palavras, dissipamos a capacidade de investimento da economia sem nada construir e abrimos as veias do Brasil, provocando uma sangria desatada, que nos levará à falência.
O que significa abrir as veias, nesse caso? Expliquemos com o exemplo da estatal Furnas Centrais Elétricas, que certos grupos instalados no governo querem retalhar e leiloar às pressas, antes do fim do ano.
Segundo seu relatório de 2001, a empresa gerou, no ano 2000, cerca de 41.800 GWh em suas próprias hidroelétricas, comprou 113.900 GWh e supriu 152.200 GWh às principais distribuidoras que abastecem, total ou parcialmente, os estados de São Paulo; Rio de Janeiro; Minas Gerais; Paraná; Mato Grosso do Sul; Espírito Santo; Goiás e Distrito Federal. Na região servida por Furnas concentram-se 64% do PIB nacional e consomem-se 62% da eletricidade brasileira.
No ano passado, a receita operacional de Furnas foi de US$ 3,3 bilhões, a empresa investiu US$ 375 milhões e seu lucro líquido foi de US$ 276 milhões (800 milhões de reais).
Dada a elevada idade média do parque gerador, o valor contábil da empresa é muito reduzido, daí resultando uma baixa incidência do capital nos custos de produção. Graças a isso, Furnas gera eletricidade a um custo que contribui decisivamente para manter baixo o preço médio das tarifas oferecidas às distribuidoras.
Caso a empresa seja mesmo desmembrada e privatizada, a especulação em torno dos elevados custos de geração das termelétricas a gás natural provocará, entre outras coisas, uma drástica elevação das tarifas e, portanto, do faturamento próprio das empresas a serem desmembradas de Furnas, cujo lucro liquido irá às nuvens, pois os custos fixos e as despesas operacionais ficarão estáveis (ou cairão, via demissões e terceirizações).
Teremos então, por assim dizer, os caudalosos fluxos de água dos rios vertendo, através das hidrelétricas, gigantescas somas de dinheiro nos cofres das novas empresas.
Retalhar e privatizar Furnas significa entregar essa fortuna a grupos que remeterão quase tudo para seus acionistas no exterior sem nada construir aqui, pois é certo que os leilões serão vencidos por grupos estrangeiros, que têm forte apoio de determinadas autoridades. Com isso os consumidores brasileiros passarão a pagar em dólares pela inestimável riqueza natural (a água dos rios) que nos pertence e permite-nos gerar eletricidade quase de graça, em usinas construídas com tecnologia nacional e dinheiro do contribuinte brasileiro.
Paradoxalmente, estamos lamentando o que agora acontece com a outrora riquíssima Argentina, sem perceber que seguimos pelo mesmo caminho, ao transferir o patrimônio público para grupos que, por força de desnecessárias remessas de lucros e royalties, descapitalizarão e empobrecerão ainda mais o Brasil.
Joaquim Francisco de Carvalho
Consultor no campo da energia.














