Conversamos com Publio Madruga, chair da América Latina da Edelman Global Advisory, sobre as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, previstas para ocorrerem em fevereiro de 2025.
Quando nós fizemos a sua última entrevista, eu lhe perguntei sobre qual seria o melhor momento para que pudéssemos conversar sobre as eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Eu achava que você ia me dizer uma data entre dezembro e janeiro, mas você me disse que o melhor momento seria logo após as eleições municipais. Por quê?
Por causa do rearranjo de forças. Você tem um resultado de urna que diz o que está e o que não está funcionando. O que o povo quer, o que ele está ouvindo e o que reverbera. Com essa informação, os políticos sabem com quem devem e não devem se juntar para continuar o processo.
São várias coisas que contam. Por exemplo, o Arthur Lira tem intenção de ser candidato ao Senado. Ele vai conseguir isso com o Hugo Motta na presidência? Não temos como saber, porque ele vai sumir do processo. É por isso que ele precisa manter, de alguma forma, um protagonismo para poder estar presente, o que é muito difícil. Você tem que juntar peças que deem suporte e algum tipo de visibilidade, já que daqui a dois anos há outra eleição.
Veja o caso do PT, que foi dizimado. O partido vai conseguir mudar a sua retórica? Com quem eles vão se juntar? Com o Kassab? Em termos políticos, o Kassab é caro, pois tem muito poder e foi o grande vencedor das eleições. Ele é uma pessoa que se destaca pela sua maior capacidade política, pois sabe falar e se articular.
Esse rearranjo não é, necessariamente, um termômetro, pois as eleições municipais tratam de questões locais, mas indicam, de alguma forma, principalmente em capitais e centros urbanos, o caminho a frente e o que se quer entender desse processo. Por exemplo, o Arthur Lira entendeu que não tem mais força para ir sozinho, pois foi derrotado nas suas eleições internas. É por isso que a questão é com quem um político vai se juntar, nesse novo tabuleiro, para conseguir uma visão de futuro, pois, no fim das contas, os votos estão nos municípios, e os prefeitos têm um poder absurdo sobre esses votos. Como eles têm uma grande capilaridade de votos e vão ser conhecidos, os prefeitos têm um grande poder de canalizar os votos que vão eleger deputados, senadores e o presidente.
A eleição para a presidência da Câmara está definida?
Excelente pergunta. Existe um favorito, Hugo Motta, que tem votos suficientes dados os apoios que ele diz ter. O problema é que apoio não é vinculante. Nesse jogo, há um jogador que resolveu não apoiar o Hugo Motta, Gilberto Kassab, e que, até o momento, está mantendo a candidatura do Antônio Brito. Na semana passada, nós tivemos um movimento esquisito e estranho, que foi o anúncio de que o União teria se juntado ao bloco do Hugo Motta, para depois o Elmar Nascimento desmentir essa informação no seu X, antigo Twitter.
Se o PSD apoiar o Hugo Motta, a eleição acabou. A questão é que o Kassab está mantendo a candidatura do Antonio Brito para, provavelmente, negociar alguma coisa, como um melhor lugar na mesa diretora ou uma comissão importante. Apesar do Hugo Motta estar forte com PP, Republicanos, Podemos, PL e MDB, se o Antônio Brito contar com o União e o PT, que vai levar o PSOL, PCdoB e PV, ainda assim o Hugo Motta precisaria de poucos votos para vencer, mas teríamos um embate interessante que pode mudar as coisas. No fim das contas, eu acho que eles vão entrar em um acordo em torno do Hugo Motta, e a questão vai ser como a Câmara será dividida para abarcar todos que apoiaram a sua candidatura.
Não é possível dizer que a eleição está definida apenas por causa do Gilberto Kassab. Se do outro lado estivesse o União e o Elmar Nascimento ou o PT, eu diria que essa eleição está definida, mas como é o Kassab, eu deixo em aberto, pois não temos como saber o que ele quer e se essa negociação vai terminar de um jeito que atenda todo mundo.
A eleição para a presidência do Senado está definida?
No senado, a eleição está definida. O Davi Alcolumbre tem apoio e fez um trabalho de se colocar como candidato durante todo esse tempo. O Alcolumbre fez as negociações certas e está contando com uma coisa que, em outros momentos, se via menos, mas que agora se vê de forma explícita: o pragmatismo dos partidos que, em tese, são contrários a ele.
Na última eleição, o PL disputou a presidência com Rogério Marinho, mas ao disputar a eleição e perdê-la, ficou de fora da mesa diretora e de qualquer comissão importante. O partido ficou fora de tudo. Agora, o PL, principalmente o Bolsonaro, tem se colocado em uma posição de pragmatismo, de que é melhor apoiar e ter voz nas decisões dos próximos quatro anos do que entrar em uma disputa, perdê-la e virar um pária que fica com a pauta extremamente esvaziada.
Com relação ao Senado, não havia outra opção ao Davi Alcolumbre? Eu faço essa pergunta por duas razões: 1) ele já foi presidente do Senado e vai voltar a presidir a casa; e 2) tanto ele quanto o próximo presidente da Câmara estão entrando por dois mandatos de presidente, pois daqui a dois anos haverá novas eleições e eles poderão disputá-las, além de já partirem como favoritos.
Aqui, nós entramos na questão do pragmatismo. De quem trabalha melhor, promete melhor e cumpre a palavra, pois, no fim das contas, é isso que importa. O Davi Alcolumbre já passou por uma presidência e foi dessa forma. Depois que ele saiu da presidência, ele apoiou o Rodrigo Pacheco e fez o seu trabalho como presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ele vai voltar porque o que se quer é alguém que cumpra acordos.
Por mais que o PL tenha a maior bancada da Câmara e a segunda maior bancada do Senado, ele consegue fazer valer essa força no Congresso?
Consegue, mas o risco de tentar valer essa força e não ganhar faz com que a perda seja muito maior do que qualquer vantagem que se tenha. Se o partido faz um acordo que seja bom para ele, não vale a pena partir para uma briga. É nesse ponto específico que pessoas como o Kassab se destacam. Ele não fica na briga pela ponta. Ele entrega, mas diz o que quer de volta, sendo que isso é o suficiente para que ele mantenha toda a influência que possui. Se chegar o momento em que for uma pessoa do seu partido, ótimo, mas ele não vai entrar em uma briga direta, pois não precisa disso. O Kassab é um cara de bastidores, negociador, exímio político e agregador. Como disse, ele ainda não apoiou o Hugo Motta porque quer alguma coisa em troca desse apoio. No Senado, é a mesma coisa. Isso não quer dizer que ele vai apoiar o oponente, mas ele pode se virar e liberar a bancada. Esse é o processo.
Tudo é um controle de risco. Quando você aumenta o risco e perde, se ferra muito. Como ninguém quer perder, está todo mundo andando junto.
Um presidente da Câmara com apenas 35 anos não é perigoso?
O Hugo Motta já está na Câmara há muito tempo. Ele assumiu o primeiro mandato como deputado com 21 anos. Ele é bom de conversa, articulado e foi escolhido pelo Arthur Lira junto com os Republicanos. Não sei se a idade é um problema.
O maior problema que o Hugo Motta vai enfrentar é o que esperar dele. Ele vai ser um novo Arthur Lira, que fez uma revolução na Câmara? Não quero fazer uma avaliação se essa revolução foi para o bem ou para o mal, mas ele transformou os processos sob a batuta de que o plenário é soberano. Por exemplo, a Reforma Tributária não tinha comissão, e sim grupos de trabalho. Ele criou um “Regimento Arthur Lira”, um “Processo Legislativo Arthur Lira” para comandar e votar projetos. O Hugo Motta vai ter força para fazer isso ou vamos voltar para o regimentalismo, onde as regras são seguidas?
Na semana passada, foi criada uma comissão especial para a Anistia, que estava na CCJ. Isso foi dessa forma porque o Arthur Lira quis. Quando ele quer, ele faz e resolve, e foi assim durante as suas duas presidências. Ele acabou com a obstrução, acelerou o processo, transformou a urgência em uma maluquice e votou projetos sem texto. Ele fez de tudo. Em paralelo, o Rodrigo Pacheco foi um presidente muito mais regimentalista.
O Hugo Motta pode ser mais novo, mas tem experiência, porém, ele vai enfrentar uma série de outros problemas, como o Flávio Dino, que quer ser o “Legislador Geral do Brasil”, mexendo no orçamento e tirando as emendas. Como vai ser o embate do Hugo Motta com o Flávio Dino? Ele vai ter força para isso? O Arthur Lira conseguiu manter uma certa independência, mas está tomando uma ferrada no final e acabou ficando complicado.
Na nossa primeira entrevista, nós conversamos há dois anos sobre o Congresso que foi eleito na eleição de 2022. Naquela oportunidade, você disse que o atual governo não tinha uma base, mas como o presidente Lula é um político habilidoso, ele montaria uma base em dois anos. Na sua avaliação, ele conseguiu isso?
Não, ele não conseguiu isso. O Lula não entendeu as mudanças efetivas de como o Congresso está funcionando. Hoje, o governo tem muito pouco a oferecer. Existe uma série de ferramentas, como as emendas impositivas e de relator, que empoderaram demais o Congresso, a ponto de fazer com que a dependência do Executivo fosse sendo dissipada.
O Lula encontrou uma realidade que o impediu de fazer o que queria e não soube trabalhar com ela. A sua relação com o Arthur Lira foi extremamente espinhosa e com muitas derrotas para o governo. Por exemplo, o Arthur Lira simplesmente acabou com as medidas provisórias. Por conta da pandemia, o processo constitucional das MPs foi mudado, sendo que essa mudança entregou um poder absurdo ao presidente da Câmara sobre os textos finais. Quando a pandemia acabou, queria-se voltar ao processo constitucional, mas o Arthur Lira disse que não, pois esse processo era melhor. Como tinha que mudar, ele não votou mais as MPs. Com isso, o governo passou a mandar MPs, que valem por 120 dias, para logo depois enviar um projeto de lei, com o mesmo texto da MP, para negociá-lo e votá-lo antes do vencimento da MP. Isso deu um poder absurdo para o Arthur Lira.
Aqui, nós voltamos à pergunta passada. Nós teremos isso com o Hugo Motta? Ele vai ter força suficiente para emparedar o governo? O Lula vai entender que não tem mais o poder das emendas? Ele vai conseguir falar com essas pessoas? Ele vai ter um ministro melhor de articulação? Ele vai fazer uma reforma ministerial para levar, por exemplo, o Arthur Lira para algum ministério e colocar o PP na base? Isso seria excelente para o Arthur Lira, pois, com um ministério, ele ficaria em evidência para o que quer: disputar o Senado. Se isso não acontecer, ele vai virar um dos 513 deputados.
O Lula não conseguiu montar essa base, mas ele tem mais dois anos. Ele vai tentar, mas não temos como saber se ele vai conseguir. O problema é que o Lula não está conseguindo dialogar. Quando analisamos as propostas governamentais, nós vemos que elas são de um passado que não existe mais, só que ao insistir nisso, fica cada vez mais difícil construir essa base. Por que um deputado se empenharia em uma pauta que a população entende como retrógrada, se o governo não tem mais o dinheiro e a emenda para isso? Seria preciso que o Lula repensasse e negociasse, mas não sei se ele está nesse momento. Eu achei que ele teria mais flexibilidade no que quer fazer, mas está sendo mais difícil do que ele esperava. Eu tenho a impressão de que ele está de saco cheio.