Conversamos sobre as empresas e a gestão de volatilidades com Marcelo Costa, sócio e diretor de Treasury Sales & Structuring do BR Partners.
Como a volatilidade impacta as empresas?
Toda empresa tem que gerar uma margem operacional, que é a diferença entre as suas receitas e os custos de produção, sendo que esses custos podem estar indexados a variáveis expostas a volatilidades, como commodities e taxa de câmbio.
Para que empresas não financeiras, principalmente do setor industrial e de produção, possam se defender, especialmente as que possuem uma governança maior e capital aberto, elas possuem políticas de risco. Em cima dessas políticas, elas tentam tirar um pouco da subjetividade das suas decisões e especificar, por exemplo, que em um determinado momento do seu ciclo de produção, elas terão que fazer um hedge de um determinado risco.
Por exemplo, quando um produtor de soja compra insumos para a sua produção, como sementes e fertilizantes, ele já vai ao mercado futuro de soja e de dólar para fixar uma parte da sua receita, de forma a garantir, pelo menos, o pagamento dos custos da sua produção. Na medida em que a produção vai avançando, o produtor fixa novos preços dentro de um range ou de um cronograma.
A gestão de risco de volatilidades é muito importante, mas, muitas vezes, as empresas não fazem o mapeamento correto desses riscos, o que faz com que apareçam variações financeiras de riscos que elas não conseguiram enxergar.
Como as empresas falham no mapeamento de riscos?
Vamos imaginar uma empresa que faz uma venda hoje, mas que só vai faturar daqui a três meses. A partir do momento em que ela fecha a venda, ela sabe o preço pelo qual ela vendeu, mas esse valor só vai aparecer no balanço quando o faturamento acontecer. Essa situação gera um risco chamado off-balance, sendo que a empresa já deveria ter feito o hedge da operação no momento em que aconteceu a venda.
Nós vemos muitas empresas com essa dinâmica de operação, mas que estão mais preocupadas com a gestão de risco do seu balanço do que com a gestão de risco do seu fluxo de caixa.
Da mesma forma, existem empresas que fizeram o mapeamento, mas que não avaliaram corretamente os riscos de volatilidade. Uma vez eu conversei com a gestão de uma indústria de refrigerantes que me disse que o açúcar representava 10% do seu custo de produção, mas como ela não tinha a dimensão da volatilidade do preço da commodity, ela não se protegia desse risco. Posteriormente, o preço do açúcar subiu 200%, o que impactou, diretamente, a sua margem operacional, o seu lucro e o dividendo do seu acionista.
Outro exemplo: em empresas com menos governança, o executivo da tesouraria, muitas vezes, faz o mapeamento correto de riscos, mas o dono da empresa não faz o hedge porque simplesmente não quer. Por mais que o hedge seja para diminuir a volatilidade do balanço da sua empresa, ele pensa como o dono de um carro que acha que o seguro contratado foi ruim, já que o carro não foi batido e nem roubado.
Captações precisam ser protegidas da volatilidade?
Com certeza. Se uma empresa captou uma dívida em dólar antes da pandemia, ela recebeu R$ 3,90 por cada dólar captado, mas agora ela vai ter que pagar R$ 5,70 por cada um desses dólares. Se essa empresa não protegeu a dívida contra um indexador menos volátil, como o CDI, ela vai pagar muito mais pela operação.
Isso vale também para as captações locais feitas em inflação, já que elas são longas. Se houver uma pressão inflacionária, a taxa que a empresa vai pagar, entre a parte fixa mais a variação da inflação, pode ficar, de longe, mais alta que o CDI.
Quando falamos na questão de transformar essas dívidas para CDI, isso se baseia no fato de que se essa empresa tem caixa, esse caixa, de certa forma, é aplicado nos bancos a CDI, o que faz com que haja um certo equilíbrio entre a indexação do passivo e do caixa.
Da mesma forma, nós temos empresas que fazem dívida em IPCA, mas que não têm a necessidade de fazer o hedge para CDI, como as distribuidoras de energia, cujos contratos de concessão são indexados à inflação. Nesse caso, não há por que trocar o indexador para CDI.
Inclusive, muitos investidores só compram essas operações se a empresa escrever que vai fazer o seu hedge. Isso porque, por exemplo, uma dívida emitida com o dólar a R$ 3,90, mas que tem que ser paga com o dólar a R$ 5,70, pode quebrar a empresa.
Como escolher o nível correto de um hedge?
Como isso passa por algumas variáveis, as empresas tentam, ao máximo, criar políticas para que essas estratégias não fiquem muito abstratas. Eu costumo falar para os meus clientes que tão importante quanto fazer o hedge, é executar a operação no timing correto.
No começo do ano, quando o dólar estava a R$ 6,30, todo mundo, inclusive os economistas americanos, achavam que o dólar ia continuar bastante forte, só que aconteceu justamente o contrário. Atualmente, o dólar está sofrendo bastante em relação a todas as moedas, tanto que o real, apesar de todos os nossos problemas, está em um nível bem mais baixo. Se uma empresa não se protegeu quando o dólar estava a R$ 5,60, antes da subida do final do ano passado, e se protegeu quando o dólar bateu R$ 6,30, achando que ele ia continuar subindo, ela teve problema de timing na ida e na volta.
Como não temos bola de cristal, nós temos um time que estuda muito os mercados, seja de juros, seja de moedas, para levarmos aos clientes um balanço de risco que pode fazer aquela variável ir para um lado ou ir para o outro. Em cima disso, nós traçamos uma estratégia. Se você me perguntar se o dólar vai subir ou vai cair, eu não sei te dizer, mas eu sei te dizer as variáveis que estamos vendo no radar macroeconômico que podem fazer o dólar subir ou cair. Junto com os nossos clientes, nós colocamos as variáveis na balança, vemos para onde ela pende mais e criamos uma estratégia de como executar a operação no tempo.
Existem empresas que possuem políticas que dizem que, se aparecer um risco no balanço, automaticamente elas têm que fazer a proteção. Na minha opinião, isso é o mais correto.
Esses instrumentos são caros?
Como esses mercados de futuro têm bastante liquidez, o custo é muito baixo. Mesmo assim, existem empresas, principalmente as que possuem menos governança, que acham que fazer um hedge é caro, mas existem formas de barateá-los.
Se o cliente acha que a solução está saindo muito cara, nós tentamos criar produtos para que ele continue assegurado dentro de uma faixa de segurança. Por exemplo, se uma empresa quiser se proteger contra uma alta indefinida do dólar para daqui a um ano, essa operação vai ter um custo, mas se ela quiser se proteger até R$ 6, R$ 6,50 ou R$ 7, essas proteções vão ficar mais baratas porque você está limitando até onde elas podem ir.
Quando a empresa contrata uma proteção, ela tira a volatilidade do balanço e traz previsibilidade de geração de caixa e de margem operacional. Um acionista deveria querer isso para a sua empresa, de forma que ela não ficasse exposta a riscos exógenos.
O fato de uma empresa ser organizada ajuda na administração da volatilidade?
A volatilidade depende mais do setor da empresa do que do seu management. Por exemplo, uma empresa do setor aéreo está exposta ao preço do petróleo, que possui uma grande volatilidade. Quanto maior a governança da empresa, maior será a gestão dos seus riscos, mas existem empresas que possuem governança de várias coisas e que não possuem uma boa governança de gestão de riscos e que acabam se expondo a riscos que não são do seu dia a dia.
Por exemplo, se uma produtora de soja nunca fez uma operação de captação em dólar ou em IPCA, ela não sabe como se precifica a operação e nem como isso pode impactá-la caso ela não faça o hedge.
Nos meus 30 anos de carreira, eu sempre vi que as tesourarias das empresas, independente do tamanho da empresa, são muito carentes de uma assessoria de gestão de risco por parte dos bancos, seja porque os bancos grandes, muitas vezes, não vão parar a linha de produção para fazer esse trabalho, seja porque os bancos menores, geralmente, são muito focados em crédito e não têm pessoas com esses perfil. É por isso que um banco de derivativos têm que vender a inteligência da gestão, e não apenas o produto.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Da mesma forma que eu vi muitas empresas menores crescerem e começarem a acessar o mercado de capitais, o que foi uma revolução em termos de estrutura de capital, sendo que várias delas fizeram IPOs, eu enxergo que ainda tem muito mato alto para que essas empresas possam se desenvolver na gestão de riscos, o que passa por conhecimento técnico e capacidade de governança.