As propostas econômicas de Trump e Kamala

Segundo William Castro Alves, tão importante quanto a definição do próximo presidente, é a definição do próximo Congresso com o qual ele terá que negociar.

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William Castro Alves
William Castro Alves (foto divulgação Avenue)

Considerando a reta final da eleição presidencial americana, que será encerrada no próximo dia 5, conversamos com William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, sobre as propostas econômicas de Donald Trump, candidato republicano, e Kamala Harris, candidata democrata.

Como você avalia as propostas econômicas de Donald Trump e Kamala Harris?

Nós estamos em um momento de campanha em que temos que fazer um grande filtro sobre tudo o que escutamos. Quando Trump e Kamala falam, eles falam para arregimentar seus eleitores. Isso porque nos Estados Unidos, você precisa fazer com que as pessoas votem, pois elas não são obrigadas a isso. Os candidatos precisam cutucar as pessoas para lhes dizer que se elas não votarem, vai acontecer uma série de coisas com elas. Ambos os lados fazem isso.

Pelo lado da Kamala, ela diz que se os seus eleitores não votarem, o Trump será presidente novamente, que ele tem uma cabeça de maluco, que tem propostas malucas, como mandar os imigrantes de volta para suas casas, uma agenda retrógrada, exploração de petróleo, e por aí vai. Pelo lado do Trump, é a mesma coisa, como as políticas progressistas que não ganham espaço em um campo onde o Trump domina: o interior dos Estados Unidos. “Se vocês não votarem, os Estados Unidos estão acabados. O país vai virar uma San Francisco ou uma Califórnia, onde a Kamala foi procuradora”. Os dois ficam apontando para essas coisas para fazerem seus eleitores votarem, pois é assim que funciona a eleição nos Estados Unidos.

Isso faz com que ambos os candidatos tenham algumas propostas que, ao meu ver, são muito mais retórica de campanha do que plausíveis de serem executadas. Esse é um ponto importante.

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Com relação ao que pode ser eventualmente executado, a questão dos impostos não depende do Congresso. Em 2016, o Trump passou a Bill Act que vence agora em janeiro de 2025. Se a Kamala for eleita, ela já disse que não vai renovar a Bill, ou seja, os impostos vão aumentar de forma automática. O Trump, por sua vez, já disse que se for eleito, vai renová-la, mantendo os impostos mais baixos e ainda baixando outros. Assim, no campo do tax, tanto para indivíduos quanto para corporações, as propostas dos dois candidatos são mais factíveis.

Na questão do salário mínimo, os republicanos não são favoráveis, a nível nacional, a determinações de salários mínimos ou programas de renda mínima, mas no caso da Kamala, é um mote da sua campanha que ela vai tentar isso, que não é tão simples e que depende do Congresso. E se passar, ainda tem a questão da jurisdição de cada estado, onde cada um pode tomar a sua decisão. Já Trump, ele opera muito na questão da liberdade dos estados. Por exemplo, no debate, Trump falou muito sobre isso, mas mais voltado para a questão específica do aborto, sempre reforçando o papel dos estados e as suas independências para definirem determinados assuntos. Dessa forma, determinar um salário mínimo nacional não faz sentido, pois o país possui realidades muito distintas, como a realidade de Idaho, do Wyoming e da Califórnia. Por mais que se determine um salário mínimo nacional, isso não, necessariamente, vai funcionar.

Considerando que Trump já foi presidente, o que se pode esperar de uma nova presidência de Trump em termos econômicos?

O Trump tem um jeito menos político de ser, o que assusta algumas pessoas, mas ele já foi presidente e já teve que sentar e negociar com o Congresso. Nós podemos esperar menos regulação, um mote da sua campanha, o que é bom para os bancos e para o setor de saúde, e uma agilidade para liberação de licenças ambientais para exploração de petróleo e combustíveis fósseis, já que os Estados Unidos ficaram muito próximos a uma situação perigosa em relação às suas reservas de petróleo, já que tiveram que vender para a Europa para “ajudá-la”, dado o problema do gás russo.

O Trump defende muito os cortes de gastos, especialmente do Obama Care, mas ele não está falando muito sobre isso na campanha, já que, obviamente, não é eleitoreiro dizer que se ele for eleito, ele vai cortar algum benefício. Ele ficou quieto, mas no primeiro mandato ele falou muito sobre isso. Trump também é a favor de menos Estado.

Com relação à China, nós podemos esperar mais tarifas, um embate mais aguerrido e menos transferência de tecnologia.

Mais tarifas e menos impostos levam ao aumento do déficit, mas já existe, especialmente do lado dos republicanos, o sentimento de necessidade de ajustar a questão do déficit fiscal. Isso não precisa ser dito na campanha, pois não é algo eleitoreiro, mas durante um mandato se consegue ajustar alguma coisa. Além disso, desses pontos, eu vejo o Trump melhor assessorado.

Considerando que Kamala é a atual vice-presidente e participa do atual governo, o que se pode esperar de uma presidência de Kamala em termos econômicos?

A leitura de Kamala é difícil. Ela tem algumas frases meio desconexas, que não parecem fazer muito sentido, mas Kamala fala muito de regulamentação, apertar um pouco o cerco sobre as grandes empresas e taxá-las, fortalecer negócios menores e programas de renda específicos, seja para estudantes, seja para pequenos negócios. O foco em pequenos negócios é uma ideia para tornar a economia americana mais dinâmica. Fora isso, Kamala seria uma continuidade do Governo Biden.

Considerando as propostas econômicas dos dois candidatos, o que pode ser classificado como sério e bravata?

As bravatas se dão menos na economia e mais nos costumes e princípios. Na economia, você pode até ter a bravata, mas depois tem que mostrar os números, como isso será transformado em realidade. “Eu vou aumentar o salário mínimo para todo mundo”. Ok, mas e o déficit? De onde vão vir os impostos? Como essa conta será fechada?

Na questão dos costumes, como a aprovação do aborto ou mandar os imigrantes embora, e em questões ex economia, as bravatas acabam reverberando mais e ganhando mais espaço, pois não é preciso provar suas contas. Os candidatos falam que tem a intenção e depois vão ver se conseguem fazer isso ou não.

Então, tudo o que está sendo falado em termos de economia pelos dois candidatos, tem que ser levado a sério?

Você tem que considerar, mas tudo vai depender do arranjo do Congresso. Aqui, eu gostaria de abrir um parênteses. Muita gente tem falado que essa é a eleição mais importante dos Estados Unidos. Recentemente, eu fiz uma apresentação mostrando que isso também foi falado nas eleições de 2008, 2012, 2016 e 2020. O New York Times publicou uma matéria mostrando que isso tem sido falado desde a década de 1950. Ou seja, de quatro em quatro anos, nós temos a eleição mais importante dos Estados Unidos. Tem muita coisa sendo dita na eleição, mas a nossa retórica na Avenue tem sido de que os dois vencedores das eleições americanas são a economia e o dólar. Ponto.

Os Estados Unidos passaram quatro anos com um presidente que muitos questionaram a sua saúde e a sua capacidade cognitiva, mas a economia americana está crescendo, e o dólar está muito forte. Desde Clinton, a média de crescimento do PIB foi de 2.4% ao ano. Isso com Bush, Obama, Trump e Biden, e enfrentando recessões, a crise de 2008, a pandemia e por aí vai.

É óbvio que as eleições são importantes e que os candidatos falam bastante coisas, mas quatro anos não mudam um desempenho de décadas e a hegemonia do dólar. É por isso que tão importante quanto a definição de Trump ou Kamala, será a definição do Congresso para que se possa saber o que eles vão conseguir ou não fazer.

Por mais que a economia americana seja forte e resiliente e o Fed seja, de fato, independente, até que ponto um presidente americano pode intervir na economia?

Os Estados Unidos têm um nível de despesas que são cada vez mais difíceis de serem cortadas, como seguridade social, o que faz com que o Governo Federal tenha que conversar com o Congresso. Esse é o lado bom da burocracia, pois ela impede guinadas. Isso faz com que as propostas mais esdrúxulas acabem não acontecendo, pois é preciso passar por um arranjo de Congresso, o que faz com que os temas tendam a sair dos extremos e a virem mais para o meio. Para isso, é preciso ter pautas pluripartidárias onde os dois partidos concordem para que se tenha votos suficientes para aprová-las. Por exemplo, quando Biden assumiu, foi aprovado, com o apoio de alguns republicanos, um pacote de incentivos fiscais de US$ 1,5 trilhão para investimento em infraestrutura. É por isso que será super importante analisar o arranjo do próximo Congresso, vendo se ele estará pendendo mais para um presidente ou se estará dividido.

A disputa econômica dos Estados Unidos com a China se justifica?

Os Estados Unidos representam 26,6% do PIB global, e a China, 17%. A China cresce mais rápido que os Estados Unidos, mas cada vez menos e com uma população que vai ficando cada vez mais velha. É por isso que muitas pessoas já abandonaram a ideia de que a China vai passar os Estados Unidos como a maior economia do mundo, pois como a sua população economicamente ativa começa a diminuir, o país tem menos pessoas consumindo, trabalhando e produzindo, consequentemente, o PIB tende a crescer menos.

Eu não acho que a China esteja muito preocupada em ser a maior economia do mundo e tomar esse posto dos Estados Unidos, mas a diferença da balança comercial é muito grande. É isso que o Trump quer atacar, o que casa com a ideia do nearshoring, levando a produção da China para outros países, já que durante a pandemia, algumas indústrias ficaram reféns da China.

Uma presidência de Trump ou de Kamala podem impactar as relações comerciais com o Brasil?

Para o Brasil, os Estados Unidos são importantes, mas para os Estados Unidos, o Brasil não é tão importante assim. Os americanos têm as questões da China, do desenvolvimento de tecnologia, da Inteligência Artificial, da migração, do tax e do fiscal. Todos esses assuntos são mais relevantes que o Brasil. “Ahhh, mas o Trump vai impor tarifas.” Quando você pega a pauta das exportações brasileiras, não há tanta coisa para se colocar tarifa. O Brasil não manda chips de alta tecnologia, mas aço e suco de laranja. O Brasil não é prioridade dos Estados Unidos, o que acaba sendo bom.

O ponto é a questão do dólar. Muita gente fala que o Trump é favorável para o dólar, mas enquanto um dólar mais forte torna as coisas mais caras para o Brasil, ele ajuda nas exportações. Pelo Trump, nós teríamos mais impacto pela questão do dólar do que pelas tarifas sobre produtos brasileiros.

Pela Kamala, ela teria um alinhamento com o governo brasileiro por dois anos, pelo menos até a eleição de 2026. Além disso, em um primeiro momento, nós não teríamos um impacto tão forte no dólar, o que poderia acalmá-lo no curto prazo.

Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?

Independente de Trump ou Kamala, a economia americana e a força do dólar não mudam em quatro anos. Nós estamos falando de décadas. Nos últimos 50 anos, a economia americana respondeu por 26% do PIB global, valor pelo qual ela responde atualmente, mesmo com recessões e tudo o que acontece. Isso com uma economia de mercado e instituições muito sólidas. O Fed continua independente e é ele que protege o dólar. A despeito do que Trump e Kamala falam, o país tem o Fed como guardião da moeda, o que traz segurança para se investir em dólar. É isso que nós estamos falando muito para os nossos clientes.

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