As trapalhadas com o orçamento de 2021 para Ciência e Tecnologia

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Plenário do Congresso Nacional
Plenário do Congresso Nacional (Foto: Edilson Rodrigues/Ag. Senado)

Há anos acompanho a elaboração do orçamento do Governo Federal, especialmente no que se refere aos recursos destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que gradativamente vem se tornando a principal fonte de recursos para permitir o desenvolvimento de projetos científicos com o apoio do governo federal.

Lamentavelmente, o CNPq, tradicional agência de fomento dos pesquisadores brasileiros, vem perdendo orçamento a cada ano, chegando ao ponto de que seu tradicional Edital Universal, que atinge milhares de grupos de pesquisa atuando em todas as áreas do conhecimento, tenha hoje cerca de 75% dos seus recursos oriundos do FNDCT e não do seu orçamento próprio.

O mesmo vem ocorrendo com os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, que também requerem o socorro do FNDCT para poder honrar o componente federal deste excelente programa, que apoia 102 redes nacionais de pesquisa, em estreita articulação com as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs).

A proposta orçamentária enviada no final de 2020 pelo Governo Federal (ou melhor, pelo Ministério da Economia) ao Congresso Nacional, apunhalou ainda mais o orçamento da área de Ciência e Tecnologia, reduzindo a míseros R$ 23 milhões os recursos para fomento pelo CNPq.

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Mais ainda, aprofundou o contingenciamento do FNDCT, que prevê uma arrecadação de R$ 7,1 bilhões para 2021 sendo que apenas cerca de R$ 520 milhões são destinados ao fomento, aí incluindo R$ 280 milhões para equalização de juros relacionados com as operações de crédito da Finep, R$ 17 milhões para subvenção econômica, que é o principal instrumento de apoio ao desenvolvimento tecnológico nas empresas, e destinando apenas R$ 240 milhões para as ações de fomento da Finep e do CNPq.

Acontece que, ao longo de 2020, a comunidade científica e tecnológica se organizou como um bloco altamente representativo para lutar pela liberação total dos recursos do FNDCT. Esta aliança inclui atores como a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Confederação Nacional da Indústria, a Associação de Dirigentes das Universidades, o Fórum de Pró-reitores de Pesquisa das universidades, o Fórum de Secretários Estaduais de Ciência e Tecnologia, o Fórum de Presidentes das Fundações estaduais de amparo à pesquisa bem como das Fundações de Apoio à Pesquisa, entre outros.

Esta articulação atuou com sucesso junto ao Congresso Nacional e conseguiu avanços significativos na regulamentação do FNDCT. Através do PL 135/2020, apresentado inicialmente no Senado Federal pelo senador Izalcy Lucas, foi aprovada a transformação do FNDCT em um Fundo Financeiro, bem como a liberação total dos recursos acumulados ao longo dos anos e mantidos sob a forma de recursos contingenciados na Secretaria do Tesouro Nacional (STN), bem como a proibição formal do contingenciamento dos recursos arrecadados.

Foi aprovado no Senado em 4/9/2020, com 91 votos a favor e apenas 1 contrário (senador Flávio Bolsonaro), e em 16/12 na Câmara dos Deputados, com 385 votos favoráveis, 18 contrários e 2 abstenções. O PL foi então enviado para sanção presidencial, todos certos de sua aprovação. Eis que mais uma vez Paulo Guedes e sua equipe trabalharam no sentido de que o presidente da República vetasse alguns pontos significativos deste projeto.

O projeto, agora como PLC 177/2021, retornou ao Congresso Nacional, que derrubou os vetos presidenciais em memorável sessão realizada na noite de 17/3/2021. Caberia a sua imediata promulgação, o que só veio a ocorrer em 26/3/2021. Neste intervalo de poucos dias, o Congresso Nacional aprovou o orçamento da União para 2021 e não levou em consideração o que havia aprovado antes, mantendo o contingenciamento do FNDCT.

Ocorre que a sessão de aprovação do orçamento da União para o corrente exercício vem sendo considerada como “ficção, truque contábil, quebra de regras, subestimação de despesas, que inclusive cortou despesas que são obrigatórias”. Com todas essas desqualificações, cresce o movimento para que o orçamento seja refeito o mais rapidamente possível, através de um PLN modificado, compatível com o que espera e merece a sociedade brasileira. Espera-se que o Congresso Nacional atue com autonomia, pautado pelo mérito, pelo interesse nacional e pela legislação vigente e não que seja um posto avançado do Poder Executivo.

 

Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.

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