O debate político em São Paulo está muito mais focado em quem vai dominar a narrativa com as tribos de interesse do que em quem vai melhor ocupar a cadeira de prefeito. O voto, que deveria ser dado à coerência política, passou a ser influenciado pela atitude antissistema.
Em um Estado percebido como distante da realidade, caberia às marcas e empresas a responsabilidade transferida de contribuir para uma sociedade mais justa? Pois essa é a expectativa de sete entre dez brasileiros, que desejam que as marcas façam algo a seu favor. Mas, convenhamos, empresas não exercem o papel do Estado. E os representantes do Estado, por sua vez, que são os políticos, não têm feito muito jus ao que a democracia e a ética pregam em sua essência.
Vivemos um contexto político complexo, agravado pela macroeconomia claudicante, pela má qualidade da educação e pelo consumo excessivo de redes sociais. Como resultado, encontramos precarização do trabalho e da estrutura social, índices elevados de inadimplência e endividamento, além de desemprego, subempregos e ânsia pelo empreendedorismo digital. E esses são apenas alguns dos sintomas de uma sociedade à procura de salvação e salvadores.
As eleições estão em um beco perigoso. Se o Estado é ausente, se a iniciativa privada é limitada e se a política está no rechaço do antissistema, as figuras que constroem uma percepção de pseudoimagem de valentia, autossuficiência, êxito individual e força encontram nesse terreno fértil as condições perfeitas para crescer e dar frutos. As teorias de salvação e resgate, as ideologias de sucesso individual e rápido e a teologia da prosperidade neopentecostal produzem, com a rega incessante e nutritiva do marketing digital, os falsos heróis, figuras de percepção superpoderosa que lutam, enfrentam e querem derrubar o sistema. Seu objetivo é conquistar mentes, corações, votos e, claro, poder.
Pablo Marçal é o melhor exemplo de ótimo uso do marketing digital na política atualmente. Com a escassa alegria típica e tradicional da esquerda e a neblina que ofusca os mitos de direita, ele é o próprio exemplo de que a fé na autossuficiência pode superar qualquer obstáculo e furar a bolha da mesmice. Defensor do livre mercado (e fazendo muito bom uso dessa ideologia), a imagem de Marçal dialoga em perfeita pregnância com a multidão que precisa de ajuda e quer enriquecer muito e rápido, porque está cansada da negatividade da vida.
São brasileiros que têm sonhos e que buscam, principalmente nas igrejas e nas redes sociais, o eco reconfortante para todas as suas mazelas e desgraças. E é ali que está Marçal, entre a linguagem eclesiástica flácida, o encantador discurso da prosperidade e o uso viralizante da internet, repleta de cortes e memes. Ele recebe os sofridos com seu arquétipo de sábio, viril e pastor dos vulneráveis e sem esperança. Marçal é a composição fake da fé em nova roupagem, mas sem a manipuladora técnica bíblica de Silas Malafaia, sem a mitologia bolsonarista e, muito menos, o clamor trabalhista da esquerda.
Mas a “cadeirada” em Marçal prova que, quando os deuses descem do Olimpo, estão sujeitos às agruras da ordinária vida humana e, também, à fúria das deusas mulheres. O valentão sucumbiu ao ataque da cadeira, e sua rejeição aumentou, especialmente entre as mulheres. Praticamente um em cada dois paulistanos rejeita Marçal, e muitos deles são mulheres, Medéias da era moderna, cansadas de misoginia.
Sua falaciosa retórica religiosa se esgotou, sem ter mais o estofo necessário para atrair ovelhas da bancada evangélica, protegidas por atentos pastores. Marçal vem descobrindo que ser coach, debochado e usar meia dúzia de gírias da quebrada não basta para ser prefeito da maior cidade da América Latina. E, sejamos lúcidos, merecemos e precisamos de bem mais do que isso.
Infelizmente, para ele, vai dar M… E não é de Marçal.
Edmar Bulla, CEO do Grupo Croma
Que viagem… Kkk