O ano de 2020 é o mais violento para candidatos e representantes de cargos eletivos de série histórica mapeada em estudo: a cada três dias, um atentado ou assassinato motivado por fins políticos foi registrado. A conclusão é da pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil – Panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020, lançada em setembro pela Terra de Direitos e Justiça Global e divulgada nesta segunda-feira.
Os registros noticiados pelos veículos de comunicação de assassinatos e atentados contra candidatas e candidatos durante primeiras semanas de setembro, período pré-eleitoral, e período eleitoral de 2020 aumentaram em 196% em relação aos meses anteriores. O levantamento identificou, entre 1 janeiro a 1 de setembro de 2020, 13 assassinatos e 14 atentados contra à vida de representantes de cargos eletivos e pré-candidatos no Brasil. Já para o período compreendido entre 2 de setembro a 29 de novembro, foram contabilizados 14 assassinatos e 66 atentados contra candidatos a prefeituras e câmaras de vereadores de diversas siglas partidárias. O número de atentados registrados entre setembro e novembro saltou 371% quando comparados aos primeiros oito meses do ano.
O levantamento também identificou que, ao longo dos meses de setembro, outubro e novembro, houve 29 casos de agressão ou ameaças aos candidatos. O monitoramento abarca os períodos pré-eleitoral e eleitoral, e evidencia a proximidade do pleito como um fator de desencadeamento de violência política. Apenas na semana anterior ao 1º turno, entre os dias 9 e 15 de novembro foram contabilizados 45 casos de violência política, entre assassinatos, agressões, atentados e ofensas – uma média de seis casos registrados por dia.
Os registros também sinalizam um aumento exponencial de casos em relação ao pleito anterior. Em 2018 foram registrados 17 casos de assassinatos e atentados contra representantes de cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos ao longo de todo o ano. Em 2019, 32 casos. O ano de 2020, ainda não finalizado, contabiliza 107 registros – um número maior do que a soma de casos registrados entre 2016 e 2019, que totalizaram 98 registros.
Monitoramento
A pesquisa revela que a violência política contra a vida de representantes de cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos tem aumentado significativamente nos últimos quatros anos. O estudo, somado ao levantamento de veículos de comunicação – como Estadão e consórcio de mídias – colaborou para pressionar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a observar e reconhecer a sistemática e grave violência dirigida à mulheres e homens que pleiteiam cargos públicos. Com base nestas pesquisas, na última semana o TSE divulgou dados sobre violência política no país.
No entanto, o levantamento realizado pelo TSE não evidencia ocorrência de violência em anos não eleitorais – o que demonstra a persistência deste tipo de violência, nem mesmo destaca o aumento dos casos ano a ano, fruto da polarização política e o fortalecimento do uso da violência como ferramenta política.
Outro aspecto fundamental revelado na pesquisa é a confirmação de um ambiente de intimidação e ofensas à grupos sociais específicos, como mulheres, população negra e LGBTQI. Para estas populações a violência política tem o racismo, o machismo e a LGBTfobia como vetores para as práticas de ameaça, ofensa e intimidação.
Primeira mulher negra eleita para a Câmara de Vereadores de Joinville (SC), Ana Lúcia Martins (PT) recebeu ameaças de morte e manifestações racistas pelas redes sociais logo após divulgação do resultado do pleito eleitoral. A mensagem enviada à candidata eleita dizia, entre outros conteúdos, que “Agora só falta a gente m4t4r el4 e entrar o suplente que é branco (sic)”. O mesmo ocorreu com a pesquisadora Linda Brasil (PSOL). Primeira vereadora trans eleita em Aracaju (SE), Linda vem recebendo ataques de cunha racista e transfóbico desde o dia 15 de novembro.
“O nosso estudo abriu a cortina para se falar em profundidade dos fenômenos da intensificação e da diversificação da violência política no Brasil. A violência crescente tem acompanhado movimentos que merecem a nossa atenção e preocupação. De um lado, a instrumentalização cada vez mais intensa da política por grupos criminosos. De outro, a atuação organizada de setores conservadores de extrema-direita que se utilizam da violência racial e LGBTfóbica para criar um ambiente de intimidação contra candidatas mulheres negras, mulheres trans ou de identidade LGBTQIA+”, aponta Elida Lauris, coordenadora da Terra de Direitos e da pesquisa.
Para ela, com o encerramento das eleições será possível verificar o crescimento dos movimentos que se utilizaram da violência para excluir as mulheres e suas pautas da política. “É preciso um amplo movimento da sociedade civil e das autoridades públicas na defesa dessas candidatas. Defender os mandatos dessas candidatas eleitas faz parte da defesa da integridade da nossa democracia”, defende.