Desde 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) promove uma agenda global visando à implementação de políticas públicas para um futuro sustentável. Os objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pela ONU são um apelo global para ações que visem acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, e garantir que todas as pessoas possam desfrutar de paz e prosperidade. Surpreendentemente, a arquitetura está intrinsecamente relacionada a cada um dos objetivos estabelecidos pela ONU, materializando soluções que contribuem diretamente para a construção de comunidades mais sustentáveis e com maior qualidade de vida.
Entre os muitos exemplos de como os espaços físicos estão relacionados à sustentabilidade, destaca-se o bairro sustentável Hammarby Sjöstad, em Estocolmo, Suécia. Curiosamente, a região era muito poluída pelas indústrias locais, o que causou seu esvaziamento. A reviravolta começou nos anos 1990, quando Estocolmo se candidatou a sede dos Jogos Olímpicos de 2004 (que foram realizados em Atenas). Embora a cidade não tenha sido escolhida, os planos para a recuperação de Hammarby Sjöstad continuaram.
O projeto de revitalização envolveu a construção de 10 mil habitações. Em parceria com arquitetos, urbanistas e engenheiros, a Prefeitura de Estocolmo elaborou um planejamento estratégico com foco na criação do “circuito fechado de metabolismo urbano”. Esse conceito envolve a criação de sistemas sustentáveis para água, energia e resíduos.
O “circuito fechado de metabolismo urbano” leva em conta que cada setor possui um sistema onde as águas residuais são convertidas em biogás e energia térmica, reutilizada no sistema público de calefação e como combustível para o transporte público. Além disso, os resíduos sólidos são transformados em fertilizantes. Para separar os resíduos, o bairro sustentável utiliza um sistema a vácuo, com recipientes distribuídos pelo bairro e um sistema subterrâneo de tubulações que transportam os resíduos sólidos de maior peso e volume para terminais específicos.
A maioria dos edifícios possui painéis fotovoltaicos em suas coberturas, que suprem toda a demanda por eletricidade e parte do aquecimento necessário para o clima europeu. Até mesmo os espaços públicos foram desenhados de forma linear, mesclando praças e parques aos edifícios, proporcionando aos moradores percursos urbanos mais naturais possíveis para um estilo de vida mais saudável.
A Prefeitura de Estocolmo foi além ao promover a integração de novos projetos de transporte, como ônibus movidos a biogás, sistemas de compartilhamento de automóveis e expansão das linhas de bonde, com resultados impressionantes que apontam para uma taxa de apenas 0,5 automóveis por residência.
No Brasil, também existem exemplos importantes, como o Projeto de Moradias Infantis, em Formoso do Araguaia, Tocantins, de 2017. A construção de mais de 2000 m² enfrentou desafios de intervenção em uma região de trabalho manual da lavoura e natureza indígena, buscando o resgate cultural e criando uma comunidade transformadora que provê moradia e escola para crianças de 13 a 18 anos. O projeto visa à reconquista da autoestima das comunidades por meio de ações que retomam saberes ancestrais e trazem benefícios concretos.
Diversos projetos de urbanismo colaborativo também existem no Brasil, como o “Moradia Digna” em Limeira-SP, que provê assistência técnica pública e gratuita a famílias de baixa renda para projetos, acompanhamento de obras e regularização de habitação. No entanto, falta uma conexão maior entre os projetos brasileiros. Percebe-se a ausência de uma espinha dorsal essencial para a sustentação e coordenação de todos os projetos e ações sustentáveis.
O conceito de “circuito fechado” de Hammarby Sjöstad demonstra que as iniciativas precisam estar conectadas e se retroalimentar. Considerado um dos melhores exemplos de urbanismo sustentável do mundo, o conceito geral é que as repercussões positivas vêm de um sistema integrado e de ciclo fechado, correlacionando infraestrutura de água, resíduos e energia. Em outras palavras, a gestão de resíduos não é apenas a destinação correta do lixo, mas a criação de condições para um solo saudável.
A coleta de água não é feita apenas para evitar o desperdício, mas para garantir o funcionamento de um modal de transporte menos poluente. Hammarby Sjöstad é um exemplo de sucesso de gerenciamento de portfólio de projetos, onde programas e projetos são coordenados para atingir objetivos estratégicos, proporcionando um alcance mais amplo para as ações sustentáveis.
O planejamento urbano sustentável oferece inúmeros benefícios para a sociedade. Com políticas públicas bem desenhadas, é possível garantir o equilíbrio entre crescimento econômico, qualidade de vida e meio ambiente. O “circuito fechado de metabolismo urbano” reforça a tese de que as ações sustentáveis fazem sentido quando estão totalmente conectadas e integradas, com impacto de amplo espectro que deve suprir as necessidades de um meio urbano dinâmico e em constante transformação. Para isso, a participação da comunidade no processo de planejamento é fundamental.
Kenyth Freitas – Professor titular e pesquisador do Grupo Ibmec. Doutor em Administração de Empresas (2021) pela FGV/EAESP, na linha de Gestão de Operações e Sustentabilidade. Mestre em Administração (2015) e Bacharel em Ciências Econômicas (2013), ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Claudio Cesar Geraldes – Gestor de Projetos e Operações Prediais na Unimed-Rio, Mestrando em Administração pelo IBMEC Rio, MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV e Pós-Graduações em Administração Estratégica pela UNESA e em Projetos Urbanos pela Bennett. Formado em Administração de Empresas e Arquitetura e Urbanismo com experiência profissional e acadêmica de mais de vinte anos de mercado.
