Balanço das eleições 2020: vitória da direita que come de garfo e faca

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Afirmar que as eleições municipais servem como “prévias” das eleições presidenciais é um velho clichê da análise política. Como há um pouco de verdade em todo clichê, pode-se dizer que a eleição de 2020 (sem um campo irreversivelmente vencedor ou derrotado) aponta para um elemento novo em 2022: não há carta, desde já, completamente fora do baralho.

Desde 29/11, muitos números e tabelas sobre os resultados eleitorais foram apresentados. Os gráficos apontam o crescimento e retração de cada partido, mas o fato é que é sempre difícil analisar a frieza dos números em um país com mais de 5 mil municípios e onde impera um sistema super-ultra-multi-partidário com 29 legendas elegendo vereadores para a próxima legislatura.

Alguns dos dados mais significativos dessa eleição seguem abaixo, com um recorte de vereadores eleitos por cada campo político, divididos entre os partidos identificados abrangentemente como “centro/esquerda” (PDT, PSB, PT, PCdoB e Psol), centro/direita (MDB, PP, PSD, PSDB, DEM, PTB, Cidadania, PSC, SD, PL, PV, Pros, PTC, PRTB, PMN, DC, PMB e Novo) e extrema-direita (Republicanos, Podemos, PSL, Avante e Patriota) – que se aproximaram da figura do presidente Bolsonaro, em comparação à de 2016.

 

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Vereadores eleitos

Espectro

2016

2020

Saldo

Centro/esquerda

11.437

9.992

-1.445

Centro/direita

39.230

39.276

46

Extrema direita

4.276

7.034

2.758

 

Além do crescimento proporcional da centro/direita, o que se verifica é o recuo da centro/esquerda e a entrada no cenário eleitoral dos partidos de corte ultraconservador ou reacionário, como era de se esperar. É o elemento novo na política brasileira. Quando se olha para a tabela da quantidade de habitantes que serão governados por campos políticos, o resultado é muito similar.

A centro/esquerda tem um saldo negativo de cerca de 10 milhões de governados, enquanto a extrema-direita tem saldo positivo próximo a 11 milhões. A centro/direita, por sua vez, experimenta uma quase estabilidade, saltando de 149 para 150 milhões de governados em números aproximados, um saldo de pouco mais que um milhão.

 

Número de habitantes governados

Espectro

2016

2020

Saldo

Centro/esquerda

39.146.919

28.710.155

-10.436.764

Centro/direita

149.231.817

150.530.574

1.298.757

Extrema direita

12.232.460

23.140.329

10.907.869

 

Outra nuance fundamental: em meio à reforma política que está em curso, com a progressão da cláusula de barreira, os pequenos partidos já desidrataram nesta eleição, ao mesmo tempo em que os grandes partidos tradicionais da Nova República (PT, PSDB, PMDB, PDT, PSB, DEM) também murcharam. A exceção é o DEM, partido do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que já foi tido, nos tempos de PFL, como direita reacionária (herdeiro da velha Arena) e hoje parece liderar o centro político.

Esse resultado se repete tanto em número de vereadores como em número de habitantes governados. Os partidos pequenos perderam 11,7 milhões de governados e os grandes partidos tradicionais tiveram um saldo negativo de 12,4 milhões. No número total de vereadores, os grandes partidos tradicionais somados perderam chegou 1.020 cadeiras em todo o país, enquanto os pequenos partidos juntos recuaram 1.532 parlamentares.

 

Número de habitantes governados

Espectro

2016

2020

Saldo

Partido pequenos

17.173.953

5.456.216

-11.717.737

Partidos tradicionais

123.042.878

110.602.691

-12.440.187

 

Vereadores eleitos

Espectro

2016

2020

Saldo

Partido pequenos

5.225

3.693

-1.532

Partidos tradicionais

26.022

25.002

-1.020

 

A perda de fôlego dos partidos pequenos já era esperada, uma vez que esta foi a primeira eleição proporcional sem coligação entre partidos. Muitos vereadores de mandato e candidatos a vereadores migraram para partidos maiores, em busca de chapa proporcional. Com a retração da centro/esquerda e dos grandes partidos tradicionais da Nova República, o vácuo foi ocupado pela extrema-direita bolsonarista e pelo tal do Centrão, liderado pelo DEM e ladeado por inúmeras siglas que ganharam vigor, como PP, PSD e PL. Juntos, esses 4 partidos comandavam prefeituras que governavam 41 milhões de pessoas e a partir de 1º de janeiro governarão 73 milhões.

Com esses números em mãos, dois fatos precisam ser ditos: o presidente Jair Bolsonaro escolheu participar desta eleição sem partido. Ou seja, sem dinheiro do Fundo Eleitoral diretamente empenhado e sem um número unificado. Além disso, até onde se vê, nenhuma grande cidade país tenha parece ter elegido uma chapa de esquerda “puro sangue” – o que parece enterrar a miragem embalada pelas pesquisas às vésperas do segundo turno de que a esquerda isolada tenha forças para ganhar a eleição presidencial de 2022 sem atrair outras forças políticas.

Do ponto de vista simbólico (afinal, política não se resume a números), entretanto, é significativo que o campo de centro/esquerda tenha alçado novas lideranças, como Guilherme Boulos, a posições de destaque, e que ele próprio, do Psol, tenha sido agente fundamental da unidade construída na maioria das eleições de segundo turno em que a centro/esquerda participou, à exceção desastrosa do Recife.

Além disso, apesar do crescimento proporcional de partidos que hoje orbitam o presidente, cidades chaves e capitais importantes impuseram uma derrota simbólica a candidatos identificados mais organicamente ao bolsonarismo (ao avesso, por exemplo, de 2018). Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Salvador, Belém, Recife, dentre outras, foram cidades que optaram por candidatos mais próximos, lá e cá no espectro político, à política tradicional e ao trato moderado. Pode-se dizer que o núcleo de ideias e afeto do que se convenciona chamar bolsonarismo saiu também derrotado dessa eleição (embora não fatalmente, como já começam a circular nas análises).

As eleições municipais são historicamente mais afetadas pelo debate local e por fenômenos de recall, mesmo porque é mais difícil introduzir aí a pauta dos costumes, modulada por ideias e demandas abstratas (as pessoas vivem nas cidades e, nas cidades, os problemas reais e concretos do cotidiano são muito mais evidentes de modo que afetam mais a atenção do eleitor).

Parece haver, porém, a sinalização de um princípio de exaustão com retórica de confronto e com a política do amigo vs. inimigo, concretizado eleitoralmente com a vitória do “centro” e do Centrão nas disputas chaves da eleição. Pode significar que o eleitor brasileiro, um pouco exausto de confronto e crises, esteja de fato procurando um centro, não necessariamente como posição no espectro político, mas como espaço de mediação, diálogo e, enfim, política.

 

Eduardo Beniacar

Cientista político.

Colaboraram Gabriel Cerqueira, sociólogo, e Franscisco Bedê, sociológo.

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