BC e emissão de moeda: um caminho para a liquidez na coronacrise

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A liquidez é um conceito chave para a economia, e, em termos simples, diz respeito a capacidade de um ativo ser transformado em dinheiro. Quanto mais rápido e fácil essa conversão, mais líquido é o ativo, e, entre estes, a moeda é tida como o ativo mais líquido dentre todos os outros existentes.

O Banco Central do Brasil (BCB) é o provedor de liquidez de última instância de nossa economia. É por meio do BCB que ocorre a regulação de dinheiro em circulação, seja como Papel Moeda em Poder do Público (PMPP) ou por meio das Reservas Bancárias (RB), o que configura a Base Monetária (BM) de nossa economia. Assim sendo, podemos ilustrar o balanço do BCB da seguinte forma:

 

Balanço Simplificado do Banco Central do Brasil (BCB)

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Ativos Passivos
Títulos da Carteira Base Monetária
Redesconto Patrimônio Líquido
Reservas Internacionais Conta Única do Tesouro

 

Fonte: elaboração própria dos autores

 

Dessa forma, o Banco Central, enquanto órgão do Governo Federal, pode ser um agente ativo na condução de políticas para a saída da crise estabelecida pela pandemia do coronavírus. Em “condições normais”, cabe destacar que a própria Constituição Federal, em seu Art. 164, veda a concessão, direta ou indireta, de empréstimos ao Tesouro Nacional. Entretanto, por meio da PEC 10/2020, também chamada de Orçamento de Guerra, o BCB pode ser munido de poder para socorrer nossa sociedade de uma depressão ainda maior (mesmo que inevitável, dado a timidez do governo neoliberal no tocante a sua atuação nessa crise de proporções ainda incertas).

Em um contexto de crescimento, o volume de dinheiro circulando na economia tende a ser maior, ou, em outras palavras, a liquidez tende a ser mais elevada, com mais recursos para as pessoas e empresas realizarem seus dispêndios e maiores níveis de emprego e oferta de crédito por parte dos bancos, mas sempre regulado pelo BCB. Por sua vez, em momentos de crise, o consumo, a disponibilidade de crédito, o investimento, e, sendo assim, o ritmo da atividade econômica como um todo são retraídos, caracterizando então um cenário de baixa liquidez.

Portanto, o BCB poderia atuar provendo liquidez para a economia, lançando mão de algumas de suas artilharias, como emprestador direto do Tesouro Nacional, monetizando a dívida pública e, portanto, financiando-a, ou adquirindo esses títulos no mercado secundário.

Quando o BCB “imprime moeda” e compra títulos diretamente do TN, esse recurso entra na rubrica da Conta Única e permite que, além de o Tesouro não necessitar ir ao mercado se endividar, ainda abastece-o de recursos para fazer frente a queda brutal da arrecadação tributária, que poderá penalizar estados e municípios.

Esse mecanismo de financiamento de dívida pública por meio de emissão de moeda é largamente utilizado por Bancos Centrais em todo o planeta, desde a crise financeira de 2008, como o Banco Central Americano (Fed), Banco Central Europeu, Banco Central Inglês entre outros.

Para além desse instrumento, o BCB também pode continuar adquirindo títulos no mercado secundário, porém, com um “atenuante”, em vez de realizar apenas operações compromissadas como forma de regulação de liquidez, desta feita realizando grandes volumes de compras de títulos de vencimentos longos, especialmente os públicos, como forma de “achatar” a curva longa de juros, o que é convencionalmente chamado de Quantitative Easing (QE) ou flexibilização quantitativa, em uma tradução literal, ou também afrouxamento monetário, termo mais comumente utilizado.

O Quantitative Easing nada mais é que uma movimentação contábil e eletrônica que ocorre no balanço do BCB, em que o banco, ao comprar esses títulos de longo prazo, credita nas Reservas Bancárias (RB) o equivalente ao montante de títulos negociados. Portanto, a partir desse movimento, o balanço do BCB “incha”, expandindo a BM por meio das RB.

Outro instrumento de política monetária que o BCB poderá adotar a partir da autorização concedida pela PEC 10/2020 é a compra direta de títulos públicos ao TN, ou seja, simplesmente uma troca de crédito (ou dinheiro) do BCB por títulos (dívida) do TN. Essa movimentação é também conhecida como “monetização da dívida pública”, pois uma instituição do Governo Federal está financiando o déficit com “emissão” de moeda.

A crítica feita por muitos “especialistas” é que essa movimentação poderia ensejar um processo inflacionário, dado que esse “truque” elevaria a base monetária da economia por meio de “moeda nova”. Vale lembrar que estamos em um ambiente de crise sem precedentes na história do Brasil (pelo menos nos últimos cem anos) e entrando em deflação, sendo assim, contanto que nossa economia não sofra uma crise cambial que leve nossa taxa de câmbio para a “lua”, ou seja, que não ocorra uma megadesvalorização da nossa moeda, saltando dos atuais R$ 5,85 por dólar (valor cotado no momento em que escrevemos esse artigo, em 16/5) para algo em torno dos R$ 7 ou R$ 8 por dólar, não há a menor possibilidade de uma escalada inflacionária, dado que estamos exatamente no caminho inverso, ou seja, em deflação, segundo o IPCA do último mês de abril, que registrou queda nos preços de 0,31%.

Assim, e não considerando outras críticas como os riscos associados a aquisição de “títulos podres”, percebe-se que a possibilidade aberta pela PEC 10/2020, dada a já mencionada tendência deflacionária e situação do câmbio, se mostra como uma alternativa não negligenciável para a manutenção de liquidez da economia.

 

Ilustração da expansão do balanço do BCB por meio dos Títulos e da Base Monetária

Fonte: Elaboração própria dos autores

 

Dado que o governo dispõe de uma série de instrumentos de estímulo à economia sem a necessidade de “imprimir dinheiro”, então por que lançar mão desse mecanismo tão controverso e polêmico, visto, inclusive o nosso histórico hiperinflacionário?

Pois bem, o QE, enquanto ferramenta de política de estímulo econômico, tem suas vantagens, como: (1) possibilitar o achatamento da curva longa de juros, tendo em vista que o BCB só é capaz de reduzir de forma direta a taxa básica Selic e (2) permitir que o endividamento do Tesouro Nacional possa ser reduzido, já que juros longos também fazem parte da dívida pública, portanto, com a queda nesse juros, cai também a própria dívida.

Claro deve estar que essa transação de Quantitative Easing (QE) é um instrumento de política monetária adotada para casos excepcionais, como forma de injetar liquidez no sistema financeiro e acalmar os ânimos, portanto, é um “truque” contábil restrito ao balanço do Banco Central, não devendo ser realizado em condições normais de pressão e temperatura.

É uma espécie de dose elevada de remédio para um paciente em estado grave, considerando que quanto maior a dose do remédio, maior será a chance de sobrevivência desse paciente. O paciente em questão trata-se da nossa economia, já bastante debilitada pelos percalços do tempo.

Alonso Barros da Silva Jr.

Mestre em Economia (Ufal) e doutorando em economia (UFBA).

Fábio Correia da Silva

Mestre em Economia (Ufal) e professor da Centro Universitário Mario Pontes Jucá (UMJ).

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