Os amigos do jurista Bernardo Cabral se reuniram em um almoço para comemorar os seus 93 anos, completados nesta quinta-feira (27). Inteligência lúcida e brilhante, bem-humorado, com tiradas sempre apreciadas, notável orador, escritor dos mais festejados quando o assunto é o Direito, principalmente, o homenageado celebra, assim, mais um aniversário cercado pelo carinho de todos os que o reverenciam e aplaudem sua capacidade de fazer, conquistar e cultivar amigos. Generoso e conselheiro, Bernardo Cabral é exemplo, em uma país sem memória e sem o culto daqueles que contribuíram para o seu progresso, ordem e desenvolvimento. O Brasil muito deve a Bernardo Cabral, pela sua visão, sempre à frente do tempo.
A trajetória de Bernardo Cabral é inspiradora. E tanto isso é fato que autores têm lançado obras sobre essa personalidade amazonense-brasileira das mais respeitáveis da República, daí muitos o considerarem um verdadeiro estadista, tamanha é a sua estatura intelectual e política.
Com apresentação do ministro Marcos Vinícios Vilaça, o jornalista e escritor Gaitano Antonaccio, titular da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas, acaba de lançar a segunda edição da obra Bernardo Cabral, o jurista, o político e o intelectual. As homenagens não param aí. O igualmente talentoso Júlio Antonio Lopes, da Academia Amazonense de Letras, advogado, jornalista, escritor e professor da Escola Superior da Magistratura do Amazonas, prestou justa celebração ao aniversariante, lançando a obra Bernardo Cabral, um estadista da República. São vários os livros que retratam a vida de Bernardo Cabral, um sinal claro da sua importância histórica para o Brasil dos Brasileiros.
Alguns homens não passam pela vida impunemente. Escuidados no vigor de seus princípios, na força da inteligência, na grandeza humana e na fé, movidos pela esperança e impulsionados pelos ideais que acalentam na alma, assumem diante da realidade uma atitude de transformação e compromisso com o destino do ser humano e com a possibilidade de construção de uma sociedade democrática e mais justa. Bernardo Cabral é um desses homens raros, como diz o editor Isaac Maciel, no livro A palavra em ação, uma das obras escritas pelo aniversariante.
Maciel diz, ainda, que a vida de Bernardo “é um testemunho eloquente de uma existência consagrada à luta pela liberdade e pela transformação das condições de vida do povo”. Ele cita o discurso de formatura de Bernardo, orador da sua turma na Faculdade de Direito da UFAM há exatos 70 anos: “Façamos tudo para que o país melhore de posição no conceito das demais nações; batalhemos denodados pelo soerguimento do Estado, já que a preocupação mundial se tem voltado apenas para os interesses do indivíduo. Ainda não houve – e que infelicidade – uma manifestação inequívoca de igualdade entre os Estados.” Apesar do longo tempo decorrido, a preocupação daquele jovem é atualíssima.
Bernardo Cabral nasceu, em Manaus, no dia 27 de março de 1932, filho de Antônio Bernardo Andorinha e de Cecília Cabral Bernardo. Em 1950 trabalhou no jornal A Crítica, como revisor e redator, e se formou em ciências contábeis. Após bacharelar-se em Direito, iniciou sua carreira profissional como solicitador no Tribunal do Júri de Manaus para acusar o assassino de seu irmão de 17 anos.
De setembro de 1955 a março de 1956, foi promotor substituto na comarca de Itacoatiara (AM) e, embora aprovado nesse último ano para promotor de Justiça, não quis exercer a função e retornou à advocacia. Em 1957 foi chefe de polícia do Amazonas e, no ano seguinte, secretário do Interior e Justiça no governo de Plínio Coelho (1955-1959), do PTB. Ainda em 1958 deixou o cargo de editor no jornal A Crítica e formou-se em psicologia e serviço social. Entre 1959 e 1960 foi chefe do Gabinete Civil do governo de Gilberto Mestrinho (1959-1963), também à época do PTB, e, em 1961 exerceu as funções de procurador jurídico e fazendário.
Na política iniciou carreira em outubro de 1962, como o deputado estadual mais votado no estado, na legenda do PTB. Entre 1964 e 1965 foi também conselheiro da seção de seu estado da Ordem dos Advogados do Brasil. Após o movimento político-militar de 31 de março de 1964, que depôs o presidente João Goulart (1961-1964), com a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior instauração do bipartidarismo, filiou-se ao MDB, partido de oposição ao regime militar.
No pleito de novembro de 1966 foi eleito deputado federal pelo partido. Assumindo sua cadeira, na Câmara dos Deputados, em fevereiro de 1967, e foi escolhido pelo Comitê de Imprensa da Câmara como um dos dez melhores deputados do ano. Ao mesmo tempo trabalhava como professor da Faculdade de Direito de Brasília.
Em fevereiro de 1969 teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos com base no AI-5, de dezembro de 1968. No mesmo mês deixou a Faculdade de Direito, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde passou a exercer a atuar como conselheiro seccional da OAB.
Membro do Instituto dos Advogados do Brasil, a partir de 1972, em 1974 tornou-se conselheiro federal da OAB. Em abril de 1977 foi eleito secretário-geral da OAB. Na eleição de 1° de abril de 1981 derrotou José Paulo Sepúlveda Pertence na eleição para presidente do conselho federal da OAB.
Foi em sua gestão que o Conselho Pleno da OAB decidiu, por unanimidade, lutar pela revogação da Lei de Segurança Nacional, que, segundo declarou, fora responsável pela perseguição de jornalistas, parlamentares, trabalhadores e estudantes, e, portanto, deveria ser revogada.
Bernardo Cabral filiou-se ao PMDB e, no pleito de novembro de 1986, foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte, pelo Amazonas, com 41 mil votos, a maior votação do estado. Com o apoio do líder Mário Covas e do senador José Richa (PMDB-PR), foi indicado pela bancada do partido para a relatoria da Comissão de Sistematização, derrotando o deputado mineiro Pimenta da Veiga e o senador paulista Fernando Henrique Cardoso.
Bernardo Cabral foi relator-geral em todas as fases da Constituinte, papel que lhe rendeu muito trabalho. Como relator, cabia-lhe analisar as emendas parlamentares e selecionar para montar os anteprojetos das diferentes fases de votação, razão pela qual sofreu pressão de todo tipo. Dos próprios colegas, de setores da sociedade, do poder econômico, dos governos municipais, estaduais e federal e até teria sofrido ameaças de fechamento do Congresso Constituinte durante as negociações sobre o capítulo que tratava das atribuições das Forças Armadas.
Não há como negar que cumpriu um trabalho árduo. Somente na primeira fase da elaboração da Carta, as oito comissões temáticas produziram um conjunto de 526 artigos, consolidados em 501 artigos. O texto recebeu 5.624 emendas, das quais apenas 350 foram aproveitadas. E assim foi até a votação do projeto final da Carta em 22 de setembro de 1988.
Bernardo Cabral posicionou-se favoravelmente a algumas propostas consideradas progressistas. Nas principais votações da ANC, foi a favor do mandado de segurança coletivo, da proteção ao emprego contra a despedida sem justa causa, do turno ininterrupto de seis horas, da unicidade sindical, da soberania popular, do voto aos 16 anos, da nacionalização do subsolo, da proibição do comércio de sangue, da anistia aos micros e pequenos empresários, do aborto e da desapropriação da propriedade produtiva. Foi contra o rompimento de relações diplomáticas com países com política de discriminação racial, a pena de morte, a limitação do direito de propriedade privada, a jornada semanal de 40 horas, a estatização do sistema financeiro, a limitação dos encargos da dívida externa, a legalização do jogo do bicho e a criação de um fundo de apoio à reforma agrária.
Em 1989, na eleição para a sucessão do presidente José Sarney, com a derrota de Ulysses Guimarães no primeiro turno, desligou-se do PMDB e aderiu à candidatura de Fernando Collor no segundo turno.
Com a vitória do candidato, foi indicado para a pasta da Justiça e empossado no ministério, em 15 de março de 1990. Sua indicação foi uma forma de prestigiar o Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, de estreitar os laços do novo presidente com o Poder Judiciário.
Em outubro de 1990, Cabral deixou o governo Collor. No mês seguinte, reassumiu sua cadeira na Câmara dos Deputados e exerceu o mandato até o fim de janeiro de 1991, com o fim da legislatura. Em seguida, montou um escritório de advocacia em Brasília tratando de assuntos do Amazonas e passou também a advogar no Rio de Janeiro.
No pleito de outubro de 1994, Cabral foi eleito com 275.652 votos, tendo sido o senador mais votado do Amazonas, recebendo o título de Senador das Águas. Em março ainda de 2001, Bernardo Cabral foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
É membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, da Academia Internacional de Direito Comparado, fundador do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas e das associações Amazonense e Brasileira de Imprensa, da Academia Carioca de Letras, da Academia Luso-Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e Consultor há 21 anos da Presidência da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo.
Casado com Zuleide há quase 70 anos, seu filho, Júlio Cabral, foi deputado federal, por Roraima, e é conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas.
Bernardo Cabral é uma pessoa inspiradora. Quando celebra 93 anos, nossas maiores e melhores homenagens ao Pai da Democracia.