Beth Goulart é uma atriz que encarna os papéis que vive com grande talento, sendo a versatilidade uma das suas marcas. É vivamente vocacionada ao seu ofício de interpretar. Neste momento, está nos palcos do Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, protagonizando o monólogo inspirado na obra de Clarice Lispector Simplesmente Eu, Clarice Lispector. Trata-se de um belíssimo espetáculo que apresenta um diálogo profundo entre a icónica escritora brasileira e quatro das suas personagens. A peça aborda temas como a vida e a morte, a criação, Deus, o quotidiano, a palavra, o silêncio, a solidão, a entrega, a inspiração, a aceitação e o entendimento.
Os textos são extraídos de depoimentos, entrevistas e correspondência de Clarice, bem como de trechos das obras Perto do Coração Selvagem, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres e dos contos Amor e Perdoando Deus. Beth interpreta não apenas Clarice, mas também quatro personagens femininas — Joana, Lori, Ana e uma mulher sem nome, que representam diferentes fases da autora. A atriz escolheu os pensamentos de Clarice para comemorar seus 50 anos de carreira.
Beth passeia com desenvoltura e elegância pelo espaço nos diferentes modos de ser da escritora com a competente preparação corporal da Marcia Rubim. A escritora é representada com figurinos elegantes, sob a responsabilidade da figurinista Beth Filipecki. A troca de roupas, em cena, acontece de forma natural e surpreendente. Um truque discreto entre a atriz, a produção e o cenário, que acolhe as nuances da escrita de Clarice embaladas pela trilha musical de Alfredo Sertã e a iluminação do grande Maneco Quinderé.
A cenografia minimalista e a iluminação criam um ambiente onírico, onde temas como amor, silêncio, solidão e existência são explorados. A trilha sonora original de Alfredo Sertã, inspirada em Erik Satie, Arvo Pärt e Astor Piazzolla, compõe a atmosfera sensorial da peça. O espetáculo apresenta um lado religioso da escritora, que gostava do mundo mágico, das cartomantes e dos encontros de bruxas. Clarice Lispector, brasileira, criada no Recife, nasceu na Ucrânia, de origem judaica russa, naturalizada brasileira.
Após dez anos longe dos palcos, a peça, que já foi vista por mais de 1 milhão de pessoas em quase 300 cidades, tem direção, atuação e adaptação da própria atriz, com supervisão de direção do extraordinário Amir Haddad, um gigante do teatro. Durante pouco mais de sessenta minutos, a plateia, sempre atenta, acompanha, emocionada, as reflexões de Clarice sobre a vida e os seus desafios.
Por sua atuação, foi premiada como “Melhor Atriz”, pelo Shell 2009, APTR, Revista Contigo e Qualidade Brasil. A montagem também foi reconhecida como “Melhor Espetáculo” por este último.
Foi a partir de uma identificação profunda com a obra de Clarice Lispector que Beth trouxe aos palcos o monólogo que conduz o público pelo universo da escritora, revelando facetas de sua personalidade e de seus personagens. “A arte é o vazio que a gente entendeu”, disse Clarice, e Beth busca refletir essa profundidade, trazendo a escritora para o palco com voz, corpo e muita emoção.
Beth faz parte de uma família de atores, incluindo seus pais Nicette Bruno e Paulo Goulart, sua avó Eleonor Bruno e seus irmãos Paulo Goulart Filho e Bárbara Bruno. Beth define assim a influência dos pais sobre sua carreira: “Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, pode-se ser chamado e não saber como ir. Diria que fui uma semente depositada em campo fértil”.
Em 1983, estudou canto com Pepê Castro Neves e canto lírico e leitura musical, com Luis Carlos Brito. Dois anos depois, estudou técnica com Peter Brook. Em 1989, com Kika Sampaio estudou sapateado, dança com Ruth Rachou, Val Folly e canto lírico com Marga Nicolau. Durante muitos anos, foi bailarina clássica.
Em 1974, estreou, no teatro, na peça O Efeito dos Raios Gama Sobre as Margaridas do Campo, de Paul Zindel e direção de Antônio Abujamra, quando ganhou o Troféu APCA de Atriz revelação. Sua primeira participação na televisão foi no teleteatro Alô, alguém aí?, de William Saroyan, exibido pela TV Cultura, em 1975. Estreou como atriz de telenovela em Papai Coração, em 1976, na TV Tupi. De 1977 a 1979, integrou o elenco das novelas na TV Tupi como Éramos Seis (1977), Roda de Fogo (1978), O Direito de Nascer (1978) e Como Salvar Meu Casamento (1979). Em 1980, estreou na Rede Globo como Fernanda, em Marina, de Wilson Aguiar Filho. Participou também das novelas Selva de Pedra (1986), Perigosas Peruas (1992), O Clone (2001), Paraíso Tropical (2007) e Três Irmãs (2008).
Em 1981, participou do MPB Shell concorrendo com a música O Balão, de autoria de Nando Carneiro e Geraldo Carneiro. Logo depois do festival, lançou pela PolyGram um compacto simples com a música. Neste mesmo ano, pela PolyGram, lançou o disco Sementes no ar. No ano de 1982, gravou seu segundo LP, Passional e, em 1985, lançou pela gravadora Carmo o disco Mantra Brasil.
No cinema trabalhou nos filmes do cineasta Carlos Reichenbach Dois Córregos (1999) e Bens Confiscados (2005). Também protagonizou Canção de Baal, dirigido por Helena Ignez, em 2007. Se notabilizou ainda como protagonista, em 1979, do filme Joelma 23º Andar, no qual interpretou uma vítima fatal do incêndio ocorrido, em 1974, no edifício Joelma, em São Paulo, que psicografou seus últimos momentos de vida para Chico Xavier.
Em 1999, por sua atuação na peça Decadência, de Steven Berkoff, recebeu o Prêmio Shell de Melhor atriz. Em 2000, fez O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov. Em 2002 e 2004, a atriz protagonizou o monólogo Dorotéia Minha, as cartas de amor trocadas entre sua avó (Eleonor Bruno) e Nelson Rodrigues serviram como inspiração para Beth escrever o espetáculo. Em 2006, atua em Tudo sobre Mulheres, de Miro Gavran, e em Quartett, de Heiner Müller, com tradução e adaptação da montagem de João Gabriel Carneiro, filho de Beth. Em 2009, com o monólogo Simplesmente Eu, Clarice Lispector, torna-se também diretora.
Em 2010, assina contrato com a TV Record, onde fez a novela Vidas em Jogo, em 2011, e foi também colunista de cultura do Jornal da Record News, na Record News. Em junho de 2014, a atriz volta às novelas em Vitória na Record. No mesmo ano, dirigiu a mãe no monólogo Perdas e Ganhos, obra adaptada pela Beth do livro homônimo de Lya Luft. Em 2016, esteve no elenco da novela bíblica A Terra Prometida, também na Record, encarnando a vilã Léia.
Atriz, cantora, escritora e diretora, Beth, que já atuou em duas dezenas de peças, 41 produções na televisão, 18 filmes e quatro livros publicados, integra os quadros da Academia Brasileira de Cultura, cuja patrona é a saudosa atriz Nicette Bruno, sua mãe.
Beth Goulart conquistou vários prêmios ao longo das cinco décadas de carreira. Em 2006, a família Goulart foi homenageada na 18ª edição do Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro. Paulo Goulart, Nicette Bruno e seus filhos Beth Goulart, Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho receberam um Troféu Especial, pela união e realizações teatrais ao longo de mais de duas décadas de trabalhos conjuntos.
Assistir Beth Goulart vivendo Clarice Lispector é mágico e, ao mesmo tempo, fantástico. A desenvoltura com que encarna a escritora, uma apaixonada pelo Rio e, especialmente, pelo Leme, bairro da Zona Sul em que viveu no Rio de Janeiro, é digna dos mais vivos e efusivos aplausos.