Bolsonaro parece brigar com todos

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Mais uma vez, o tema dominante da semana da semana passada foi a expansão da pandemia pelo Covid-19 e seus impactos na economia global, e com um pouco menos de ênfase, mas não menos importante a guerra de preços e produção entre a Rússia e a Arábia Saudita, com a oferta saturada, até por conta da desaceleração econômica. Aqui ficamos ao sabor do noticiário internacional e local sobre a contaminação, as decisões de governo sobre como minorar os impactos, mas tivemos menos bate-boca, o que por si só já é um avanço. Apesar disso, tivemos muitas farpas lançadas pelo presidente da Câmara contra o ministro Paulo Guedes, com cobranças de ambos os lados.

No exterior, depois de tudo o que Bancos Centrais e governos já fizeram, tivemos anúncios de medidas adicionais nos EUA, Zona do Euro e outros países, à medida que havia o sentimento de que era preciso fazer mais. E assim será com todos os países, inclusive com o Brasil. Nos EUA, o Fed chegou a um acordo para a recompra de seus títulos em mão de outros países visando agilizar o mercado e gerar liquidez, suprindo a falta de dólares. Já o governo de Trump passou a dar seguimento às medidas de suporte para cidadãos e empresas, anunciando que em duas semanas os cheques começarão a chegar em mãos dos cidadãos e linha de crédito para empresas.

Ao programa de US$ 2 trilhões aprovados pelo Congresso americano, virá se somar um outro de mais US$ 2 trilhões em infraestrutura ventilado pela presidente da Câmara Nancy Pelosi e aproveitado por Donald Trump e seu secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, considerando que os juros estão em zero.

Mas, apesar de tudo, as projeções de crescimento são nefastas. Economistas e membros do Fed projetam forte queda do PIB americano no primeiro e segundo trimestre. A maior gestora de recursos do mundo, Blackrock, projeta contração de PIB global de 11% para o primeiro trimestre, somado com forte desemprego.

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O melhor exemplo disso fica por conta dos pedidos de auxílio-desemprego da semana nos EUA que dobraram em relação à semana anterior e foram para 6,6 milhões, depois de inusitada expansão na semana anterior. Já o Bank of America (BofA), projeta que o PIB global encolha 2,7%, e a America Latina tenha recessão de 4,4%, com o México em queda de 8%.

Mas nem todas são más notícias: James Bullard, do Fed de St. Louis, vê forte retração da economia no primeiro semestre, mas também enxerga “boom” para o quarto trimestre de 2020. Mas, sem exceção, todas as projeções para o mundo são péssimas. A Alemanha, sempre tão austera em termos de política econômica e sempre crítica de expansões monetárias, nessa pandemia lidera com medidas adotadas. Somando tudo que os alemães estão fazendo em termos de isenções estímulos e adiamentos de tributos; chegam a 50% do PIB. A Itália que não tem folga fiscal alguma ultrapassa um pouco os 20% do PIB. Mas a sensação de todos, inclusive com os trilhões de dólares americanos, é de que será preciso ainda mais estímulos que os anunciados. Mas o tempo vai dizer.

Os indicadores de conjuntura anunciados durante a semana, apesar de já defasados da situação presente, não vieram positivos. Na China, o PBoC (O Banco Central do país) mexeu no compulsório dos bancos pequenos, reduziu juros do excesso de reservas cortou a taxa de recompra reversa de sete dias para 2,2%. No Japão, o governo anunciou pagamento de 300 mil ienes para as famílias afetadas pelo covid-19 e segue com seu programa de ajuda as pessoas e empresas.

Nos EUA, o governo começa a achar que o programa anunciado não será suficiente, mas segue em ação os cheques para 175 milhões de americanos serão enviados, os bancos estão prontos para emprestar para pequenas empresas e fala-se em ambicioso programa de investimento em infraestrutura. Lá, já a quem projete que o PIB de 2020 possa encolher 6%.Os dados do payroll de março mostraram destruição de 701 mil empregos, mas esse número pode subir para 10 milhões em abril e eleva a taxa de desemprego acima de dois dígitos.

Desnecessário citar que todos os indicadores de atividade industrial e serviços (PMI e ISM) divulgados durante a semana vieram em quedas, exceto o da China com o início de retomada das atividades. Alguns vieram melhores que o projetado, mas também não significam tanto diante da dimensão que a pandemia está tomando na economia. Os países emergentes sofrem com as saídas precipitadas de recursos, mas o Fed volta a ampliar a oferta de moeda com recompra de títulos em mãos de estrangeiros.

A outra confusão se refere ao mercado de petróleo com as disputas entre a Arábia Saudita e a Rússia que levou o preço do barril na semana para baixo de US$ 20. Porém, mais para o final da semana, a China anunciou que compraria óleo para suas reservas estratégicas, e nos EUA, Trump conversou com o príncipe saudita, que já tinha conversado com Vladmir Putin, da Rússia, e uma reunião da Opep+ foi confirmada para esta segunda-feira, e se fala em corte de produção próximo de 8 milhões de barris/dia.

No segmento local, como temos alertado desde o início, falta um coordenador para a situação de crise e as medidas anunciadas pela equipe econômica são dispersas e demoram a tramitar e chegar em quem realmente está necessitando. Além disso, parece que serão insuficientes e terão de serem reforçadas, principalmente se o isolamento demorar mais tempo como se prevê.

Destaque positivo para o presidente da Câmara que cobra celeridade do Executivo e quer votar rapidamente medidas para destravar o governo e dar segurança jurídica. O congresso, por exemplo, votou e aprovou o PLN 2 dando maior flexibilidade para o orçamento de crise e querem votar o orçamento de guerra até essa sexta–feira. Rodrigo Maia, diz querer ficar fora das discussões políticas com presidente e atuar em minorar a crise, mas precisa que governo encaminhe matérias.

Já o presidente parece brigar com todos e se isola, principalmente com seu ministro da Saúde Mandetta que tem feito bom trabalho técnico, enquanto o presidente destoa de todos, inclusive de estadistas externos sobre o isolamento social necessário. Mandetta diz que não pedirá saída e Bolsonaro diz que não será exonerado. Teremos que ver onde a corda vai arrebentar. Na economia, a previsão do governo é que com os esforços de crise o déficit primário de 2020 atinja R$ 419,2 bilhões, mas isso é o menos importante no momento. Porém, depois o governo terá que cuidar disso e encaminhar as reformas que ficaram esquecidas.

A realidade é que até aqui, tudo que foi anunciado está atrasado e/ou esbarra na burocracia do país. Por conta disso, os investidores estrangeiros seguem retirando recursos da Bovespa e crescendo aposta no dólar. Até a sessão de 31/3 os investidores estrangeiros já tinham sacado em 2020 R$ 64,3 bilhões da Bovespa, enquanto número de investidores cadastrados na B3 crescia para 2,2 milhões de pessoas.

 

Perspectivas  Segundo os especialistas em saúde, a pandemia ainda não atingiu o seu ápice e o grande medo é a contaminação desenfreada em países pobres e emergentes. Os EUA, que estão na liderança das medidas para reduzir o impacto da pandemia ainda estimam que as próximas duas semanas serão cruciais para o país e as projeções de recessão são drásticas para o primeiro e segundo trimestres do ano.

Todos os países que saíram na frente em medidas já começam a criar a percepção que o esforço terá de ser ainda maior. Essa é a preocupação, por exemplo, do FMI que registrou fuga de capitais de países emergentes da ordem de US$ 900 bilhões, ele que dispõe de US$ 1 trilhão para programas e está assustado com as demandas que estão chegando. Na realidade, esse é um momento de forte desequilíbrio dos mercados e de investidores tentando buscar proteção, o tal “fly to quality”, quem ninguém sabe muito bem onde está.

Continuamos a afirmar que será preciso enxergar quando os mercados assumirão menor volatilidade e conseguiremos maior equilíbrio, principalmente no câmbio. Pensamos que certamente não será por agora. Contudo, repetimos que para aqueles que gostam de assumir riscos e obter retornos de mais longo prazo, o momento parece interessante para compras lentas e progressivas, aproveitando momentos de maior precipitação dos preços.

Em termos de Brasil, seguimos entendendo que falta a figura de um coordenador geral da crise para colocar ordem nos “dinheiros” que são escassos, direcionando para setores mais carentes. Além disso, falta agilidade na transferência dos recursos seja pela burocracia reinante, pelo tempo do congresso em votar medidas, ou ainda pela desconexão de alguns membros da equipe.

O presidente também deveria gastar esforços em dialogar com os demais poderes e de forma uníssona decidir os melhores caminhos. Aqui, também vamos precisar de mais recursos do que os que estão sendo mostrados, mas também vamos precisar elaborar a saída depois que a pandemia for embora. A decisão de orçamento de guerra parece ser a melhor para segregar despesas circunstanciais das estruturais. Só assim poderemos mais para a frente iniciar a retomada da reestruturação do Estado brasileiro.

Da ótica da análise técnica, só podemos identificar que seria bom não perdermos o patamar próximo do último fundo de poço, sob pena dos mercados acelerarem quedas.

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Alvaro Bandeira

Economista-chefe do Banco Digital Modalmais

Fonte: www.modalmais.com.br/blog/falando-de-mercado 

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