Conversamos com Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV, sobre a ampliação de membros do Brics (acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e as relações brasileiras com Estados Unidos e Europa.
Para que possamos colocar todos na mesma página, o que é o Brics?
Existe um debate sobre como se define o Brics, pois não existe uma institucionalidade ou regras definidas que se assemelhem a uma constituição, por assim dizer. O Brics pode ser visto como um agrupamento de países que têm algum nível de coordenação política, ou que estão buscando construir essa coordenação, ou como um fórum para discussão de questões globais.
O próprio nascimento do Brics, que ocorreu após a crise financeira do final da década de 2000, indica isso: uma tentativa de se pensar soluções alternativas à forma como a ordem internacional estava organizada. É claro que a partir disso se teve alguns avanços nos diálogos e na maneira como os países se aproximaram, sendo o NDB (New Development Bank), o banco do Brics, um exemplo disso.
De toda forma, até pela diversidade do grupo e de interesses, é difícil defini-lo como uma organização. O Brics é muito suave na maneira como organiza os seus membros, pois na medida em que a conjuntura internacional vai mudando, os países têm a oportunidade de discutir alternativas para lidar com os desafios.
O que o Brics ganha com o ingresso de países como a Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos?
De forma geral, o principal ganho para o Brics é o aumento da sua visibilidade internacional. Ele ganha mais peso político quando traz uma região como o Oriente Médio para dentro do jogo.
O grupo vem tentando resgatar essa visibilidade, que ficou um pouco esquecida por um momento, já que seus participantes estavam enfrentando desafios particulares. A China na rivalidade com os Estados Unidos; a Índia, que teve uma mudança de governo em 2014, preocupada com algumas questões domésticas; e o Brasil enfrentando uma crise política.
Em outro sentido, o Brics ganha com a adesão de países que são muito relevantes para o mercado de energia. Ter membros como os Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e o próprio Irã traz um peso muito importante para o grupo.
O que o Brasil ganha com a ampliação do Brics?
Essa é uma pergunta complexa, até porque, num primeiro momento, o debate midiático girou muito em torno dos ganhos da China, já que ela aumenta, de forma mais efetiva, a sua influência econômica, o que faz com que esses países sigam, mais claramente, a sua liderança, que já é desproporcional no grupo devido ao tamanho da sua economia.
Contudo, na medida em que a poeira vai baixando, nós vemos importantes ganhos marginais para os outros membros. No caso do Brasil, seu ganho pode ser vinculado ao ganho de visibilidade do Brics. Outro ganho está relacionado ao ponto de vista energético. Como o Brasil deve se consolidar nas próximas décadas como um importante produtor de petróleo com um canal de diálogo mais estreito com o Irã, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, nós temos uma abertura importante para os interesses estratégicos brasileiros e para uma maior coordenação com esses países.
A própria entrada da Argentina, com todos os problemas que ela traz consigo, mostra que o Brasil tem uma preocupação em manter a América Latina, mais especificamente a América do Sul, como uma região fundamental dentro do Brics. Do ponto de vista simbólico, isso tem um peso relevante.
Como você avalia o momento atual das relações do Brasil com os Estados Unidos e União Europeia?
O Brasil vem tentando se colocar como um interlocutor entre o sul global e o norte global. Ser um ator capaz de flutuar entre esses dois mundos é o carro chefe simbólico da diplomacia brasileira.
Dentro dessa relação, as agendas do norte global não são, necessariamente, as mesmas do sul global. No caso da Europa e dos Estados Unidos, temos observado que o Brasil tem focado em temas que são de comum interesse, como o clima, já que as discussões do norte global estão muito permeadas pelas questões climáticas.
Com relação aos Estados Unidos, até que existe um nível de cooperação relacionado ao clima, mas eu percebo que, embora o governo Biden tenha mostrado boa vontade com o Brasil, não se conseguiu avançar tanto nesse relacionamento, pelo menos nesses nove primeiros meses de governo Lula.
Por exemplo, se compararmos as visitas oficiais feitas à China e aos Estados Unidos, vemos que o tratamento dado pelos americanos foi diferente do tratamento dado pelos chineses, que deram um status muito relevante à viagem brasileira.
Até com a Europa fica mais evidente a forma como a relação pode ser aprofundada. O acordo entre a União Europeia e o Mercosul é um exemplo bem relevante disso, pois é uma pauta material. Com os Estados Unidos, isso está mais no plano simbólico, com algumas iniciativas do ponto de vista cultural e social, mas sem um avanço tão significativo do ponto de vista estratégico.
Por mais que haja muito para que se possa evoluir nessa relação, há um compasso de espera, pois os Estados Unidos estão preocupados com questões como a Guerra na Ucrânia e as eleições que eles terão em breve.
Um ponto importante é que muito se falou que o Brics poderia se colocar como uma aliança antiocidente. A entrada do Irã traz esse caráter, além da própria Rússia que já está ali, mas, por outro lado, temos a Arábia Saudita, que é um aliado histórico dos Estados Unidos e do ocidente, os Emirados Árabes, que também possuem esse perfil, e a Índia, que é um país que possui ótimas relações com os americanos.
De uma forma geral, como você avalia o atual momento das relações internacionais brasileiras?
É difícil fazer um balanço único, pois isso depende muito do tópico que está sendo tratado. O objetivo prioritário do novo governo é retomar, de certa forma, o prestígio internacional brasileiro. Esse trabalho é permeado por tentativas que deram mais certo, como as discussões sobre clima e a COP que será realizada no Brasil em 2025, e por tentativas que acabaram não logrando tanto êxito, como a mediação da Guerra na Ucrânia.
Apesar de toda a retórica voltada para a integração regional sul-americana, não houve uma iniciativa que pudesse ser colocada como concreta. Claro, são nove meses de governo, o que não é tanto tempo assim, mas, de toda forma, podemos indicar que ainda não tivemos tantos ganhos.
Entre o atual governo Lula e os dois primeiros (de 2003 a 2006 e de 2007 a 2010), existe uma significativa mudança de conjuntura internacional que dificulta a colocação em prática da estratégia de ser um interlocutor, como no início dos anos 2000. Com a tendência de maior rivalidade entre os Estados Unidos e a China, fica muito mais difícil costurar relações sem tomar partido.