O Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE) anunciou ontem a criação de um grupo de trabalho com a embaixada dos EUA em Brasília para trocar informações sobre os brasileiros deportados e a operacionalização dos voos de deportação. Segundo o MRE, a medida visa garantir “a segurança e o tratamento digno e respeitoso dos passageiros”.
A previsão é de estabelecimento imediato de uma linha direta de comunicação entre os membros do grupo e permitir que haja acompanhamento em tempo real dos próximos voos.
A proposta de criar o grupo de trabalho havia sido discutida ontem, em reunião do presidente Lula com ministros no Palácio do Planalto, quando o governo anunciou que vai montar um posto de acolhimento humanitário no aeroporto internacional de Confins, Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, para receber brasileiros deportados dos EUA. O local foi escolhido por ser o terminal para onde voos fretados pelo governo norte-americano estão sendo destinados ao longo dos últimos anos.
A mobilização do governo ocorre dias depois de um voo de deportação com 88 brasileiros ter sofrido uma série de problemas, com passageiros algemados o tempo inteiro, relatos de agressões por parte dos agentes americanos, privação de comida e de acesso a banheiro, além de problemas técnicos que prejudicaram o funcionamento do ar-condicionado e obrigaram a aeronave a fazer paradas não previstas.
Em uma dessas conexões, em Manaus, na sexta-feira, a Polícia Federal determinou que as algemas fossem retiradas e os passageiros foram alocados em outro avião da Força Aérea Brasileira até a capital mineira, onde chegaram no sábado. Esta foi a primeira leva de brasileiros deportados desde a posse do presidente Donald Trump, que prometeu tolerância zero com a imigração ilegal no país.
Na segunda-feira, a secretária de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores, Márcia Loureiro, reuniu-se com o encarregado de negócios da embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, para tratar sobre a deportação de brasileiros. A convocação pelo Palácio do Itamaraty é um gesto diplomático que expressa descontentamento de um país com outro.
Em sua campanha eleitoral para a Casa Branca, o presidente Donald Trump anunciou que, se fosse eleito, faria “a maior operação doméstica de deportações da história americana”, retirando do país, de forma forçada, todos os milhões de imigrantes ilegais que vivem nos EUA, até o fim do seu mandato.
Pesquisa divulgada em julho do ano passado, pelo Pew Research Center, mostrou que havia, cerca de 11 milhões de imigrantes não autorizados vivendo nos EUA, em 2022. Essa população oferecia, segundo a pesquisa, um contingente de 8,3 milhões de trabalhadores para a economia norte-americana.
Os receios de que Trump possa colocar em prática suas promessas de campanha ganharam força depois que milhares de imigrantes foram detidos por agentes de imigração e deportados para seus países de origem, como México, Colômbia e Brasil, poucos dias depois de assumir a presidência norte-americana.
De acordo com pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, caso Trump decida deportar todos os imigrantes ilegais e tenha os recursos para isso, a situação pode gerar um enorme déficit de mão de obra que poderá causar impactos devastadores para a economia norte-americana.
“Se a gente considerar que a retórica do Trump será concretizada, o impacto para o americano comum seria absurdo. Várias indústrias seriam colocadas em caos, pelo menos no curto prazo, particularmente a indústria alimentícia, que é absolutamente dependente de mão de obra subempregada, de imigrante ilegal”, destaca o pesquisador do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thaddeus Gregory.
A professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni explica que os setores de coleta de frutas e de laticínios, por exemplo, seriam muito afetados. “A grande população que trabalha nas fazendas, executando toda essa produção, que trabalha numa escala muito maior do que o americano trabalharia, recebe menos porque não tem documentação. Ele não tem documentação e é explorado pelo empresário americano ou mesmo por um outro empresário imigrante que já está legalizado”.
Gregory explica que esses empregos estão disponíveis para qualquer americano, mas “a maioria não quer trabalhar coletando tomates a US$ 5 por hora”. “Como eles vão dar conta dessa enorme necessidade de mão de obra barata?”, ressalta.
Segundo ele, outro setor que deve sofrer com carência de mão de obra é o de serviços. “Particularmente, as pequenas empresas serão afetadas, como aquela empresa de jardinagem, que emprega seis ou sete salvadorenhos, que não sabe como está a situação de imigração deles porque não pergunta. E muitas dessas pequenas empresas ironicamente têm donos que são apoiadores de Trump. É a pequena burguesia americana, que será muito afetada”.
Um projeto de deportação em massa de imigrantes, provavelmente vai elevar o preço da mão de obra nos EUA, explica o professor de História da América Roberto Moll, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Consequentemente, isso elevará os preços e a inflação. Isso pode forçar o Fed a elevar os juros. Em conjunto, neste cenário, provavelmente, as empresas sediadas nos EUA, principalmente em setores mais endógenos da economia, perderiam ainda mais competitividade”, afirma Moll.
O medo da deportação, pelos imigrantes ilegais, pode também gerar um efeito aparentemente contraditório: uma exploração ainda maior dos trabalhadores que não sejam deportados. Com receio de demandar melhores salários e melhores condições de trabalho, essas pessoas podem ser submetidas a uma precarização ainda mais acentuada.
“Eles vão se sujeitar a trabalhos ainda mais degradantes e mais mal pagos para que não sejam denunciados para o governo pelo empregador. Então vão aceitar algumas condições ainda mais irregulares para eles. Sem dúvidas, esses imigrantes acabam sendo infelizmente uma reserva de mão de obra barata e a situação do que daquelas pessoas que ficam, né, que não são deportadas, pode ainda ficar pior”, explica o coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), Rubens Duarte.
As deportações em massa extrapolam o lado econômico. Mais de 4,4 milhões de crianças e adolescentes nascidos nos EUA vivem com um imigrante não autorizado, segundo o Pew Research Center. “A deportação em massa vai separar famílias em que um ou mais membros são imigrantes sem documentação de permanência”, explica Roberto Moll.
“Provavelmente um quarto da população americana é potencialmente afetada por essas decisões, com medo de que eles e seus entes amados podem ser deportados. Obviamente, haverá populações muito mais vulnerabilizadas por essa política do que outras. Então o verdadeiro número que será afetado, não sabemos”, afirma Thaddeus Gregory.
O medo e a desconfiança, aliás, são alguns dos impactos de uma política de tolerância zero à imigração não autorizada. “Na verdade, aqui a gente entra numa outra problemática, que é rasgar o tecido social, porque você quebra a confiança. Esta política do Trump é uma política que estimula a denúncia. Então ela estimula que a pessoa ligue e denuncie o vizinho imigrante. Então você acaba causando um pânico gigantesco na população”, acrescenta Carla Beni.
Para Rubens Duarte, as deportações mostram um lado contraditório e hipócrita, uma vez que os EUA são uma nação cuja população é majoritariamente formada por imigrantes.
De acordo com a pesquisa, havia aproximadamente 48 milhões de estrangeiros vivendo nos EUA, em 2022, dos quais 77% estavam em situação legal, entre cidadãos naturalizados, residentes permanentes ou residentes temporários. A estimativa considera apenas aqueles nascidos fora dos EUA.
Matéria atualizada às 14h20, para acrescentar a opinião de especialistas
Com informações da Agência Brasil
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