‘Brasil decime qué se siente…’

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A repetida canção deboche dos Hermanos na Copa da FIFA de 2014 (Brasil decime qué se siente…) veio à memória com o resultado das eleições primárias deste final de semana na Argentina, em que o candidato mais votado, o peronista Alberto Fernández com a candidata a vice-presidenta, Cristina Kirchner, impuseram expressiva derrota ao candidato do assim chamado mercado, Mauricio Macri, a pouco mais de dois meses da eleição presidencial (47% da Frente de Todos versus 32% de Macri). Com inflação de dois dígitos (22%) e pobreza de 32% da população, 75% do eleitorado de 34 milhões de argentinos foram às urnas.

 

Eu sou você, amanhã?

Na segunda-feira seguinte, uma hora apenas após a abertura do mercado de câmbio, o peso argentino caiu 15,37% após o certame eleitoral do final da semana, apesar da injeção de US$ 105 milhões pelo Banco Central Argentino, para segurar o câmbio, sinalizando uma revisão futura da taxa de juros, catapultada pelo Banco Central à altitude de 60% aa e uma renegociação do empréstimo “muy amigo”, junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), de US$57 bilhões.

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A bolsa recuou 37% e, em Wall Street, os papéis dos bancos e das empresas de energia argentinos foram picotadas, como as do Grupo Galícia (queda de 57,5%), do Grupo Supervielle (-60%), as da Pampa Energia (-43%) e as da YPF (-36,7%), com difusão na vizinhança, onde o real, o peso chileno e o peso mexicano também sofreram depreciação.

 

No Brasil, ‘plantation’ de irresponsabilidades

No Brasil, que tem na Argentina seu terceiro maior parceiro comercial, vozes irresponsáveis foram ouvidas à extrema direita, praguejando contra “essa esquerdalha” que, voltando ao governo, pode transformar o Rio Grande do Sul “em um novo estado de Roraima.” Ofende assim, a um só tempo, tanto os do Sul, quanto os do Norte. Irresponsabilidade assim só é comparável à afirmação de que o Brasil não precisa dos recursos do Fundo Amazônia, alimentado por Alemanha e Noruega, para a preservação da Amazônia, às vésperas da efetivação de um acordo comercial entre o Mercosul e a UE.

 

A Guerra contra a Vida

Ano passado, na edição de 25 de julho, da Coluna Empresa-Cidadã (“A Guerra contra Vida – II”), relatamos a importância da publicação, em 1962, do livro Primavera Silenciosa, pela bióloga norte-americana Rachel Carson. Foi uma estilingada do ativismo ecológico. No livro, ela revelou como os agrotóxicos, uma tecnologia de guerra, foram enxertados na agricultura, a pretexto de fomentar a produção de alimentos.

No Brasil, como o Censo agropecuário apontou, há 30 milhões de habitantes vivendo no campo, dos quais 16,6 milhões ocupados em estabelecimentos agropecuários. Há 5,2 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar, onde estão estabelecidos 12,2 milhões de pessoas. A agricultura familiar ocupa pouco menos de 25% do total da área agrícola, gerando 44% da renda do setor, 70% dos alimentos consumidos no país e 83% de toda a produção de alimentos orgânicos (os que são livres de agrotóxicos). A maior parte das terras de uso agropecuário no Brasil (3/4 do total) é ocupada pelo agronegócio (dá para concordar que agro é tudo, ou quase).

São grandes extensões de monocultura de algodão, de cana de acúcar, de milho, de soja, e de criação de gado bovino. O objetivo de produção destas commodities não é alimentar ninguém e sim obter receita cambial, através da exportação delas.

 

Paulo Márcio de Mello é professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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