‘País envelhece rápido e etarismo está entranhado na sociedade’

Para defensor, 'discriminação perpetua cultura que não valoriza experiência adquirida em anos de trabalho'; 66% dos desempregados apontam idade como obstáculo em recolocação

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André Naves, defensor publico federal (Foto: reprodução Instagram)
André Naves, defensor publico federal (Foto: reprodução Instagram)

O etarismo, discriminação baseada na idade, continua um desafio a ser enfrentado no Brasil. É preciso maior consciência sobre a necessidade de construirmos, no dia a dia, uma sociedade mais justa e inclusiva, que reconheça e valorize todos os indivíduos, inclusive os mais velhos. Em outras sociedades, como a japonesa, eles são valorizados por sua experiência de vida. Em nosso país, no entanto, ainda sofrem uma série de preconceitos. No mercado de trabalho, são marginalizados. E, até pelos políticos, são esquecidos nas campanhas eleitorais.

“Os mais velhos têm muito a contribuir com os mais novos, por exemplo, no ambiente de trabalho. No entanto, uma grande parte das empresas não leva isso em conta. A discriminação impede que os indivíduos com mais idade tenham novas oportunidades de emprego e renda, perpetuando uma cultura que não valoriza a experiência e o conhecimento adquiridos ao longo dos anos de trabalho”, ressalta o defensor público federal André Naves, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social.

A pesquisa “Por que pessoas 50+ não são consideradas como força de trabalho em um país que envelhece?”, realizada pela EY Brasil e pela plataforma Maturi, mostrou que o preconceito contra os mais velhos é, de fato, real. Entre as 191 empresas de 13 setores que foram ouvidas, 78% delas acham que as organizações são, sim, etaristas e 33% não praticam nenhuma abordagem sobre o tema junto a seus funcionários. A falta de ações concretas se traduz em outro dado alarmante: 80% delas não possuem políticas específicas de combate à discriminação por idade em seus processos seletivos.

As cidades brasileiras também precisam eliminar barreiras significativas para se tornarem mais acolhedoras e adequadas para os idosos. A maioria carece de infraestrutura adequada, como calçadas largas – e sem buracos -, rampas e transporte público acessível; o que dificulta a mobilidade. A violência urbana é outro fator de preocupação, levando ao isolamento dos idosos e à dificuldade de deslocamento.

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Tudo isso é surpreendente em um país que está envelhecendo rapidamente. Em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país chegou a 10,9% da população – 22.169.101 – uma alta expressiva de 57,4% frente a 2010, quando esse contingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população.

O estigma e o desinteresse da sociedade afetam a autoestima e a saúde mental dos idosos; e contribuem para um ciclo de exclusão social que ainda está longe do fim. André Naves ressalta que é essencial que governos, entidades e ONGs se envolvam no debate e na conscientização dos brasileiros sobre o tema. É urgente também a implementação de políticas públicas e regulamentações que protejam, de fato, os direitos dos mais velhos.

Naves destaca também a importância da adoção, nas empresas públicas e privadas, de programas de capacitação adaptados às necessidades desses trabalhadores, garantindo assim que eles possam continuar contribuindo de maneira significativa para a força de trabalho do país.

“É fundamental reconhecer a contribuição dos trabalhadores mais velhos, que possuem uma riqueza de experiências, habilidades e visão de mundo que são inestimáveis para qualquer organização. Com o avanço tecnológico, é preciso, sim, capacitá-los para o uso de novas ferramentas. No entanto, negar-lhes oportunidades com base na idade é não apenas injusto, mas também contraproducente para o sucesso das organizações e para o progresso social e econômico do país”, conclui.

A segunda edição da pesquisa sobre etarismo, conduzida pela Robert Half e Labora, revela que, apesar de progressos, 70% das empresas não possuem indicadores claros para medir o avanço de suas ações, e muitos ambientes corporativos permanecem alheios ao preconceito etário.

“Para criar um ambiente de trabalho verdadeiramente inclusivo, é essencial promover a conscientização sobre etarismo e investir em treinamento contínuo para funcionários de todas idades. Muitas vezes, preconceitos inconscientes passam despercebidos, mas têm um impacto significativo na criação de ambientes corporativos multigeracionais saudáveis e eficientes”, alerta Sergio Serapião, fundador e CEO da Labora.

Em 2023, 80% das empresas não possuíam métricas claras para avaliar o sucesso das iniciativas de inclusão geracional. Destas, 23% apontaram que estavam desenvolvendo algo nesse sentido. Em 2024, esse número caiu para 70%, o que indica que algumas companhias realmente começaram a avançar na implementação de indicadores. Por outro lado, a ausência de métricas em sete em cada dez organizações brasileiras é preocupante. Sem esses dados, é impossível identificar plenamente o problema e planejar soluções futuras.

A maioria das empresas (61%) ainda não tomou medidas para reter profissionais acima de 50 anos, embora este número represente uma melhoria em relação ao ano passado, quando 71% das empresas admitiam não ter adotado ações nesse sentido.

Entre as iniciativas para reter esses profissionais, destacam-se o monitoramento do desenvolvimento de colaboradores 50+ e revisões periódicas para garantir que os programas adequados estejam em vigor. Nenhuma prática, no entanto, sobressaiu-se de forma significativa.

Quando questionadas diretamente, 63% das empresas afirmam nunca ter presenciado casos de etarismo. Entretanto, uma análise mais detalhada mostra que essas mesmas organizações reconhecem que as oportunidades de desenvolvimento não são equitativas para todas as idades, evidenciando que ainda há espaço para melhorias.

A percepção é diferente entre profissionais empregados e aqueles em busca de recolocação. Entre os desempregados, 66% veem o preconceito etário como o principal obstáculo para retornar ao mercado de trabalho. Entre os empregados, 63% acreditam que o tema não é devidamente valorizado em suas empresas.

“Avalio essa desconexão entre as respostas como uma falta de clareza sobre o que, de fato, são atitudes etaristas e como abordá-las adequadamente. Portanto, para avançar na construção de uma cultura antietarista e criar ambientes intergeracionais saudáveis, o passo mais urgente envolve investimento em formação e conscientização”, orienta Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half para a América do Sul.

A pesquisa também aponta que 67% dos entrevistados consideram importante oferecer treinamentos sobre o tema para as lideranças, e 66% acreditam na eficácia de promover palestras sobre etarismo para todos os colaboradores.

O estudo revela que 77% das empresas não possuem iniciativas intencionais para aumentar a diversidade geracional em seus processos seletivos. Dessas, 39% estão discutindo a implementação de medidas, enquanto 38% acreditam que não precisam de ações específicas, presumindo que qualquer pessoa pode participar dos programas existentes.

Apesar de ainda serem práticas pouco disseminadas, empresas inovadoras que adotaram processos seletivos afirmativos relatam bons resultados, com 81% das organizações considerando-os eficazes.

Além disso, iniciativas como a adoção de novos formatos de trabalho, o que inclui jornadas diferenciadas e contratações por projetos, têm se mostrado promissoras. Das empresas que implementaram essas ações, 88% estão satisfeitas ou parcialmente satisfeitas com os resultados. Essas organizações podem ser consideradas pioneiras na construção de uma força de trabalho multigeracional.

“Para reverter o quadro de disparidades geracionais nas empresas, é necessário revisar e ajustar os processos de recrutamento para garantir que não existam vieses etários. Ao utilizar critérios baseados em habilidades e experiências, em vez de idade, as companhias podem promover uma maior diversidade geracional em suas equipes, assim como melhorar a qualidade da contratação e a performance do time”, destaca Mantovani.

Em 25% das empresas respondentes, profissionais 50+ representam até 5% da força de trabalho. Apenas 13,3% das companhias possuem mais de 25% de colaboradores nessa faixa etária, número praticamente estável em relação ao ano anterior (12,5%).

A sub-representação é ainda mais acentuada entre mulheres 50+, com 32,2% das empresas relatando que elas constituem menos de 5% de seu quadro de funcionários, evidenciando que as mulheres seniores estão ainda mais sub-representadas em comparação aos homens da mesma faixa etária.

Sob outra perspectiva, 10% das empresas desconhecem o percentual de profissionais 50+ em sua força de trabalho, e essa incerteza aumenta para 38% quando se trata de interseccionalidades, como o percentual de pessoas LGBTQIA+ acima de 50 anos. A falta de consciência ou de disponibilidade de dados sobre a relevância dessas informações são pontos que merecem atenção.

A pesquisa mostra que 69% das companhias reconhecem que não oferecem oportunidades equitativas para diferentes idades. Nos últimos 12 meses, 42% das empresas não realizaram nenhuma ação de conscientização sobre a intergeracionalidade. Entre as que tomaram alguma iniciativa, destacam-se palestras para toda a empresa (31%), programas de formação para a liderança (25%) e iniciativas estruturadas de conscientização (15%).

“Esse dado, vindo das próprias empresas, pode ser visto como um pedido de ajuda – a expressão de uma vontade de mudança, mas ainda com uma falta de clareza sobre como iniciar esse processo”, comenta Serapião.

A maioria das empresas (68%) enfrenta desafios na colaboração intergeracional. Os principais obstáculos incluem conflitos entre gerações (32%) e dificuldades de comunicação e integração entre profissionais de diferentes idades (29%). Ainda assim, 45% das organizações não adotaram ações concretas para promover essa conexão.

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