O Sistema de Metas de Inflação (SMI) adotado no Brasil prevê que o Banco Central deva perseguir o centro da meta para o IPCA, atualmente em 4,25%. Caso haja possibilidade de que a meta seja estourada, é preciso aumentar a taxa de juros, caso contrário, corta-se. Ora, a projeção para o fim do ano é que o IPCA fique perto dos 3,8% no ano. Portanto, a inflação está controlada e abaixo do centro da meta. Mas a Selic permaneceu em 6,5% na última reunião do Copom. Após páginas e páginas de leitura da ata do BC e do seu Relatório de Inflação, em que a autoridade monetária descreve os motivos de economia brasileira não crescer, fica difícil entender qual o motivo de adiar o corte de juros.
No atual momento, não há como temer que redução de juros levem a aumento de inflação. Simplesmente, a demanda está morta, e como aumentar preços se não há consumo? A taxa de desemprego no Brasil caiu para 12,3% no trimestre encerrado em maio. São 13 milhões de pessoas desempregadas, porém a população subutilizada (28,5 milhões de pessoas) bateu recorde, assim como o número de desalentados: 4,9 milhões de pessoas. Reforça o quadro a recente divulgação do Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (Inec), que recuou novamente e agora encontra-se em 47 pontos, de acordo com a CNI. Quando se encontra abaixo de 50 pontos, o indicador mostra falta de confiança dos consumidores.
Sem renda, sem consumo, sem política fiscal expansionista, quais seriam os argumentos de manutenção dos juros? Enquanto o BC mantém o conservadorismo, os principais indicadores demonstram que a economia brasileira permanece praticamente estagnada. Isso que o PIB já havia demonstrado recuo no primeiro trimestre (-0,2%). E isso não é novidade para ninguém, muito menos para o colegiado do Bacen. A ata da última reunião do Copom destaca que há um alto nível de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos baixos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego.
No entanto, a postura do colegiado do BC é de mudar o sistema de metas. Em vez de atrelar à taxa de inflação, agora o corte de juros está relacionado à aprovação da reforma da Previdência. “O Copom reitera sua visão de que a continuidade do processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para a queda da sua taxa de juros estrutural, cujas estimativas serão continuamente reavaliadas pelo Comitê”, justifica a ata.
Com a busca pelo ajuste fiscal e sem estímulos para a recomposição de renda que levará ao consumo, a inflação não anda, nem tampouco o PIB. Os próprios membros do Copom reconhecem isso na ata ao observarem que a economia brasileira sofreu diversos choques ao longo de 2018, que produziram impactos sobre a economia e aperto relevante das condições financeiras. “Embora tendam a decair com o tempo, seus efeitos sobre a atividade econômica persistem mesmo após cessados seus impactos diretos. Os membros do Copom avaliam que esses choques devem ter reduzido sensivelmente o crescimento que a economia brasileira teria vivenciado na sua ausência e que alguns de seus efeitos ainda persistem”, diz o documento.
O medo, portanto, não é com a inflação que pode voltar a subir diante da retomada, mas com a questão fiscal. “(…) incertezas sobre aspectos fundamentais do ambiente econômico futuro – notadamente sobre sustentabilidade fiscal – têm efeitos adversos sobre a atividade econômica. Em especial, incertezas afetam decisões de investimento que envolvem elevado grau de irreversibilidade e, por conseguinte, necessitam de maior previsibilidade em relação a cenários futuros”, complementa o documento.
Estamos diante da deturpação do papel do BC no SMI? Subestimar ou superestimar a meta têm efeitos negativos sobre o regime. O sistema não coíbe uma política fiscal irresponsável e não assegura reformas fiscais e financeiras, o que é exatamente a exigência para que os juros sejam reduzidos no momento. No SMI, instituído ao redor do mundo, o Bacen olha para a inflação, mas na versão tupiniquim, o centro da meta virou o Congresso.