Caminhoneiros vão à ANPD contra abuso de seguradoras

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Caminhões na rodovia (Foto: ABr/arquivo)
Caminhões na rodovia (Foto: ABr/arquivo)

A batalha dos caminhoneiros contra o uso abusivo de dados pessoais por parte das seguradoras acaba de ganhar mais uma trincheira. Os motoristas protocolaram uma denúncia na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) cobrando medidas imediatas contra o processo de certificação que define quem pode transportar carga no Brasil.

Esse método de cadastramento se baseia em informações cadastrais creditícias (SPC, Serasa etc) obtidas sem a autorização dos motoristas. Os profissionais com problemas de inadimplência e restrições de crédito são identificados nessa varredura e descartados na hora da contratação. O setor de seguros alega que os caminhoneiros inadimplentes seriam, em tese, mais suscetíveis a episódios de roubo de carga.

A Justiça trabalhista considerou ilegal esse sistema de cadastramento, porque ele viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O Tribunal Superior do Trabalho publicou em fevereiro deste ano uma decisão terminativa, contra a qual não cabe recurso, condenando tal “conduta discriminatória”:

“Não há motivos para questionar o caráter do simples devedor”, afirmou o documento assinado pelos ministros.

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Grandes multinacionais, como Allianz e Tokio Marine, continuam contratando gerenciadores de risco que garimpam dados pessoais dos caminhoneiros. Isso apesar de o TST ser taxativo ao dizer que a infração à lei não acontece no momento exato da coleta das informações, mas no momento de sua utilização pelas empresas que fazem o seguro do transporte rodoviário de carga.

No documento protocolado na ANPD, a Federação dos Transportadores Autônomos de Carga de Minas Gerais aponta três gerenciadoras de risco que seguem fazendo a varredura ilegal de dados a pedido das grandes seguradoras: GPS Logística, Buonny e Open Tech. Os sindicalistas também listam casos de motoristas que foram injustamente reprovados por causa de “informações desabonadoras” coletadas em bases de dados privadas.

“Se o método de certificação das seguradoras valesse para toda a economia, 65 milhões de brasileiros ficariam alijados do mercado de trabalho, pois é esse o número atual de brasileiros em situação de inadimplência. É uma prática não apenas ilegal, mas também desumana, uma vez que impede de trabalhar o caminhoneiro que mais precisa de trabalho para pagar suas dívidas e limpar seu nome”, afirma a advogada Fernanda Ramos, especialista em Direito Trabalhista. Hoje 77,7% das famílias brasileiras têm dívidas atrasadas.

Além disso, enquanto não há decisão unânime dos caminhoneiros em fazer ou não greve, diante da nova alta de combustíveis, a Associação dos Meios de Pagamento Eletrônico de Frete (Ampef) alerta para a carta-frete, a moeda ilegal muito adotada nas estradas brasileiras e que corrói até 20% do frete dos caminhoneiros, justamente na hora do pagamento do diesel. A carta-frete é um vale que embarcadora, transportadora e embarcadores logísticos, que operam à margem da lei, entregam ao caminhoneiro como “pagamento” pelo frete. Os carreteiros recebem a carta-frete e devem trocá-la em postos de combustíveis previamente selecionados pelo contratante do frete. O abastecimento é obrigatório, nesses postos, que cobram ágio de até 20% por litro de diesel, esmagando a renda dos caminhoneiros.

É uma prática ainda adotada nas estradas brasileiras, embora proibida por lei desde 2010. A lei determina que caminhoneiros autônomos devem receber por meio de cartão de pagamento ou depósito em conta.

A carta-frete foi classificada pelo jurista Ives Gandra Martins como “análoga à escravidão”, visto que o caminhoneiro não tem liberdade para consumir onde quer e precisa pagar um valor extra para cada consumo, em especial no abastecimento do veículo, o que corrói ainda mais o frete do carreteiro.

Para o jurista Modesto Carvalhosa, a carta-frete promove venda casada e abuso de poder econômico.

Pesquisa realizada pela consultoria Deloitte estimou que, em 2010, R$ 60 bilhões em frete transitavam na informalidade no país. A sonegação promovida pela carta-frete é da ordem de R$ 12 bilhões anualmente.

O presidente da Ampef, Selmo Pereira, destaca que combater a carta-frete é promover a cidadania do caminhoneiro. “Quando o caminhoneiro passa a receber como prevê a lei, via conta bancária ou cartão, ele não perde como ocorre quando utiliza a carta-frete. Além disso, quando está dentro da lei, ingressa na formalidade e passa a poder recorrer a empréstimos para financiar compra de novos veículos, por exemplo. Sabemos que a frota brasileira é bem antiga, com média de idade de 21 anos. O caminhoneiro também passa a contribuir com INSS. As transportadoras que trabalham na legalidade ganham ainda com a concorrência leal”, diz.

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