Na pandemia da covid-19 em 2020 e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia em 2022, embora não tenham provocado significativas mudanças nas cadeias globais de produção, revelaram fragilidades no abastecimento de insumos para os setores de saúde, defesa, fertilizantes e gás natural, atingindo principalmente países da Europa Ocidental como a Alemanha, que iniciou um ciclo recessivo em suas atividades industriais em decorrência da interrupção do fornecimento de gás da Rússia.
No Brasil, além de uma gestão marcada pelo negacionismo científico, contribuindo para que tivéssemos 700 mil óbitos, a pandemia mostrou a nossa total dependência em relação à produção de insumos básicos para a saúde, bastante concentrada na China. Prosseguindo, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia revelou a dependência do país em insumos para a produção de fertilizantes provenientes em grande parte da Rússia e de Belarus, e secundariamente do Catar e de Marrocos, colocando o agronegócio brasileiro sob vulnerabilidade econômica. Apesar de oscilações bruscas de preços, o abastecimento de insumos oriundos desses países não sofreu descontinuidade, não acarretando problemas para o agronegócio, em virtude de negociações realizadas principalmente com a Rússia e, paulatinamente, o abastecimento retornou aos níveis anteriores ao conflito. Contudo, a guerra serviu de alerta.
Reindustrialização
Com o objetivo de reduzir a dependência dos insumos importados para a produção de fertilizantes fosfatados, o governo solicitou a Petrobras a reabertura das operações de plantas que se encontravam desativadas, localizadas respectivamente em Laranjeiras, em Sergipe, e Camaçari, na Bahia, arrendadas em 2019 à empresa petroquímica Unigel Participações S.A. O contrato de arrendamento no valor de R$ 759 milhões estipulava prazo de dez anos para a Petrobras fornecer gás natural e adquirir a produção de ureia, insumo básico para a fabricação de fertilizantes nitrogenados. O arrendamento opera com dificuldades, pois a Unigel em 2022 interrompeu por duas vezes o funcionamento das plantas, alegando prejuízos econômicos, com a Petrobras tentando normalizar as atividades do empreendimento.
Assim, observamos que, na redução da dependência da importação de fertilizantes nitrogenados, foi adotada o retorno de plantas desativadas da Petrobras. No caso dos fosfatados, prevaleceu um modelo do tipo greenfield, onde os ativos da empresa norueguesa Yara Fertilizantes foram adquiridos por US$ 500 milhões pela EuroChem, multinacional de origem russa sediada na Suíça. Prosseguindo, a empresa dispendeu mais US$ 500 milhões na construção do Complexo EuroChem, localizado na Serra do Salitre, no Alto Paraíba, em Minas Gerais, envolvendo a exploração de uma mina de fosfato, fábrica de insumos e unidade misturadora, com capacidade de um milhão de toneladas de fertilizante / ano, destinado ao atendimento do mercado nacional.
A reindustrialização de caráter pontual, contemplando a produção de fertilizantes e tentando reduzir a grande dependência dos insumos importados, também pode ser compreendida como um esforço do governo visando atender aos interesses das poderosas corporações envolvidas no agronegócio brasileiro.
Programa Nova Indústria Brasil (PNIB)
Um novo processo de reindustrialização – ou neoindustrialização – foi instituído no 3º Governo Lula, denominado Programa Nova Indústria Brasil (PNIB), constituído por missões sociais, onde a indústria deixa de ser “fim” e passa a ser “meio”, e o “fim” é a universalização do saneamento, aperfeiçoamento dos sistemas de saúde, fortalecimento dos sistemas agroalimentares e alargamento das margens de soberania interna, com proteção ao meio ambiente.
Os objetivos do Programa Nova Indústria Brasil podem ser citados da seguinte forma: estimular a inovação tecnológica e a produção de bens ecologicamente sustentáveis e menos carbonizados; incrementar a produção de equipamentos, máquinas, vacinas, insumos médicos e farmacêuticos, bem como desenvolver técnicas de diagnósticos da saúde pública; incentivar o domínio internalizado na fabricação de semicondutores, desenvolvendo softwares destinados às necessidades das instituições públicas; adensar a cadeia produtiva nacional, reduzindo o fluxo dos bens primários na pauta comercial, ampliando valor agregado às exportações brasileiras; fomentar a transformação digital na indústria; estimular tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacional e ampliar a bioeconomia, a descarbonização e a transição e a segurança energética.
O referido programa contará com recursos no valor de R$ 300 bilhões, a serem disponibilizados pelo BNDES, Finep e Embrapi, podendo contar inclusive com recursos provenientes de Fundos Especiais e de isenções tributárias.
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O Programa Nova Indústria Brasil (PNIB) pretende acertadamente resgatar o papel da intervenção estatal na elaboração e execução de políticas públicas, pois é notória a incapacidade do mercado em promover o desenvolvimento de setores estratégicos. Cabe ressaltar que o Governo Lula 3, ao contrário das experiências anteriores, dedicadas ao desenvolvimento industrial do país, não organizou uma equipe de planejadores e executores que possam liderar as ações necessárias ao andamento dos objetivos do programa.
Elaborando uma rápida retrospectiva, observamos no primeiro período do Governo Vargas (1930-1945) as contribuições de Oswaldo Aranha na formulação das atividades de controle da produção primária e de Roberto Simonsen no planejamento da localização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O segundo período da Era Vargas (1951-1954) mobilizou um grupo de ideólogos planejadores, entre os quais destacamos Jesus Soares Pereira, Rômulo de Almeida e Ignácio Rangel, que contribuíram para a fundação do BNDES, da Petrobras e da Eletrobras. Também no Plano de Metas do Governo JK (1956-1960), ressaltamos as contribuições de Lucas Lopes, Israel Pinheiro e Celso Furtado na construção de Brasília, no Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia) e no Grupo Executivo da Indústria e da Construção Naval (Geicon). No Governo Militar (1964-1985), se destacaram as atuações de Delfim Neto, Eliseu Rezende, Severo Gomes, que elaboraram projetos de infraestrutura, energéticos e petroquímicos.
Esta ausência de ideólogos planejadores pode representar um sério obstáculo para o desenvolvimento do Programa Nova Indústria Brasil (PNIB), acrescentando-se o fato de que as instituições públicas atuais se encontram exauridas, desmotivadas e desmobilizadas em função de décadas de políticas neoliberais, que adotaram práticas pautadas pelo funcionamento do Estado Mínimo, diferentemente do Governo Vargas e do Governo JK, onde eram encontrados com frequência setores de excelência no serviço público.
Jacob Binsztok é professor titular de Geografia Humana da Universidade Federal Fluminense (UFF), doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Gestão de Recursos Naturais (UFF), pesquisador de produtividade nível 2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pesquisador CNE (Cientista do Nosso Estado) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).