Capitalização e investimentos: uma boa intenção

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Sem poupança não existe investimento e sem investimento não há crescimento econômico de longo prazo. A frase resume o principal motivo do crescimento brasileiro não ser mais do que voos de galinha. O investimento das empresas representa hoje menos de 20% do PIB. Na verdade, está mais para 15%, devido à forte retração econômica entre 2015 e 2017. Neste período, a queda do PIB somou 7,3%. Foi a maior retração desde que as contas nacionais começaram a ser acompanhadas de maneira sistemática, no início do século passado. Foram quatro anos seguidos de queda e o investimento atingiu seu menor nível desde a criação da série histórica do IBGE, em 1996: 15,6% do PIB.

Nos últimos dois anos, o PIB voltou a crescer, mas de forma lenta. A recuperação registrada ainda é insuficiente para que o volume de recursos alocado na produção volte ao patamar pré-crise. A própria instabilidade da economia é um dos motivos para tal, assim como o ambiente de negócios pouco palatável e a capacidade ociosa ainda elevada devido à queda do consumo.

Aliado a esses motivos, há a questão: o dinheiro proveniente da poupança privada, que poderia ser utilizado para financiar a atividade das empresas é absorvido para outras finalidades. Atualmente o governo é um sorvedouro da poupança privada, seja através de absorção pela tributação que não retorna como produtos ou serviços, seja pela necessidade de financiar suas atividades emitindo dívida, que é comprada pelos investidores que procuram retornos com baixo risco.

O novo governo, ao propor mudar o regime de Previdência de repartição para capitalização pode reduzir o problema. Ao fazer o trabalhador poupar mais pra garantir sua sobrevivência futura, aumenta-se a poupança no Brasil e se reduz o déficit fiscal do governo, abrandando a concorrência governamental por recursos. Parece que os males estão resolvidos, mas a equação não é tão simples assim. Tudo depende de como a proposta será levada adiante.

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O regime atual de repartição tem suas mazelas e mostra-se insustentável no longo prazo. O déficit cresce a taxas alarmantes: em 1997 era de 0,3% do PIB, dez anos depois representava 2,8% e, se nada for feito, a bola de neve continua. As reformas realizadas anteriormente e a proposta atual abrangem duas questões: ou se retira benefícios ou se aumenta a arrecadação. Aí vem a mudança da idade mínima, tempo e contribuição e blá blá blá.

Hoje, arrecadamos dos trabalhadores para pagar os aposentados. O Brasil gasta hoje 11% do seu PIB com benefícios previdenciários e tem uma proporção de idosos ainda relativamente pequena. Essa parcela da população, porém, é a de crescimento mais rápido. Pelos cálculos do IBGE, em 2017 existiam 26 milhões de brasileiros com mais 65 anos, ou 12,6% da população. Em 2027, essa fatia deverá ter crescido para 37,4 milhões de idosos, ou 19,6%.

Portanto, o regime de capitalização, em que o trabalhador poupa seus recursos para garantir sua própria renda futura parece uma boa saída. O problema é a transição que deve ser lenta e muito gradual, pois alterar tudo no curto prazo geraria um déficit gigantesco. Quem pagaria as aposentadorias de hoje? Outra questão é a educação financeira do brasileiro, um consumista nato. É preciso conscientizar as pessoas da importância de poupar para o futuro e dar instruções sobre os produtos financeiros disponíveis no mercado e seus riscos.

A mudança passa também pela garantia do governo de dar uma renda mínima à sociedade, mesmo àqueles que não contribuíram ao longo de sua vida. Dar a renda mínima a todos evita a miséria futura, mesmo com custos para os cofres públicos. Por último, é preciso que as instituições que irão administrar esses recursos sejam confiáveis e não corram risco elevados, mesmo em um ambiente de concorrência acirrada. Assim, nos ensinou a experiência chilena.

Os sistemas de Previdência Social cumprem pelo menos dois importantes papéis nas sociedades modernas. O primeiro é oferecer segurança social. Os sistemas previdenciários protegem os trabalhadores e os demais cidadãos quando estes ficam impedidos de auferir renda com seu trabalho. O segundo papel, não menos importante, é o gerar um manancial de recursos de longo prazo para investir, financiando o crescimento econômico, o desenvolvimento tecnológico e a criação de empregos. O sistema brasileiro já demonstrou sua incapacidade de gerar poupança para os investimentos. Se a transição for bem-feita, este será um problema econômico a menos no longo prazo. Espera-se agora o Congresso e depois a implantação. Até agora de boas intenções o inferno está cheio.

Ana Borges

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