Carlos Alberto Dias e sua contribuição para a Ciência brasileira

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Carlos Alberto Dias (reprodução vídeo UENF)
Carlos Alberto Dias (reprodução vídeo UENF)

Lá se foi o ano de 2020, sem deixar saudades. Do ponto de vista pessoal, guardarei apenas a oportunidade de, graças à quarentena, conviver mais com minha neta Carolina e acompanhar sua dinâmica evolução ao caminhar para os seis anos de vida. No restante, um ano de perdas, onde colegas queridos se foram seja pelo natural desgaste de vidas bem vividas, seja ocasionada pela Covid-19.

Uma perda muito sentida é a de Carlos Alberto Dias, com quem convivi nos últimos 28 anos. Faleceu em 6 de dezembro último na cidade de Macaé e foi sepultado alguns dias depois em Salinópolis. Conheci-o através de Darcy Ribeiro, nos momentos iniciais do planejamento do que é hoje a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, localizada em Campos dos Goytacazes e em Macaé.

Considero importante traçar, ainda que de forma sumária, seu percurso de vida. Considerava-se “um indiozinho nascido em 1937 em Viriandeua, povoado de origem Tupinambá”, hoje conhecida como Salinópolis, cidade litorânea localizada no Estado do Pará e que hoje conta com cerca de 37 mil habitantes. Tinha 27 irmãos, o que já chama a atenção.

Apesar de todas as dificuldades encontradas, conseguiu avançar nos estudos, migrar para o Rio de Janeiro, concluir o curso de Física na então Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (hoje UFRJ). Frequentou os laboratórios do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), onde fez os cursos básicos do mestrado, quando entrou em contato com grandes nomes da Ciência brasileira como José Leite Lopes, H. Moysés Nussenszweig e J. Tiommo. Em 1964, foi para a Universidade da Califórnia (Berkeley), onde obteve os títulos de Mestre e de Doutor, atuando na área da Geofísica.

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Ao regressar ao país, em 1969, iniciou uma carreira brilhante, sobretudo no que Darcy Ribeiro usava para apresentá-lo, como “fazedor de novas instituições científicas”. Realmente, no período de 1969 a 1987, dedicou-se a consolidar na Universidade Federal da Bahia, um centro de pesquisas em Geofísica e Geologia, que formou centenas de profissionais de alto nível.

Com base nessa experiência ajudou, em 1972, a organização de um Núcleo de Ciências Geofísicas e Geológicas na Universidade Federal do Pará, hoje um centro de referência na área. Para lá migrou em 1987, permanecendo até 1993 como professor titular.

Como “fazedor de novas instituições”, aceitou o desafio posto por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro para criar, na futura Uenf, um centro de Engenharia de Exploração e Produção de petróleo, na região responsável pela maior produção de petróleo em águas profundas, antes habitada pelos índios Goytacazes. Nasceu assim o Lenep, inaugurado pelo governador Anthony Garotinho em abril de 2002, localizado em Macaé.

Ele é fruto da perseverança do Carlos Alberto Dias na busca incessante por apoio financeiro junto à Petrobras, aqui ajudado pelo engenheiro Wagner Victer. Teve ainda apoio do Governo do Estado, da Prefeitura de Macaé e de um empresário local, que doou o terreno.

Neste centro, Dias atuou como professor titular até 2007, quando se aposentou compulsoriamente ao completar 70 anos. Seu legado foi lembrado por ocasião de um seminário comemorativo, realizado nas instalações do Lenep e organizado por colegas e colaboradores da UFBA, UFPA, Uenf, Petrobras, Capes e Sociedade Brasileira de Geofísica. Nesta oportunidade, toda a obra e contribuição científica do Dias foi lembrada pelos vários participantes.

O resultado desse seminário pode ser apreciado na publicação intitulada Carlos Alberto Dias – A saga da Geofísica Aplicada e da Engenharia de Exploração e Produção de Petróleo no Brasil, que tive a honra de prefaciar. Personalidades externas ao meio acadêmico, como Haroldo de Lima (ex-presidente da ANP), Wagner Freire, Carlos Walter Campos, Guilherme Estrella (três profissionais com grande destaque nos trabalhos que levaram à descoberta e à produção de petróleo em águas profundas e no pré-sal), também participaram do seminário.

Como se tudo isso não bastasse, uma ocasião Dias me procurou para falar de uma nova iniciativa à qual gostaria de dedicar seus últimos anos: criar um centro de pesquisas na área à qual dedicou toda a sua vida, só que desta vez na cidade onde nasceu. Entregou-me algumas centenas de páginas sobre o projeto, que li e fiz algumas sugestões. E assim surgiu o polo Científico e Tecnológico do Mar e do Petróleo, tendo como base física inicial a Casa de Cultura Fonte de Caranã, constituindo um novo campus da Universidade Federal do Pará.

Na última vez que nos encontramos, me mostrou fotos da instituição e acertamos uma visita para abril de 2020. Devido à pandemia da Covid-19 postergamos para uma nova data. A instituição já conta com 27 docentes, atuando nos cursos de Engenharia de Exploração e Produção de Petróleo e uma Licenciatura em Matemática, com cerca de 500 alunos.

Finalizo enfatizando o lado indigenista de Dias. Como descendente dos Carajás, sempre se dedicou à defesa do índio brasileiro. Organizou uma biblioteca especializada, que era admirada por Darcy Ribeiro. Chegou mesmo a publicar um artigo contendo uma análise etno-histórica da colonização do Brasil, traduzido para o alemão por pesquisadores da Universidade de Kassel, e citado em A formação do Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro. Recebeu ainda comentários elogiosos em cartas de Florestan Fernandes e José Honório Rodrigues, que fazia questão de exibir. Atuou, ainda, em defesa da Ciência brasileira, sobretudo na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da qual foi vice-presidente.

 

Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.

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