A ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, participou da 19a edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto nesta sexta-feira, dia 21. A ministra esteve presente como convidada especial, no primeiro momento do debate do Encontro de Arquivos, no Centro de Convenções. Na sequência, integrantes do Ministério da Cultura (MinC) discutiram as “Políticas públicas para o patrimônio e a preservação audiovisual”.
A 19a edição da CineOP está sendo realizada até esta segunda-feira na cidade histórica mineira. Seu eixo de programação é único no cenário audiovisual do país ao reunir três temáticas: Preservação História e Educação. Cada uma delas tem uma curadoria responsável, que anualmente propõe reflexões, resgates e perspectivas a partir de filmes, debates, masterclasses, encontros e oficinas. Toda a programação é gratuita.
Reunidos na CineOP, gestores e especialistas da educação e do setor audiovisual também discutem a elaboração de um plano nacional de cinema para a escola. A proposta vai ao encontro da Lei Federal 13.006/2014, que, dez anos depois de aprovada, ainda não foi regulamentada. A lei fixa a obrigatoriedade de exibição de duas horas mensais de filmes brasileiros dentro da grade curricular da educação básica.
“Se essa lei de fato tiver efeito, que é o que a gente torce, como vai se dar a formação dos professores? Como serão as condições de exibição e produção nas escolas? Quem que vai escolher esses filmes? Onde esse acervo vai ser consultado?”, questiona a coordenadora-geral da CineOP, Raquel Hallak.
Debates
Segundo Raquel, esta é uma discussão fundamental. “A ideia é contribuir com a construção de uma política pública que vai conectar o cinema com a educação. É um assunto que já vem sendo trabalhado há algumas edições da CineOP. Já chegamos inclusive a editar três livros. Como é que cinema e educação podem se conectar e dar bons frutos? “, acrescenta.
Raquel Hallak lembra que a CineOP é uma mostra cinematográfica que tradicionalmente se volta para a discussão sobre preservação de patrimônio audiovisual. “A gente vai precisar falar sobre os acervos nas instituições, onde estes filmes serão selecionados. As condições de guarda, as possibilidades de pesquisa. E também a metodologia. Como esse filme vai ser explorado? Como o professor vai conseguir levá-lo para a sala de aula e torná-lo não só um atrativo, mas também um instrumento pedagógico por meio da história e das narrativas.”
Buscando amadurecer a discussão, foram criados quatro grupos de trabalho dentro da CineOP: formação docente; condições de exibição e produção; acervos e curadorias; e pedagogias. Eles contam inclusive com representantes de diferentes instâncias do governo como os ministérios da Cultura, da Educação, dos Direitos Humanos e da Cidadania e a Secretaria de Comunicação (Secom), além de especialistas e pesquisadores que atuam nas áreas e educação, cultura e audiovisual.
Também já foi realizada uma consulta pública para coletar colaborações para cada um dos quatro grupos de trabalho. A programação do evento inclui dois debates abertos ao público.
“A partir de todas essas contribuições, vai ser feito um documento que vamos depois entregar oficialmente para o Ministério da Cultura, para o MEC e para os demais órgãos envolvidos”, informa Raquel.
Referência no calendário cinematográfico nacional, a CineOP chega à 19ª edição dando destaque ao cinema de animação: o gênero responde por 47 dos 153 títulos selecionados para a exibição.
O evento é organizado pela Universo Produção, que também responde pela tradicional Mostra de Cinema de Tiradentes (MG). O evento surgiu em 2006 com o intuito de suprir uma demanda do setor audiovisual por um festival estruturado em três eixos: patrimônio, educação e história. Para cada um deles, há uma vasta programação, totalmente gratuita, que mobiliza cineastas, pesquisadores, restauradores, professores, críticos, estudantes e cinéfilos em geral. São realizados debates, rodas de conversas, oficinas, apresentações musicais, atrações infantis e outras atividades.
No eixo Educação, também ocorre o 15º Fórum da Rede Kino, que congrega pessoas e instituições da América Latina interessadas em ações e em políticas públicas que envolvam cinema e educação. Buscando beneficiar a comunidade local, a CineOP realiza ainda sessões cine-escola, cine-debates e oficinas para atender a demanda de mais de estudantes e educadores da rede pública de ensino em Ouro Preto.
Temática Preservação
Na Temática Preservação, a curadoria de José Quental e Vivian Malusá propõe como tema “O Futuro da Preservação Audiovisual Começa no Presente” e vai destacar a presença da inteligência artificial como novo elemento nos processos de manutenção e preservação de acervos. Mesas, conversas e seminários pretendem refletir sobre o impacto da novidade e os desafios que ainda persistem na implementação das tecnologias digitais nas diversas áreas da preservação audiovisual.
“Dados da FIAT (Federação de Arquivos de TV e Mídias) mostram que grande parte das televisões ao redor do mundo utilizam algum tipo de inteligência artificial generativa em seus trabalhos cotidianos, e a restauração de filmes também já começa a fazer uso desta tecnologia. E no Brasil, em que estágio estamos?”, questiona a curadoria.
A ideia é olhar para o presente e vislumbrar um futuro do setor frente à implementação destas novas tecnologias, ao mesmo tempo em que propõe um diálogo transversal com diversos atores do campo da preservação e suas diferentes ações para a valorização do patrimônio audiovisual brasileiro.
“A ampliação e desenvolvimento das redes de arquivos também é fundamental para uma perspectiva de futuro da área. Novas associações e redes têm sido criadas com este objetivo. Quais são estas redes e suas propostas de trabalho? Como potencializar as trocas teóricas e técnicas entre as instituições? Levantar esses questionamentos e encorajar novas perspectivas são os desafios que a curadoria de preservação se propõe”, afirma José Quental.
Temática Histórica e Homenagem
Em 2024, a Temática Histórica traz ao centro da Mostra o conceito “Cinema de animação no Brasil: uma perspectiva histórica”. Será discutido um estilo de produção que há mais de um século vem existindo e resistindo, sobrevivendo contra limitações técnicas e econômicas no país e sendo movida pela paixão heroica e autodidata de algumas iniciativas ao longo da maior parte de sua história. A animação brasileira é marcada por descontinuidades nas carreiras da grande maioria de seus realizadores e por casos de títulos isolados de alguns; mesmo assim, segue persistente e permanente, sobretudo no curta metragem, seu principal meio expressivo, com uma dimensão estética e cultural considerável.
“Aos trancos e barrancos, em algumas obras específicas ou no conjunto em diferentes décadas, a animação brasileira chega a 2024 com tantos orgulhos e muitas demandas”, comenta Cléber Eduardo, curador da Temática Histórica, que este trabalhou junto ao pesquisador e animador Fábio Yamaji.
A dupla montou uma grade de programação representativa do cenário expressivo da animação no audiovisual brasileiro através dos tempos, em sessões de curtas e longas-metragens dos mais variados estilos, formas e criações. “São produções desenvolvidas e exibidas em diferentes décadas, de modo ao espectador ter contato com técnicas, desenhos, cores, movimentos e personagens distintos”.
Também foram propostas rodas de conversas sobre questões históricas e contemporâneas do cinema de animação no Brasil, processos criativos, relações com o mercado, condições estruturais de trabalho, a presença das mulheres em distintas funções e os trabalhos criativos de indivíduos e coletivos.
“Procuramos destacar o lugar nobre e essencial dos curtas-metragens nesse recorte de um percurso histórico, pelo formato/duração ser o coração do cinema de animação no mundo e no Brasil, mas também valorizamos em nossos critérios de programação a importância específica de alguns trabalhos e a de quem os dirigiu no momento de seus surgimentos ou nas reverberações anos depois”, completa o curador.
A CineOP pretende destacar ainda trabalhos de pesquisa e iniciativas de visibilidade ao formato, como a Associação Brasileira de Cinema de Animação, o festival Anima Mundi e a implantação da Lei da TV Paga, que impulsionou a presença de produções animadas em praticamente todos os canais de exibição doméstica. Além disso, o homenageado da edição será o animador Alê Abreu, diretor de “O Menino e o Mundo” longa-metragem lançado em 2013 que teve repercussão internacional e foi indicado ao Oscar de melhor animação, Alê tem uma trajetória marcada pela inventividade e por dedicação total ao gênero. Aos 53 anos, trabalha há três décadas em animação, desde quando lançou o primeiro curta-metragem, “Sirius” (1993).
“Embora tenha atuado em diferentes atividades relacionadas ao desenho e à ilustração, em livros, publicidade e séries, Alê é a assinatura mais reconhecida dos últimos anos do cinema de animação no Brasil, especialmente por fugir dos padrões uniformizantes e industriais, com muita ênfase na visualidade e na criação de mundos próprios, que se nutrem relações com a realidade”, destaca Cleber Eduardo, curador da Temática Histórica da CineOP. Ele trabalhou nesta edição com o cineasta Fábio Yamaji, estudioso de animação no Brasil.
Ambos definiram o nome de Alê Abreu a partir também da percepção de que se trata de um diretor e criador singular na própria cinematografia do país. “Após ‘O Menino e o Mundo’, Alê se tornou emblema e sinônimo de criatividade formal que vem de suas três décadas de trabalho. A homenagem está ancorada principalmente nessa trajetória, e sim no percurso autoral de um processo que, se tem ainda poucos filmes, é especialmente coerente e obsessivo”, completa o curador.
Com informações da Agência Brasil