Cerca de 70 milhões de brasileiros ficariam desprotegidos de eventual aumento de preços das carnes se as proteínas animais ficarem de fora da cesta básica na regulamentação da reforma tributária. A informação consta em estudo da GO Associados, que também estimou o impacto da isenção das carnes sobre a alíquota média do IVA dual em 0,28 p.p., o que manteria o imposto no patamar limite de 26,5%. O número divulgado pelo Ministério da Fazenda seria de uma elevação de 0,56 ponto percentual, considerado superestimado pelos cálculos da equipe da GO.
Em painel, o economista Gesner Oliveira observou que, se retirada da cesta básica, isenta de impostos, a carne bovina pode ficar entre 6% e 9,2% mais cara. O impacto seria cinco vezes maior sobre os mais pobres: a população de menor renda gasta, em média, 6,97% do salário para comprar o produto. Já os mais ricos empregam 1,29% dos recursos mensais para consumir proteína animal. O fatiamento da população por renda considera os critérios do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A proposta inicial do Ministério da Fazenda incluía as carnes na cesta básica estendida, onde teria desconto de 60% de imposto. Quem ganha até meio salário mínimo e está inscrito no CadÚnico poderia pleitear o chamado cashback de tributos, recebendo parte do valor de volta. Porém, cerca de 70 milhões de pessoas, com renda entre meio salário mínimo e R$ 1.550, não seriam elegíveis para receber o benefício. Trata-se de 35% da população brasileira.
“Essas pessoas ficam absolutamente desprotegidas de um dos maiores impactos do que podemos chamar de ‘inflação dos pobres'”, afirmou Gesner.
Para o economista, a regulamentação deve ser calibrada para não aprofundar desigualdades entre os brasileiros.
“O cashback contradiz o objetivo de levar maior equidade com a reforma tributária”.
Dentro do orçamento doméstico, o consumo de proteína é proporcionalmente mais custoso para os mais pobres, que empregam cerca de 25% da renda para comprar carnes, ovos e peixes. Para os mais ricos, o percentual é de 11%. Em média, uma família de renda muito baixa no Brasil gasta R$ 329,84 por mês com alimentação, ante R$ 2.105,91 entre os mais ricos.
Hoje, o PLP 68/2024, que regulamenta a reforma tributária, prevê alíquota zero de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para arroz, feijão, carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves, queijos, peixes, sal, pão, raízes e tubérculos, leite, manteiga e margarina, aveia, óleo de soja e milho, farinhas, massas, açúcar, café, leite, coco e castanha.
O projeto de regulamentação da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados pode colocar o Brasil como o país com maior Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo. De acordo com as mudanças feitas pelos deputados, a nova alíquota padrão do IVA será de 27,97%. O texto original previa uma alíquota de 26,5%.
A alíquota padrão, ou seja, os pouco menos de 28% de imposto, será aplicada aos produtos que não foram incluídos nas exceções previstas pelo texto da reforma, como os itens da cesta básica, que estarão isentos de qualquer cobrança tributária.
Apesar de não representar necessariamente uma cobrança maior de impostos, devido ao princípio de isonomia de arrecadação (ou seja, a reforma manterá a arrecadação brasileira do jeito que ela está), o alto valor do IVA é um problema pois provém privilégios para determinados setores.
Dados da Global VAT Compliance, companhia independente que monitora impostos sobre o consumo nos mais de 170 países que utilizam o IVA, mostram que a alíquota mais alta é a da Hungria (27%). Em comparação, a média do Imposto sobre Valor Agregado nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 19%.
“Já passou da hora do Brasil adotar o IVA, mas a reforma tributária não pode ser distorcida a ponto de termos o maior IVA do mundo, superando o da Hungria (27%). A Câmara dos Deputados aprovou o projeto com privilégios para alguns setores da economia, que aumentam a alíquota final e fazem os mais pobres pagarem a conta. Cabe ao Senado reverter essa lógica e priorizar a população em vez dos grupos de interesse. Precisamos de uma reforma livre de privilégios”, diz a economista Deborah Bizarria, coordenadora de Políticas Públicas do Livres.