Conversamos com Felipe Sichel, economista-chefe da Porto Asset, sobre a expectativa da asset, ligada ao Grupo Porto, para a próxima reunião do Copom, que será realizada nos dias 17 e 18 de setembro. Nas últimas três reuniões do Copom, a Selic foi mantida em 10,5% ao ano.
Qual a perspectiva da Porto Asset para a próxima reunião do Copom?
Nós estamos projetando uma alta de 0,25 ponto percentual (pp) para esta reunião, que marcará o início de um ciclo de alta da Selic. No total, nós esperamos uma alta de 1 pp, com uma alta de 0,25 pp na próxima reunião, duas altas de 0,25 pp para as últimas duas reuniões do ano (novembro e dezembro), e uma quarta alta de 0,25 pp na primeira reunião de 2025 (janeiro).
O que está levando o mercado a ter a expectativa de que os juros vão voltar a subir a partir da próxima reunião?
Há uma combinação de fatores. Nós tivemos uma notada desvalorização cambial, com muita volatilidade no período recente, mas uma parte dessa desvalorização já havia aparecido na última reunião do Copom, quando ele trabalhava com o câmbio na casa de R$ 5,55, sendo que hoje nós temos uma desvalorização adicional, com o câmbio operando na casa de R$ 5,61. Comparando com a desvalorização anterior, a diferença é pequena, mas ainda assim há uma desvalorização adicional a despeito da confirmação de que, no cenário externo, o Fed vai cortar os juros na semana que vem.
Quando olhamos para a demanda agregada doméstica, seja pela via dos dados de atividades que estão sendo divulgados, seja pela via dos dados de mercado de trabalho, nós vemos uma situação em que a economia está, evidentemente, aquecida. Como ela não está em um processo de desaceleração, ela contrata, consequentemente, pressão inflacionária à frente.
Ao mesmo tempo, nós vemos a inflação de curto prazo, a despeito do IPCA de agosto, incorporando riscos altistas relevantes, como a questão energética e, principalmente, a perspectiva de que grande parte da desvalorização cambial ocorrida nos últimos meses ainda será incorporada ao IPCA, ou seja, o repasse cambial ainda não está absolutamente realizado e adiciona pressão inflacionária em direção ao final do ano e começo do ano que vem. Também temos o fato das expectativas de inflação estarem desancoradas.
O mix dos determinantes da política monetária apontam para a necessidade de uma taxa de juros restritiva. A evidência que temos é que o patamar de 10,5% parece menos restritivo do que se supunha há seis, nove meses atrás.
O que está preocupando tanto o Banco Central (BC)?
Essa combinação de fatores sugere que a pressão inflacionária tende a aumentar. O BC cortou a taxa de juros sempre comunicando que manteria os juros no patamar restritivo, já que ele ainda não via como completo o ciclo de desinflação e via a desancoragem das expectativas de inflação, mas o fato da atividade não ter dado sinais de enfraquecimento, pelo contrário, deu sinais de fortalecimento, do câmbio ter desvalorizado e disso contratar uma pressão inflacionária maior à frente, sugerem, realmente, que BC não pode ficar inerte em relação aos riscos, ou seja, ele tem que se contrapor a esse movimento, o que representa, neste momento, um aumento da Selic.
Aqui entra a pergunta sobre o que é restritivo em termos de política monetária, ou seja, para que o juro seja restritivo, a Selic tem que estar acima do neutro nominal, que é a soma do neutro real mais a expectativa de inflação. No último relatório de inflação, o BC informou que vê a mediana dos seus modelos de juro neutro no patamar de 5%. Somando a expectativa Focus, nós estaríamos com um grau de restrição monetária pequeno, bem pequeno.
Se por um lado a evidência da aceleração da atividade, nesse momento, sugere que esse juro real neutro é mais alto, por outro o juro real neutro que estimamos na Porto Asset é mais alto que isso. Como disse, nós temos evidência de que o grau de restrição que a Selic entrega a 10,5% é menor do que era estimado há seis, nove meses. Logo, para que se possa recobrar restrição monetária, é preciso subir os juros.
Na avaliação da Porto Asset, dava para esperar um pouco esse aumento da Selic ou isso vai acontecer no momento certo?
Quanto mais informação o BC tiver, em teoria, melhor será a sua decisão. Como nós tivemos surpresas positivas com o crescimento do PIB do 2T24 e com os dados mais recentes de atividade, como, por exemplo, as pesquisas mensais de serviço e de comércio desta semana, além das indicações do mercado de trabalho corroborarem que a economia não está desacelerando, se nós tivéssemos uma taxa de juros, evidentemente, restritiva, a atividade estaria, gradualmente, perdendo força durante o ano de 2024. Nós estamos em setembro, com os dados oficiais de alta frequência divulgados até julho, e não existe evidência de que essa desaceleração esteja ocorrendo.
Em algum momento é preciso começar a se contrapor, realmente, a esse acúmulo de pressão inflacionária. Aparentemente, o BC está reconhecendo o aumento dos riscos em torno da inflação e vai agir corretamente.
Na visão da Porto Asset, a pequena deflação registrada em agosto foi uma excepcionalidade ou ela indica um arrefecimento da inflação?
Nós estávamos esperando uma deflação em agosto um pouco maior, -0,05%, mas a leitura foi -0,01%. O IPCA surpreendeu as expectativas de mercado, mas nós esperávamos uma surpresa um pouco maior. Isso não é o fato relevante em si, pois olhamos, principalmente, para a métrica de três meses anualizado com ajuste sazonal. É como se estivéssemos extrapolando um trimestre móvel para que pudéssemos entender, efetivamente, o que está acontecendo dentro do IPCA.
Por conta dessa leitura baixista, nós tivemos um arrefecimento em algumas métricas que estavam nos preocupando muito. As médias dos núcleos do BC no IPCA de julho, no trimestre anualizado, tinham saltado para 4,5%, mas arrefeceram para 4,2%, só que isso ainda é mais alto do que havia sido em junho, 3,6%. Serviços, em médias aparadas, avançaram para 4,8%.
Por mais que a leitura negativa represente, obviamente, um pouco de retirada de pressão inflacionária na margem, ela não representa uma alteração no cenário, que segue sendo de pressão inflacionária, até porque quando olhamos cada desvalorização do câmbio, na verdade nós estamos olhando muito para a inflação de comercializáveis versus não comercializáveis, sendo que os não comercializáveis estão andando, essencialmente, de lado.
Todas as indicações que estamos tendo dos comercializáveis é que eles estão começando a subir de forma mais vertiginosa, ou seja, o mix da inflação vai apontar para uma maior resiliência inflacionária e acima da meta. Isso pode ficar dentro da banda de tolerância, e, por enquanto, está parecendo que sim, porém, o mix está apontando para riscos inflacionários para cima.
Se tivesse que responder em uma frase, a leitura do IPCA de agosto tirou um pouco da temperatura no curto prazo, mas essa é uma leitura já passada. Olhando para a frente, o que está contratado parece ter maior pressão, sendo que o BC faz política monetária olhando para a frente, e não para trás.
Aproveitando a oportunidade, qual era a expectativa da Porto Asset para a inflação de setembro antes da bandeira vermelha nas tarifas de energia e depois?
Antes da bandeira vermelha, a nossa expectativa para a inflação de setembro estava em 0,42%. Depois da bandeira vermelha, ela passou para 0,56%.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
O ambiente externo, pelo lado do Fed, está melhor, pois os Estados Unidos estão embarcando em um ciclo de corte de juros, o que vai acontecer algumas horas antes do Copom voltar a subir a Selic. Por outro lado, nós seguimos preocupados com a dinâmica econômica chinesa. Os dados da China, sejam de preços, de comércio exterior ou de atividade, indicam uma economia fraca, o que, por sua vez, impacta bastante na economia brasileira por um efeito de preço e de menor demanda por commodities, o que para nós é relevante, pois essa é uma linha importante do nosso PIB, já que se refere ao que exportamos. Ou seja, o cenário externo melhora pelo lado do monetário, mas piora pelo lado da atividade, o que coloca desafios para o Copom, mas o comitê tem que olhar para o cenário interno, que, definitivamente, enseja essa alta de juros.