Cerca de 55% dos alunos estudam em áreas dominadas por grupos armados

Estudantes dessas regiões têm até seis meses de atraso ante quem estuda em regiões não controladas

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Complexo de favelas do Alemão
Complexo de favelas do Alemão (foto de Tomaz Silva, ABr)

A Comissão de Servidores Públicos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, reuniu-se no último dia 25, para discutir os impactos da violência nas escolas e buscar estratégias de cuidados para a comunidade escolar. De acordo com dados apresentados na reunião, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 55% dos alunos do Estado estudam em áreas dominadas por grupos armados. Com base na discussão, o colegiado anunciou a criação de um grupo de trabalho responsável por elaborar um relatório com análises sobre o tema e propor alterações na legislação, visando a estabelecer diretrizes para enfrentar e coibir o impacto da violência nas escolas.

O Unicef apresentou dados alarmantes que evidenciam a gravidade da violência sobre crianças e adolescentes no âmbito escolar. Segundo a entidade, grupos armados controlam 20% do território do estado, afetando diretamente a rotina de cerca de 1.800 escolas públicas e mais de 800 mil estudantes. Em 2022, foram registrados 4.400 tiroteios nas proximidades das escolas e essa violência impacta diretamente a aprendizagem: estudantes dessas áreas acumulam até seis meses de atraso escolar em relação aos que estudam em regiões não controladas.

Flávia Antunes, representante do Unicef, alertou ainda que a presença cotidiana da violência anula avanços socioeconômicos e amplia as desigualdades, além de contribuir para taxas mais altas de abandono escolar.

“Nenhuma criança ou adolescente deveria viver sob o som de tiros, com medo de ir à escola ou de brincar na rua. A situação é grave, mas não é inevitável. Os números que apresentamos não são só uma denúncia, são um chamado para diálogo baseado em evidências e propostas concretas”, pontuou.

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Ela ainda ressaltou que, em maio deste ano, o Comitê de Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) expressou séria preocupação com a violência sistemática contra crianças no Brasil, especialmente crianças e adolescentes negros, recomendando medidas estruturais e de larga escala para enfrentar a situação.

O deputado Flávio Serafini (PSoL), presidente da Comissão, destacou a importância de debater esses impactos no ambiente escolar e o papel das políticas públicas para garantir direitos básicos à população. “As políticas educacionais e o ambiente escolar são centrais para garantir o direito à educação, à vida e à cidadania das nossas crianças e adolescentes. É fundamental que essas discussões gerem compromissos concretos do poder público, envolvendo não só a educação, mas também saúde, segurança e assistência social, para transformar a realidade desses territórios”, afirmou.

A coordenadora do projeto Estratégias Intersetoriais de Produção do Cuidado em Escolas de Territórios Marcados por Violência, Ingrid D’ávilla, ressaltou a urgência de discutir a escola como espaço de proteção e cuidado, diante do aumento da violência.

“Sempre retomamos esse debate quando vivenciamos chacinas e tragédias em escolas, que infelizmente têm sido cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Esse fato reforça a emergência de pensar a escola como lugar de proteção, de promoção da saúde e de cuidado, como deveria ser desde suas origens”, disse.

Para Andréia Martins, técnica em assuntos educacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é necessário reformular a atual política pública de segurança.

“Essa violência é resultado de uma política que não tem eficácia e causa danos colaterais significativos. Crianças têm medo de ir à escola, famílias não se sentem seguras para deixá-las, e trabalhadores informais perdem dias de trabalho e renda. Atualmente, a proteção e a rede de apoio disponíveis ainda são insuficientes para atender a estudantes e profissionais das escolas mais afetadas pela violência”, afirmou, citando exemplos como o Projeto Rainar, na Maré, e o Programa Saúde na Escola (PSE), que buscam contornar a situação, mas enfrentam limitações estruturais para gerar resultados efetivos.

Só 4,5% dos alunos do Ensino Médio público dominam Português e Matemática

Além disso, o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025 (https://todospelaeducacao.org.br/noticias/anuario-brasileiro-da-educacao-basica-2025) revela um dado alarmante sobre o Ensino Médio: apenas 4,5% dos alunos da 3ª série da rede pública alcançaram níveis adequados em Língua Portuguesa e Matemática no último ano. O número contrasta com o aumento das matrículas, 82,8% dos jovens de 15 a 17 anos estavam na escola em 2024, e mostra que o acesso não tem se traduzido em aprendizagem efetiva.

Nos últimos 10 anos, houve avanços importantes. A distorção idade-série caiu de 28,2% para 17,8%, e a taxa de jovens que concluem o Ensino Médio aos 19 anos passou de 55% para 71%. Ainda assim, o Ideb da rede pública ficou em 4,1 em 2023, abaixo da meta de 4,9 prevista para 2021. Pesquisadores apontam que a melhora recente decorre mais da redução da evasão e do aumento da aprovação do que de progressos reais em desempenho.

Ainda segundo o estudo, entre os 20% mais ricos, 92% dos jovens de 15 a 17 anos estão no Ensino Médio, enquanto entre os 20% mais pobres essa taxa cai para 76,2%. Estados também apresentam contrastes: enquanto Mato Grosso atinge 92,1% de matrícula, o Amapá registra apenas 67,9%.

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