Durante cerca de nove horas de evento, pesquisadores de Universidades Federais do Rio Grande do Sul apresentaram a síntese de seus estudos feitos no âmbito do projeto “RS: Resiliência & Sustentabilidade”. Promovido pela então Secretaria para Apoio à Reconstrução do RS (SERS), do Governo Federal, em cooperação com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), a conferência científica realizada na última sexta-feira, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, foi o ápice do projeto que subsidiou linhas de pesquisas já existentes nas Universidades Federais gaúchas sobre temas que se relacionam com a crise climática, adaptação e resiliência.
Ex-ministro da SERS, Paulo Pimenta recordou, durante a abertura do evento, que uma de suas primeiras ações ao assumir a pasta foi chamar as universidades para dialogar. Havia o entendimento de que, para além das medidas emergenciais que a urgência da catástrofe impunha, era preciso criar condições para discutir os desafios do futuro.
“Esse seminário é feito da compreensão que temos da ciência para que possamos construir ações no momento presente. Não podemos abrir mão da inteligência e das pesquisas científicas produzidas por nossas universidades”, afirmou.
Ex-secretário-executivo da SERS e atualmente chefe do escritório de representação do Governo Federal no RS, Maneco Hassen recordou das dificuldades vividas no momento mais grave da enchente que devastou o estado gaúcho em maio de 2024 e destacou que, desde então, o Governo Federal já investiu mais de R$ 80 bilhões no RS. Até o momento, 419 mil famílias e 50 mil empresas acessaram algum dos auxílios emergenciais criados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na última semana, o Governo Federal assinou o contrato da casa de número mil entregue para uma família vítima da enchente. “Isso dá uma ideia do tamanho da tragédia no estado”, avaliou.
Por sua vez, João Ferrer, coordenador do projeto, destacou na abertura a capacidade científica das universidades gaúchas e a grande inteligência produzida por elas, que devem ser ouvidas para colaborar no enfrentamento da crise climática. “Não quer dizer que somos contra o conhecimento de países estrangeiros, há complementaridade e não divergência”, ponderou.
Ricardo Pereira da Silva, diretor de Projetos da Fespsp, destacou que desde sua fundação, há 92 anos, a entidade sempre atuou no campo da pesquisa para melhorar as relações sociais e políticas, colaborando para o desenvolvimento social.
“É uma fundação que se mantém viva pelo seu dinamismo e que, por meio de uma coordenadoria de projetos, tenta junto com parceiros regionais desenvolver aspectos que vão melhorar a vida das pessoas”, ressaltou.
Anfitriã do evento, a reitora da UFRGS, Márcia Barbosa, recordou que cientistas da Rede Clima alertam há 10 anos para as chuvas na Região Sul do Brasil, a seca na Amazônia e o desmatamento no Centro-Oeste.
“Em maio de 2024, começou a chover forte para a surpresa de zero cientistas”, lamentou, afirmando que o desastre ocorreu por falta de preparo e que é preciso cuidar dos riscos. Ela ainda criticou o fato de as universidades normalmente serem chamadas somente no momento da emergência. “Chega de universidade ‘band-aid'”, cobrou.
Tendo como olhar as “vulnerabilidades e perspectivas para um futuro de prosperidade”, o primeiro painel da conferência científica contou com as participações especiais da filipina Sara Jane Ahmed, conselheira do V20 (grupo de países vulneráveis às mudanças climáticas) e de Inamara Mélo, diretora de Políticas para Adaptação e Resiliência à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente.
Em 2009, 11 dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas se reuniram nas Ilhas Maldivas para encontrar um modo de ter voz perante o mundo, dando origem ao Fórum de Vulnerabilidade Climática. Seis anos depois, em 2015, foi fundado o V20. Sara destacou que, atualmente, existem 70 países pequenos, frágeis e afetados por conflitos que contribuem com apenas 6% das emissões de gases de efeito estufa, apesar de serem extremamente vulneráveis à crise do clima. “São países que querem sobreviver”, afirmou.
Em sua fala, ela apresentou a necessidade de US$ 49 bilhões por ano de investimentos para proteger as nações mais vulneráveis, mas lamentou que a arquitetura financeira dificulta a chegada dos recursos a quem mais precisa e que há barreiras econômicas que punem os países com dívidas. Ao cobrar mobilização de capital para enfrentar os danos causados pelo clima, Sara explicou que muitos destes países, como Bangladesh, Sri Lanka e Gana, entre outros, têm planos de enfrentamento à crise climática.
Olhando para a realidade brasileira, Inamara Mélo ponderou que a agenda de adaptação não é exclusiva do meio ambiente e deve ser multisetorial, abrangendo desde a economia até a saúde. Ao apresentar a Estratégia Nacional de Adaptação, com 16 planos setoriais, a diretora do Ministério do Meio Ambiente afirmou que os desastres climáticos não acontecem se não houver a vulnerabilidade. “Não podemos olhar só as ameaças, precisamos agir contra as vulnerabilidades. Há aumento das ameaças climáticas em todas as regiões do Brasil, é uma ameaça para todos nós”, afirmou, criticando que a maior parte dos recursos econômicos acaba indo para ações de emergência enquanto deveriam ir antes para a agenda da prevenção. “A adaptação não é uma escolha, é uma necessidade para todos e uma responsabilidade federativa compartilhada.”
Um dos debatedores convidados, o professor Rualdo Menegat, do Instituto de Geociências da UFRGS e coordenador do Atlas Ambiental de Porto Alegre, ressaltou que a tragédia gaúcha não foi “culpa do céu” e que a magnitude do desastre está relacionada com o ambiente social. Por isso, defendeu a necessidade de entender o fator local para prevenir e se adaptar com melhores condições diante dos eventos que virão. “Devemos pensar em construir uma cultura de enfrentamento conforme nossa perspectiva e não com conceitos importados”, argumentou. Para ele, tudo passa pelo reconhecimento da própria vulnerabilidade e que a construção da resiliência é uma tarefa coletiva e não individual. “Sem considerar o lado social da catástrofe, não há como enfrentá-la. Não adianta termos as boias, se as pessoas não sabem usá-las.”
Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), Aldo Fornazieri optou por uma abordagem mais política ao destacar a quantidade e variedade de eventos climáticos extremos que atingiram o mundo em 2024. “Nenhum ano foi mais terrível”, avaliou, lembrando os furacões no Caribe e na Ásia, inundações no Afeganistão, Paquistão e Espanha, incêndios na Grécia e nos EUA, secas em diversas partes do mundo, além da histórica enchente no Rio Grande do Sul. “A dimensão da guerra não pode ser excluída. Há 1% da população responsável pela destruição ambiental igual a cinco bilhões de pessoas. Esse 1% promove uma guerra contra os povos e o planeta”, afirmou.
Na avaliação de Fornazieri, não bastam soluções técnicas porque há um bloqueio das sociedades ricas para a implementação de diretrizes científicas. Enquanto não for combatido o 1% que promove a guerra política, disse o professor, não haverá solução possível. Em sentido semelhante, defendeu não ter como enfrentar a crise climática sem agir contra a pobreza. O professor da Fespsp avalia que já estamos dentro da catástrofe ambiental e, mesmo assim, faltam recursos financeiros e vontade política para mudar o cenário. Como exemplo, citou as recentes declarações de líderes europeus anunciando que irão aumentar os investimentos em armas. “Por que gastamos tanto para produzir a morte e pouco para proteger a vida?”, perguntou.
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