China e Otan: nacionalismos, globalismo, imperialismo

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Sun Yat Sen (foto Wikimedia)
Sun Yat Sen (foto Wikimedia)

A vitória inglesa no Congresso de Viena representou mais do que um poder nacional. Aliás, em se tratando das ilhas britânicas, o poder vem sendo dos Stuart desde o século 15, associados, a partir do século 18, pelo judeu Mayer Amschel Rothschild e descendentes, um poder fundiário e comercial financeiro que é, ainda hoje, a expressão inglesa. A resposta a um poder que extravasa as fronteiras dos Estados só pode ser o nacionalismo, explicitamente enunciado pelo megaespeculador George Soros como o maior inimigo do neoliberalismo mundial.

A resposta ocorreu nos 39 estados e cidades livres de idioma alemão, os quais criaram, sob o pensamento do economista Friedrich List (1789-1846), em 1º de janeiro de 1834, a aliança aduaneira que teve como meta a liberdade alfandegária – Zollverein – base da rápida e significativa industrialização alemã e criação do Império Alemão, em 18 de janeiro de 1871.

Também a resposta veio na Itália, onde a administração napoleônica incentivou um nacionalismo na península que desencadeou, entre 1815 e 1870, o movimento denominado Risorgimento. A luta se trava em duas fases: a primeira, em 1848-1849, constituiu-se de vários movimentos revolucionários e da guerra nacionalista contra o Império Austríaco, mas sem mudanças nos estados, ducados, reinos existentes. A segunda fase, em 1859-1860, foi do próprio processo de unificação e terminou com a declaração do Reino de Itália e a anexação de Roma, antes a capital dos Estados Pontifícios, em 20 de setembro de 1870.

Assim, enquanto florescia um movimento nacionalista na Europa, a China se desfazia, sob o governo Qing, permitindo que os estrangeiros, estados e empresas, usurpassem seu patrimônio e território; uma privatização ampla e geral.

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A partir de 1874, o Japão se une às potências ocidentais no desmembramento da China, anexando as ilhas Ryû Kyû (Ilhas Léquias, em português). Os capitais ocidentais impedem, com dívidas e pressões, que haja recursos para os chineses recuperarem sua economia, territórios e rearmarem as forças militares.

Como se não bastassem as agressões estrangeiras, ocorre entre 1851 e 1864 a Revolução Tai Ping. Conflito sangrento entre as forças imperiais e o grupo inspirado pelo místico Hong Xiu Quan (1814-1864), que se intitulava irmão de Jesus Cristo. Seu objetivo era criar uma nova cultura, substituindo o confucionismo e o budismo por uma visão de cristianismo.

As tropas imperiais foram auxiliadas por forças britânicas e mercenárias estadunidenses que esmagaram a revolta, reconquistando Nanquim, onde pereceu Hong Xiu Quan. A Dinastia Qing, no entanto, jamais se restabeleceu desta guerra, civil e ideológica, dos Tai Ping (misto de cristianismo e igualdade social) que chegou a influenciar outros grupos revolucionários, inclusive o Partido Comunista Chinês. Calcula-se que morreram entre 20 e 30 milhões de pessoas em consequência direta do conflito.

Transcrevemos a análise do professor Jean Chesneaux, diretor da École des Hautes Études em Sciences Sociales da Universidade de Paris: “A própria amplitude dos sucessos militares e diplomáticos dos ocidentais constitui na China, implicitamente, uma espécie de vacuum político. Abriu caminho simultaneamente aos Tai Ping, aos Ni An (sociedade secreta que atingiu seis províncias do norte entre 1851 e 1868) e aos muçulmanos, ainda que esses movimentos sejam a expressão histórica de problemas distintos e produto de uma evolução particular”.

“As Potências e os grupos comerciais que elas sustentam não têm interesse em que esse vacuum se perpetue. Necessitam na China de um ponto de apoio político, de um Estado que, bem ou mal, garanta as vantagens que elas adquiriram e cumpra os acordos assinados. Por isso, vão dar mão forte a esse mesmo governo mandchu que antes enfrentavam. Desde a assinatura dos tratados de 1860, a ajuda militar e técnica franco-inglesa é decisiva. Permite às forças imperiais recuperar a situação e derrotar os Tai Ping, a partir de 1864, e depois os Ni An e os muçulmanos” (J. Chesneaux, A Ásia Oriental nos Séculos XIX e XX, tradução do original de 1966 por Antonio Rangel Bandeira para a Livraria Pioneira Editora, SP, 1976).

A I Grande Guerra, que historiadores chineses denominam guerra civil europeia, é fruto do Congresso de Viena e da ardilosidade inglesa. Com cerca de meia centena de territórios autônomos, era altamente previsível que disputassem o poder continental europeu, deixando assim o Reino Unido livre para conquistar o mundo fora da Europa. Mas os movimentos nacionalistas e as unificações fizeram com que, aproximadamente um século depois, novos competidores entrassem no butim, na pilhagem da África e da Ásia, especialmente. A I Grande Guerra é fruto desta situação, porém já encontrava a Inglaterra em declínio e sua antiga colônia na América do Norte, os Estados Unidos da América (EUA) em ascensão. E tem início outra disputa que envolverá países e ideologias diferentes: o financismo fundiário e comercial, de um lado, e o industrialismo, de outro.

A grande mudança no cenário europeu do começo do século 20 deu-se no Império Russo. No século 15, aproveitado a fragmentação do Império Mongol (1209-1368), que vimos dominando a China e se estendeu por 24 milhões de quilômetros quadrados até a Europa Oriental, Ivan III, o Grande (1440-1505), deu início à cooptação dos potentados eurasiáticos, que então se formaram na imensa área territorial do Império Russo. Sob os governantes até o século XX, foram incluídos inclusive povos seminômades da Ásia Central, com a inteligência de lhes conceder títulos e assento na corte russa sem interferir com as leis locais e costumes e tradições culturais destes povos.

Com a Revolução na Rússia, em 25 de outubro de 1917, assume o poder Vladimir Ilyich Ulianov, Lenin (1870-1924), que acomodou o princípio da autodeterminação dos povos com a política de nacionalidades que de algum modo existia desde meados do século 15, quando a Rússia deixou de ser uma nação bastante homogênea etnicamente, para se tornar um império multinacional, com as diversas etnias nele abrigadas.

Vê-se que a questão nacional vai tomando diferentes contornos que explodem na II Grande Guerra (1º de setembro de 1939 a 2 de setembro de 1945). Esta guerra foi muito diferente do que se poderia esperar. Uma possível causa seria da predominância industrial sobre a financeira na disputa pelo poder mundial, outra a das nacionalidades contra as globalizações imperiais ou ideológicas, outra ainda por nova divisão do mundo entre as potências emergentes, mas nada disto foi o estopim da guerra que, na verdade, uniu poderes e interesses contrários sob a mesma bandeira (financismo, industrialismo, nacionalismo, globalismo, capitalismo e socialismo).

O Eixo, o outro lado da II Grande Guerra, nasceu dos esforços diplomáticos da Alemanha, da Itália e do Japão para assegurar os seus interesses expansionistas específicos, em meados da década de 1930.

O Império do Japão incluía também a Mandchúria (região leste da Ásia, que dominara toda a China entre o século XVII e 1911), a Mongólia Interior (norte da China, onde se encontram estepes verdes, deserto árido e partes da Grande Muralha da China), a maior parte das áreas costeiras orientais da China, a Malásia, a Indochina Francesa, as Índias Orientais Neerlandesas, Filipinas, Birmânia (hoje Myanmar), algumas regiões da Índia (Estado de Manipur) e várias ilhas do Oceano Pacífico (Ilhas Marianas).

Entre 7 de julho de 1937 e 2 de setembro de 1945, ocorreu a Segunda Guerra Sino-Japonesa, conhecida pelos chineses como Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa. A guerra foi o resultado da política imperialista japonesa não apenas para expandir sua influência política e militar, mas para garantir o acesso às reservas de matérias-primas, de alimentos e emprego para os nipônicos.

Vimos que a China chegou ao século 20 um país ocupado e em decadência. As ideias de Kang You Wei (1858-1927), trazendo contribuições ocidentais dos socialistas utópicos – Saint-Simon (1760-1825); Fourier (1772-1837); Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858) – e do positivismo de Augusto Comte (1798-1857) atuaram de modo tão confuso que estimulou uma reforma no confucionismo e uma reação ortodoxa no pensamento chinês.

Os intelectuais de inspiração confuciana questionavam os ensinamentos e os desafios trazidos pelos ocidentais. Zang Bing Lin (1869-1936) e Liu Shi Pei (1884-1919), figuras de proa do pensamento na aurora do século XX, acreditavam na perenidade do pensamento dos Song e dos Ming. Zang Bing Lin embora inovador em muitos aspectos, era cético em relação a novas descobertas arqueológicas. Ativista e acadêmico, produziu muitas obras políticas, foi preso por três anos no Império Qing e também colocado em prisão domiciliar, por mais três anos, por Yuan Shi Kai (1859-1916), importante general e político chinês, que foi o primeiro Presidente da República da China (1912 a 1915).

E Liu Shi Pei, nacionalista fervoroso, viu nas doutrinas do anarquismo um caminho para a revolução social, ao mesmo tempo em que preservava a essência cultural da China, especialmente o taoísmo e os registros da história pré-imperial da China. Em 1916, ele ingressou no corpo docente da Universidade de Pequim.

Um movimento militar (Levante Wu Chang), em 10 de outubro de 1911, em Wu Han, capital da província de Hu Bei, levou à formação do governo provisório da República da China, em Nanquim, em 12 de março de 1912, derrubando a Dinastia Qing. Sun Yat Sen (1866-1925), médico e político, foi o primeiro a assumir a presidência, mas viu-se forçado a entregar o poder a Yuan Shi Kai, que comandava o Novo Exército (tropas chinesas treinadas e equipadas à maneira ocidental) e fora primeiro-ministro durante a Era Qing. Yuan Shi Kai nomeou-se Imperador e, nesta condição, dirigiu a China de 22 de março a 6 de junho de 1916, deixando um vácuo de poder, o governo republicano em frangalhos e o País administrado por coligações variáveis de chefes militares provinciais.

Sun Yat Sen deixou, no entanto, uma política que teve seguidores e foi denominada como dos Três Princípios do Povo: nacionalismo, democracia e meio de vida das pessoas. Após a morte de Yuan Shi Kai, em 1917, voltou à China, estabelecendo-se em Guang Zhou, às margens do rio das Pérolas, onde foi nomeado presidente do autoproclamado Governo Nacional. Ali fundou a Academia Militar de Huang Pu, distrito de Guang Zhou, dirigida por Chiang Kai Shek (1887-1975), e tentou formar um exército para conquistar o norte da China. Organizou o Kuomintang como um partido de estilo leninista, mesmo não sendo comunista, que lhe valeu o apoio do Komintern (a Terceira Internacional reunindo os partidos comunistas de diferentes países), e lhe proporcionou a primeira Frente Unida, dos Nacionalistas do Guó Min Dang (literalmente “Partido Nacionalista Chinês”) que dominou o governo da República de 1928 até 1949) com o recém-criado Partido Comunista Chinês.

Em 1919, ocorre o Movimento de Quatro de Maio, com os intelectuais manifestando o descrédito na filosofia liberal ocidental, trazida por Kang You Wei, que resultaria no conflito ideológico entre os socialistas progressistas e os conservadores, dentro e fora do Partido Nacionalista Chinês.

 

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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