China: o despertar do gigante asiático

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A partir de 1974, o Brasil começou a delinear um processo de aproximação com os chineses, com o restabelecimento de relações diplomáticas e o reconhecimento, pelo governo brasileiro, da República Popular da China.
Naquela época, o maoismo encontrava-se em um avançado estado de decadência. A morte de Mao Tsé-Tung, em 1976, marcou o começo de significativas mudanças no Partido Comunista Chinês e, dois anos mais tarde, Deng Xiaoping iniciava o caminho das reformas econômicas, ao mesmo tempo em que propiciava a abertura do país aos investimentos estrangeiros. Abriu-se, assim, um processo de transformações que, entre 1978 e 1998, promoveu um crescimento médio anual do PIB na ordem de 9,8%, aumentando o PIB per cápita de US$ 45 para US$ 770. Este incremento foi acompanhado de significativas transformações sociais e culturais certamente espetaculares.
Como resultado dessas significativas ações são muito numerosos os problemas e desafios que enfrenta a China de hoje. Do Ocidente ouvem-se múltiplas críticas – muitas justificadas – às contínuas violações dos direitos humanos. Contudo, por mais que devamos esperar melhoras e mudanças substanciais na sociedade chinesa, visto em perspectiva histórica, os avanços observados no conjunto do país são sumamente notáveis, considerando a prosperidade alcançada pela população mesmo que submetida a uma limitada liberalização do regime político.
Durante os anos do maoismo (1949-1976), o Partido Comunista Chinês controlou totalitariamente a vida dos indivíduos em seus mínimos detalhes, com maior ênfase em um ou outro aspecto, dependendo do momento. Uma das manifestações mais perversas deste fenômeno foi a catalogação da população em grupos em que lhes rotulavam etiquetas políticas positivas ou negativas, dependendo da origem social e da posição assumida ante a Revolução. O controle que se exercia sobre decisões muitas vezes estritamente pessoais, como a escolha do cônjuge, do posto de trabalho ou o lugar para residir, afetou a todos e a cada um dos homens e mulheres do grande continente chinês.
Entre algumas das mais nefastas iniciativas do denominado “Grande Timoneiro” cabe destacar a política do “Grande Salto Adiante”, no final dos anos 50 e princípios dos 60, que teve como saldo a morte de mais de 30 milhões de pessoas, quando a China sofreu uma das mais devastadoras agruras sociais do Século XX. Suas consequências resultaram, inclusive, maiores do que a posterior Grande Revolução Cultural Proletária, a partir de 1966, cujo custo em vidas humanas e destruição patrimonial foi também elevado.
Sob esta ótica, as cotas de liberdade e bem estar social alcançadas na China atual são, indubitavelmente, de grande alcance. O processo de transição chinês, em contraposição com o ocorrido na antiga União Soviética, não somente permitiu um importante desenvolvimento econômico mas, também tem sido acompanhado de uma certa estabilidade social, se bem que interrompida com os acontecimentos que culminaram na sangrenta intervenção do Exército Popular, em junho de 1989, como reação às mobilizações estudantis na Praça de Tiananmen.
Naturalmente, as estruturas de poder mantiveram uma linha de continuidade com a hegemonia do Partido Comunista Chinês que, entretanto, foi dissipando, gradualmente, o que foram os dois grandes pilares de sua política durante o maoismo: a planificação estatal da economia e o controle social. A ideologia do partido, nestes aspectos, pouco ou nada tem a ver com aquele tempo.
Entretanto, o Partido Comunista Chinês, necessitando de legitimação política e sem renegar completamente o seu passado, em parte para evitar assumir todas as responsabilidades que dele se derivaram, continua promovendo um exacerbado nacionalismo. A história das humilhações sofridas pela China, em mãos dos japoneses e de algumas potências ocidentais, durante o Século XIX e princípios do século XX, é insistentemente recordada nas mais diversas instâncias oficiais. Daí resulta a relevância que tiveram os acontecimentos, como a recuperação de Hong Kong, em 1997, e Macau, dois anos mais tarde, bem como o fato da reunificação de Taiwan seja apresentada como irrenunciável nos discursos das elites chinesas e nos pronunciamentos oficiais do governo. Ademais, as constantes manifestações na reivindicação territorial da ilha têm um efeito de coesão social interna dentro do continente.
Este auge nacionalista tem produzido um grande impacto nas comunidades chinesas de ultramar, que têm respondido à oferta de identidade nacional com o incremento de investimentos na pátria-mãe. Não é em vão que a exaltação nacionalista é o último reduto ideológico que não sofreu variações significativas no Partido Comunista Chinês, desde os tempos de Mao Tsé-Tung, e forma parte dessa mítica porcentagem de acertos que continuam atribuindo ao fundador da República Popular da China.
Após a morte de Deng Xiaoping, em fevereiro de 1997, e a ascensão de Jiang Zemin como secretário-geral, os passos dados pela nova direção colegiada do Partido Comunista Chinês têm manifestado o firme propósito de continuar o processo de reformas. A insistência da China para obter a sua readmissão na Organização Mundial do Comércio, visto que pertencia ao antigo GATT, até 1949, nos brinda uma indicação mais próxima da vontade política do gigante asiático.
Por sua parte, a União Européia e os Estados Unidos, apostam em plenas relações com a República Popular da China, fundamentalmente com o objetivo de incrementar os intercâmbios comerciais mas, também, como fator impulsionador de transformações políticas e, em especial, de estabilidade nessa região do planeta. Indubitavelmente, o êxito com que está se desenvolvendo a transição sócio-econômica na China, que satisfaz, momentaneamente, as expectativas de amplos setores da população, torna previsível que uma eventual democratização do sistema político se dilate consideravelmente no tempo.
O Brasil, em contraste com vários países da União Européia e da Ásia, conta em sua aproximação com a China com a vantagem de não ter participado na história de suas humilhações. Entretanto, encontra-se bastante defasado com respeito ao nível de conhecimentos sobre aquele portentoso país, o que de certo modo torna-se fator inibidor ao desenvolvimento de relações diplomáticas, comerciais e culturais mais satisfatórias. No âmbito político e empresarial se reconhece a importância que a Ásia Oriental tem no novo contexto da globalização.
Todavia, é necessário definir, claramente, o papel que o Brasil deve desempenhar neste fascinante processo de transição da história chinesa. E é nesta direção que as Universidades brasileiras devem voltar suas atenções, utilizando-se da ajuda de entidades públicas e privadas, como sói ocorrer nas nações mais desenvolvidas, promovendo, dentro da vida acadêmica, atividades docentes e de investigação relacionadas com a China e suas diversas facetas sociais, econômicas, culturais e políticas.

Manuel Cambeses Júnior
Coronel-aviador R/R e conferencista especial da Escola Superior de Guerra (ESG).

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