
Nos últimos 25 anos, China e Índia deixaram de ser apenas gigantes demográficos para se tornarem forças econômicas e geopolíticas capazes de fazer frente ao eixo tradicional de poder. Sem alianças formais, mas com interesses convergentes, essa sincronia, apelidada de “Chindia”, redesenha o tabuleiro global. E o Brasil, parceiro estratégico de ambos, tem diante de si uma decisão crucial: acompanhar, influenciar ou perder o bonde da história.
A China multiplicou seu PIB de US$ 1 trilhão em 1998 para mais de US$ 17 trilhões em 2024, tornando-se líder em manufatura, infraestrutura e exportações. Seu domínio sobre cadeias produtivas é visível: 28% da produção industrial global vem de lá. A Índia, por sua vez, quadruplicou seu PIB desde 2000, ultrapassando US$ 3,7 trilhões em 2024. É hoje o maior exportador de serviços de TI do mundo, com empresas como Infosys, Wipro e Tata Consultancy liderando operações globais. Juntas, essas economias representam mais de 20% do PIB global em paridade de poder de compra e abrigam quase 35% da população mundial.
Porém, ambas enfrentam desafios internos. A China lida com o envelhecimento populacional — sua taxa de fertilidade caiu para 1,2 — e com fragilidades no setor imobiliário, que responde por cerca de 25% do PIB. A Índia, embora jovem, enfrenta gargalos de infraestrutura e desigualdade: 10% da população detém 57% da renda nacional. Ainda assim, suas fortalezas são complementares. Enquanto a China domina a produção física, a Índia lidera em capital humano digital. Uma produz o hardware; a outra fornece o software — literal e metaforicamente.
No BRICS, atuam como motores da agenda de multipolaridade. Em 2023, lideraram a expansão do bloco com novos membros e reforçaram o NDB — Novo Banco de Desenvolvimento —, sediado em Xangai. Defendem o uso de moedas locais no comércio bilateral e pressionam por reformas no FMI e no Conselho de Segurança da ONU. Mesmo com disputas fronteiriças, mantêm diálogo pragmático em fóruns como o G20 e a OMC. A proposta de uma moeda comum para o bloco, ainda embrionária, sinaliza ambições que vão além da retórica.
O Brasil, nesse contexto, tem papel estratégico. A China é seu maior parceiro comercial desde 2009, com trocas que superaram US$ 150 bilhões em 2024. Exporta soja, minério de ferro e petróleo, e recebe investimentos em energia e infraestrutura — como o terminal portuário de São Luís, usinas solares no Nordeste e linhas de transmissão no Sudeste. A Índia, embora menos presente, amplia sua atuação em farmacêuticos e tecnologia, com empresas como Dr. Reddy’s e Wipro investindo no país. Em 2024, o comércio bilateral Brasil–Índia ultrapassou US$ 15 bilhões, com potencial para dobrar até o fim da década.
Mais do que oportunidades bilaterais, o Brasil pode se beneficiar de uma nova arquitetura global que valorize modelos híbridos de desenvolvimento. A ascensão de Chindia desafia narrativas monolíticas e herméticas, abrindo espaço para arranjos em que Estado e mercado coexistem com pragmatismo. Os países em desenvolvimento, que concentram 84% da população mundial e já respondem por cerca de 45% do PIB global, não são mais coadjuvantes — são arquitetos de uma nova ordem. Para o Brasil, esse movimento representa menos pressão por alinhamentos ideológicos e mais margem para uma diplomacia soberana e estratégica.
Ainda assim, o mundo hesita em aceitar esse novo eixo. A geopolítica segue refém de uma lógica bipolar, com Washington e Bruxelas relutantes em ceder espaço. A trajetória de Chindia não será isenta de atritos — disputas tecnológicas, tensões ambientais e dilemas democráticos persistem. Mas ignorar essa realidade é um erro estratégico: o futuro será moldado por quem souber colaborar, não apenas por quem insistir em liderar.
Se o século 20 foi definido por rivalidades entre superpotências, o 21 pode ser lembrado pela emergência de sinergias inesperadas. Chindia é mais que um neologismo — é um alerta. O mundo está mudando, e quem insistir em velhas hierarquias corre o risco de perder relevância. O Brasil, se souber ler os sinais, pode não apenas acompanhar essa virada, mas ajudar a escrevê-la.

Roberto Carline; mestre em economia internacional e estrategista de mercado de capitais.















