Chindia: a aliança invisível que pode redesenhar o poder global

China e Índia avançam juntas. O Brasil escolhe: coautor da nova ordem ou espectador do século asiático Por Roberto Carline

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O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, também membro do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China, mantém conversas com seu homólogo indiano, Subrahmanyam Jaishankar, em Nova Deli, Índia, em 18 de agosto de 2025. (Xinhua/Javed Dar)
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, também membro do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China, mantém conversas com seu homólogo indiano, Subrahmanyam Jaishankar, em Nova Deli, Índia, em 18 de agosto de 2025. (Xinhua/Javed Dar)

Nos últimos 25 anos, China e Índia deixaram de ser apenas gigantes demográficos para se tornarem forças econômicas e geopolíticas capazes de fazer frente ao eixo tradicional de poder. Sem alianças formais, mas com interesses convergentes, essa sincronia, apelidada de “Chindia”, redesenha o tabuleiro global. E o Brasil, parceiro estratégico de ambos, tem diante de si uma decisão crucial: acompanhar, influenciar ou perder o bonde da história.

A China multiplicou seu PIB de US$ 1 trilhão em 1998 para mais de US$ 17 trilhões em 2024, tornando-se líder em manufatura, infraestrutura e exportações. Seu domínio sobre cadeias produtivas é visível: 28% da produção industrial global vem de lá. A Índia, por sua vez, quadruplicou seu PIB desde 2000, ultrapassando US$ 3,7 trilhões em 2024. É hoje o maior exportador de serviços de TI do mundo, com empresas como Infosys, Wipro e Tata Consultancy liderando operações globais. Juntas, essas economias representam mais de 20% do PIB global em paridade de poder de compra e abrigam quase 35% da população mundial.

Porém, ambas enfrentam desafios internos. A China lida com o envelhecimento populacional — sua taxa de fertilidade caiu para 1,2 — e com fragilidades no setor imobiliário, que responde por cerca de 25% do PIB. A Índia, embora jovem, enfrenta gargalos de infraestrutura e desigualdade: 10% da população detém 57% da renda nacional. Ainda assim, suas fortalezas são complementares. Enquanto a China domina a produção física, a Índia lidera em capital humano digital. Uma produz o hardware; a outra fornece o software — literal e metaforicamente.

No BRICS, atuam como motores da agenda de multipolaridade. Em 2023, lideraram a expansão do bloco com novos membros e reforçaram o NDB — Novo Banco de Desenvolvimento —, sediado em Xangai. Defendem o uso de moedas locais no comércio bilateral e pressionam por reformas no FMI e no Conselho de Segurança da ONU. Mesmo com disputas fronteiriças, mantêm diálogo pragmático em fóruns como o G20 e a OMC. A proposta de uma moeda comum para o bloco, ainda embrionária, sinaliza ambições que vão além da retórica.

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O Brasil, nesse contexto, tem papel estratégico. A China é seu maior parceiro comercial desde 2009, com trocas que superaram US$ 150 bilhões em 2024. Exporta soja, minério de ferro e petróleo, e recebe investimentos em energia e infraestrutura — como o terminal portuário de São Luís, usinas solares no Nordeste e linhas de transmissão no Sudeste. A Índia, embora menos presente, amplia sua atuação em farmacêuticos e tecnologia, com empresas como Dr. Reddy’s e Wipro investindo no país. Em 2024, o comércio bilateral Brasil–Índia ultrapassou US$ 15 bilhões, com potencial para dobrar até o fim da década.

Mais do que oportunidades bilaterais, o Brasil pode se beneficiar de uma nova arquitetura global que valorize modelos híbridos de desenvolvimento. A ascensão de Chindia desafia narrativas monolíticas e herméticas, abrindo espaço para arranjos em que Estado e mercado coexistem com pragmatismo. Os países em desenvolvimento, que concentram 84% da população mundial e já respondem por cerca de 45% do PIB global, não são mais coadjuvantes — são arquitetos de uma nova ordem. Para o Brasil, esse movimento representa menos pressão por alinhamentos ideológicos e mais margem para uma diplomacia soberana e estratégica.

Ainda assim, o mundo hesita em aceitar esse novo eixo. A geopolítica segue refém de uma lógica bipolar, com Washington e Bruxelas relutantes em ceder espaço. A trajetória de Chindia não será isenta de atritos — disputas tecnológicas, tensões ambientais e dilemas democráticos persistem. Mas ignorar essa realidade é um erro estratégico: o futuro será moldado por quem souber colaborar, não apenas por quem insistir em liderar.

Se o século 20 foi definido por rivalidades entre superpotências, o 21 pode ser lembrado pela emergência de sinergias inesperadas. Chindia é mais que um neologismo — é um alerta. O mundo está mudando, e quem insistir em velhas hierarquias corre o risco de perder relevância. O Brasil, se souber ler os sinais, pode não apenas acompanhar essa virada, mas ajudar a escrevê-la.

Roberto Carline

Roberto Carline; mestre em economia internacional e estrategista de mercado de capitais.

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