É imperioso instalar uma CPI para apurar a atuação do BC
No final do ano passado, em entrevista sobre as sucessivas altas da taxa básica de juros Selic implementadas pelo Banco Central (BC), o seu presidente Roberto Campos Neto declarou textualmente que “…você tem que colocar o país em recessão…”, conforme noticiado pelo Correio Braziliense.
De fato, é unânime a compreensão de que elevar a taxa básica de juros de forma exagerada provoca crise, tendo em vista que, ao elevar a Selic, todas as demais taxas de juros praticadas no país se elevam, encarecendo o custo do dinheiro e prejudicando a sua circulação na economia de forma saudável.
Os juros de mercado, já excessivamente elevados e sem limite algum no Brasil, tornam-se ainda mais exorbitantes quando o BC eleva a Selic, levando empresas à falência e famílias ao desespero. Atualmente, cerca de 79% das famílias brasileiras se encontram endividadas, conforme recente pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
A elevação da Selic também aumenta o gasto público com juros da dívida pública. O próprio Banco Central publicou que cada aumento de 1% da Selic gera R$ 34,9 bilhões de gastos com juros anuais da dívida líquida do setor público. Esse dinheiro sangra o orçamento público e prejudica o atendimento das necessidades sociais urgentes. Considerando que desde março/2021 o Banco Central já subiu a Selic em quase 12% (de 2 para 13,75%), verifica-se que essa alta da Selic corresponde a um rombo aos cofres públicos que supera R$ 410 bilhões por ano!
Além da nociva prática de juros altos, o BC ainda pratica uma série de mecanismos financeiros que aprofundam a crise econômica e transferem dinheiro do povo para os bancos, como os escandalosos contratos de swap e a “bolsa-banqueiro”, isto é, a remuneração diária da sobra de caixa dos bancos pelo Banco Central.
Essa sobra de caixa supera o patamar de R$ 1 trilhão desde 2016 e sequer pertence aos bancos, pois corresponde a dinheiro da sociedade, depositado ou aplicado nos bancos, e que deveria retornar às empresas e famílias por meio de empréstimos a juros baixos, mas fica esterilizada no BC, gerando escassez de moeda na economia e rendendo juros somente aos bancos, à custa do orçamento federal; um verdadeiro assalto aos cofres públicos.
A combinação desses mecanismos operados pelo Banco Central – juros altos, esterilização de moeda para remunerar bancos e escandalosos contratos de swap – representam um dano imenso a toda a economia do País e certamente produzem crise, como temos denunciado desde o início de 2016, e como tem consciência o presidente do BC, ao declarar que “…você tem que colocar o país em recessão…”, como mencionado no início deste artigo.
Obviamente, a elevação da taxa básica de juros Selic pelo Banco Central tem sido inócua para controlar a inflação que existe no país, pois decorre de outros fatores intocados, ou seja, elevação de preços administrados (principalmente combustíveis, devido à política de preço de paridade de importação adotada pela Petrobras desde 2016, calculando o preço de forma fictícia e extremamente onerosa, como se estivéssemos importando todos os combustíveis consumidos no país, quando na realidade cerca de 94% é produzido aqui) e alimentos (devido a erros de políticas agrícola e agrária que privilegiam o grande agronegócio de exportação em detrimento da segurança alimentar do povo brasileiro).
Apesar de verificarmos queda da inflação por 2 meses seguidos (devido à redução do ICMS e outros tributos sobre combustíveis e redução nas tarifas de energia elétrica, ou seja, nada a ver com a elevação dos juros), a diretoria do Banco Central reuniu-se nesta semana e manteve a Taxa Selic no elevadíssimo patamar de 13,75%, aprofundando a crise econômica que impede a economia brasileira de funcionar como deveria.
Essa atitude do BC mostra, mais uma vez, que tal como a elevação da Selic não tinha nada a ver com o controle da inflação que existe no Brasil, quando essa inflação cai, o BC mantém a Selic elevada e não a reduz, pois seu objetivo não é controlar inflação, mas produzir crise.
Essa crise favorece duplamente os bancos, que lucram com os mecanismos que produzem a crise (juros altos, remuneração diária da sobra de caixa dos bancos e escandalosos swap), enquanto o BC amarga prejuízos que são convertidos em dívida pública sem contrapartida, e todos nós pagamos. Somente em 2016, no auge da fabricação daquela crise, o BC transferiu R$ 250 bilhões de prejuízos ao Tesouro Nacional.
Os bancos lucram também com as medidas adotadas para, supostamente, “contornar” a crise. A crise fabricada a partir de 2014 serviu de justificativa para a aprovação do teto de gastos sociais (EC 95, que deixou o gasto com a dívida pública fora do teto) e das contrarreformas trabalhista e previdenciária, além de inúmeras privatizações insanas. A proposta de reforma administrativa (PEC 32) também está fundamentada naquela crise, entre várias outras que foram aprovadas e justificadas naquela crise fabricada.
O próximo presidente eleito será pautado por essa crise fabricada pelo Banco Central, que mais uma vez será usada como justificativa para a aprovação de mais contrarreformas, privatizações e arrocho contra o povo, enquanto os bancos que atuam no Brasil figuram entre os mais lucrativos do planeta. Por isso reivindicamos uma CPI do Banco Central Já!
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.