Cidadania no nacional trabalhismo: habitação e mobilidade urbana

Exploração da cidadania sob o nacional trabalhismo e os desafios da habitação e mobilidade urbana no Brasil. Por Pedro Pinho.

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Rodovia de Brasília (Foto: Arquivo/ABr)
Rodovia de Brasília (Foto: Arquivo/ABr)

Como vimos no artigo sobre a educação e a saúde, há outros campos da ação do Estado que são fundamentais para a população gozar de efetiva cidadania. Não será deixando que cada um cuide de si, como propõe a filosofia neoliberal, que teremos um Brasil que nos dê orgulho e garanta de vida saudável e produtiva aos seus habitantes. Este pensamento egoísta leva ao ódio e ao medo, hoje objeto de inquietação e do aproveitamento para a pior política. Tanto é assim que ao lado da corrupção, impulsionada pelo lucro acima de tudo, temos enorme quantidade de partidos sem qualquer formulação política para a governança nacional, apenas funcionando para usufruto de seus dirigentes.

Existe correlação entre a habitação, moradia, e a mobilidade urbana como ficará explicitado ao correr deste artigo.


Habitação

Por habitação não se entende apenas a construção de moradias. Este é o fim de todo trabalho que tem início na urbanização e na garantia de vida saudável pelas condições ambientais.

Em face da diversidade das condições ambientais brasileiras a questão da moradia deve, primordialmente, ser tratada pelas prefeituras, ou seja, de forma descentralizada, dentro da mesma filosofia geral de construção da cidadania.

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O Brasil colonial, do Império e do modernismo nos deixaram uma arquitetura de época que devemos preservar como elemento de nossa história; por outro lado o crescimento demográfico e social exigem a ampliação das áreas urbanas, o que nos leva à proposição de duas frentes de ação no tocante à habitação: a da preservação e a da expansão.

Diferentemente de outras civilizações pré-colombianas, a dos brasileiros não criou cidades. Leonardo Benevolo, na Introdução da “História da Cidade” (Perspectiva, SP, 5ª edição, 2011), esclarece que “a cidade permanece como criação histórica particular; ela não existiu sempre, mas teve início num dado momento da evolução social e pode acabar ou ser radicalmente transformada, num outro momento. Não existe por necessidade natural, mas por necessidade histórica que tem início e pode ter fim”.

Benevolo estima que “há cerca de 5.000 anos, nas planícies aluviais do Oriente Próximo, algumas aldeias se transformaram em cidades” e com isso surge a necessidade de produzir excedentes, de dispor de novas construções para os abrigar e manter aqueles que se encarregarão destes estabelecimentos mais complexos, onde se incluem, inclusive, os religiosos, e que controlem o campo. “Daí começa, de fato”, afirma Benevolo, “a civilização e a história escrita, em contraposição à pré-história. Doravante, todos os acontecimentos históricos dependerão da quantidade e da distribuição deste excedente”.

As Américas têm diferentes histórias quanto à urbanização. No México e pela América espanhola que se estende pela América Central e chega ao Peru, já havia uma ideia urbana nos astecas, maias e nos povos andinos. Em Cuzco, Machu Picchu, Cholula (México), Santiago de León (Caracas), Guadalajara, Quito encontram-se estradas, projetos de cidades e praças, muralhas que demonstram a preocupação urbana dos habitantes pré-colombianos. Enquanto na restante América do Norte e no Brasil, Chile e países do Prata, na avaliação de Leonardo Benevolo, vivia-se, urbanisticamente, na pré-história.

Os colonizadores europeus da península ibérica, da França e da Holanda também trouxeram conceitos diferentes, resultado das suas experiências em cenários e condições distintas, existentes, por exemplo, em Paris, fundada às margens do rio Sena e aproveitamento de suas ilhas, em Amsterdã, onde são construídos canais, ora circulares ora longitudinais, e o governo zela pelos projetos e características das edificações, ou nas cidades espanholas de influência árabe e próprias para regiões de forte insolação.

No Brasil houve a preocupação de imitar as cidades portuguesas. A arquitetura nos centros das vilas e cidades se caracterizava por um padrão uniforme de número de pavimentos, fenestração, área e gabarito, muitas vezes definidos a partir das Cartas Régias ou posturas municipais. As residências eram construídas com fachadas próximas às ruas, grande número de janelas e portas simétricas e majestosas, ainda hoje observadas em cidades mineiras, em Salvador (Bahia) entre outras, principalmente no nordeste e no Estado do Rio de Janeiro.

A revolução industrial, ocorrida na segunda metade do século 18, o crescimento da população e sua redistribuição pelos territórios, o aumento da duração média da vida, o grande aumento da produção e consumo, exigindo rotas de tráfico que permitissem maior rapidez e mais conforto, trouxeram necessidades de reformas nem sempre atendidas, o que gerou certa anarquia urbana, as edificações não mais consideráveis estáveis, permanentes, áreas tornadas insalubres, e, face a ideologia liberal predominante, nem sempre corrigidas pela ação estatal.

Isso se aguça no século 19 e os defeitos e problemas das cidades parecem ser tantos que dificilmente poderiam ser eliminados, gerando novas regras para expansão urbana, nem sempre respeitadas. As cidades crescem desordenadamente, na quase totalidade. Os antigos núcleos urbanos de igrejas e palácios são rapidamente deslocados para novas centralidades de áreas mais abertas, melhor atendidas pelas ruas largas e para maior trânsito. A urbanização passa a ser tema das divergências políticas.

Há a clássica crítica de Friedrich Engels (1820-1895) ao centro de Manchester, em 1845, que afirma: “as ruas, mesmo as melhores, são estreitas e tortuosas, as casas sujas, velhas, em ruínas, e o aspecto das ruas laterais é absolutamente horrível” (F. Engels, “A Situação da Classe Operária na Inglaterra”, publicado em 1887).

Buscam-se as partes altas das cidades, principalmente daquelas surgidas ao longo dos rios, e as áreas junto ao mar. As cidades são imagens e demonstração das classes sociais que nelas habitam.

No Brasil tivemos cidades planejadas, sendo Brasília o mais exitoso exemplo, premiado internacionalmente. Mas não é o planejamento urbano atividade permanente do Estado, e, em especial, das Prefeituras Municipais, que por primeiro deveriam ser as mais interessadas.

A urbanização de Brasília, no sentido longitudinal, afastada das margens do Lago do Paranoá, indica a preocupação de segregar os trabalhadores, lá deslocados para cidades satélites, das margens do Lago, destinadas às mansões, moradias dos afortunados. Este resíduo do pensamento escravocrata ainda persiste, e o neoliberalismo, vigente desde a década de 1980, o reforça nas poucas áreas de ação do Estado.

Diversos conceitos de cidades foram objeto de mestres e especialistas, no século XX. Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965), conhecido como Le Corbusier, divide em três os “estabelecimentos humanos”: a unidade de cultivo agrícola, a cidade linear industrial e a cidade radiocêntrica das trocas. Tendo elaborado esta formulação em 1947, Le Corbusier não se valeu da “Teoria dos Sistemas Gerais”, de Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), que a desenvolveu entre 1950 e 1968, nem da grande mudança no conhecimento provocada pelas publicações, em 1948, da “A Mathematical Theory of Communication”, de Claude Shannon (1916-2001), e da “Cybernetics: Or Control and Communication in the Animal and the Machine”, de Norbert Wiener (1894-1964).

O nacional trabalhismo do século XXI não ignora estas contribuições e as incorpora em suas proposições. Uma das grandes preocupações da sociedade hodierna é a climática, quase unicamente centrada na questão energética. Mas o planejamento urbano permanente, não apenas quando se trata da construção ou de plano de expansão das cidades, é importantíssimo na solução para vida saudável.

Impossível imaginar um núcleo populacional sem a proteção de áreas verdes, não como ilha, mas integrado a tudo que é necessário à existência: comércio, escola, atendimento à saúde, área recreativa, esportiva, parques; dotado de serviços e de todos aparelhamentos para as diversas funções da vida urbana, notadamente para universalidade do saneamento urbano.

É sumamente importante que estas estruturas não sejam voltadas para o enriquecimento ou fontes de renda, como tudo na ideologia neoliberal, mas para conquista ou reconquista dos espaços públicos para o povo.

Não mais se imagina, como Le Corbusier, uma receita para todas cidades. Daí a necessidade dos poderes, em todas as instâncias, terem organismos de planejamento urbano para permanente acompanhamento, para as coordenações, fiscalizações, integrações e superação da dualidade cidade-campo. E, acima de tudo, trabalharem com as realidades e não com ideologias, o mais das vezes importadas.

Estudo de 2007 identificou 1.538 favelas na cidade de São Paulo, onde viviam cerca de dois milhões de pessoas ou, aproximadamente, 16% da população da cidade (Ambiente Brasil, 2009). Nenhum candidato à Prefeitura, em 2024, apresentou qualquer proposta de solução.


Mobilidade urbana

O grande problema da mobilidade urbana está na necessidade de unir o passado ao presente, sem eliminar a história, as características formadoras da nossa cultura e que é parte do sentimento nacional.

A mobilidade urbana deve tratar dos helipontos e dos bicicletários e pistas para bicicletas. E atender o que denominamos favelas ou invasões, como denominadas em Salvador (Bahia) e outras localidades.

A integração dos projetos de urbanização e reurbanização das cidades com a infraestrutura de transporte é fundamental. Principalmente quando as soluções para os crescimentos urbanos levam à divisão das cidades e, consequentemente, esta necessidade de interligações cresce ainda mais.

Excepcionando condições especiais de cidades ao longo de rios, de lago ou construída à beira mar, quando o transporte aproveite a água para embarcações, o transporte sobre trilhos é o mais recomendável para base da mobilidade.

O trem, na superfície, ou o metrô, na subsuperfície, deve se estender como uma rosa dos ventos, nas oito principais direções, ou, conforme a amplitude da área urbana, também nos oito pontos subcolaterais. Entre o centro da radiação e suas extremidades, podem passar determinado número de linhas, conectando os trajetos da rosa dos ventos, de modo a facilitar as integrações e reduzir os tempos de deslocamento. A amplitude das cidades e suas características de relevo poderão justificar o transporte público por superfície, em ônibus, também em planos inclinados e teleféricos, porém, em princípio, as ruas estão destinadas a automóveis, motos e bicicletas, ou veículos de turismo.

Uma questão importante é o intervalo em que cada composição passará pelas estações, que será definido conforme o volume de passageiros e as horas do dia. Este sistema de transporte funcionará por 24 horas/dia e terá a tarifa mínima, mais destinada à organização dos usuários do que ao ressarcimento dos custos.

O sistema que denominamos da rosa dos ventos é o mais geral e adaptável, mas não é o único modelo. A descentralização do planejamento é fundamental para que ele atenda às realidades específicas de cada cidade, dos diferentes núcleos urbanos.

Outra preocupação deve estar nas conexões do sistema de mobilidade urbana com o dos transportes interurbanos, interestaduais e nacionais.

Há necessidade de estabelecer estacionamentos, de preferência subterrâneos, para os que se desloquem em veículos de superfície. Mas a eficiência e conforto do transporte sobre trilhos deve fazê-lo o principal meio de deslocamento de todas as pessoas.

No Brasil há casos graves de desatenção à mobilidade urbana, como a excessiva dependência do transporte de superfície, poluidor, e cujo número de carros, por linha de funcionamento, obriga com frequência e, principalmente, para moradores em áreas mais pobres, saírem muito cedo de casa para não se atrasarem na chegada ao trabalho. Também a falta de articulação entre sistemas municipais e estaduais deixa sem opção as pessoas residentes fora dos perímetros urbanos.

Nesta era neoliberal, buscando tirar a responsabilidade do Estado, surgem várias utopias a respeito das cidades e das locomoções. Uma destas vem do pensador austríaco Ivan Illich (1926-2002), em seu livro de 1973, “Os Equipamentos para uma Sociedade Convivial”, de onde retiramos: “as pessoas poderiam construir para si próprias moradias mais duradouras, mais cômodas, mais sadias e aprender ao mesmo tempo o uso de materiais novos e de novos sistemas”.

Como se fosse possível garantir infraestrutura de saneamento básico e de transporte apenas pela melhor ou maior convivialidade (sic).

 Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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