Não resta dúvida que sobre o aspecto confraternização entre os 48 países presentes, entre os maiores e menores do Ocidente da Europa e da América Latina e Caribe, a Cimeira foi um sucesso. Afinal, em alguma ocasião, é preciso mostrar ao mundo que não é só o dinheiro que é capaz de reunir, numa reunião cordial, nações economicamente tão diferenciadas.
Sob o ponto de vista de segurança foi lavrado outro êxito. Não é fácil, neste planeta tumultuado por tantos atentados e seqüestros, os mais violentos e inesperados, manter durante três a quatro dias tantos chefes de Estado, assessores de alto nível e quase dois milhares de acompanhantes imunes da mais leve prática de violência.
No que tange aos assuntos tratados e que constituíram o objetivo da reunião, há que se distinguir dois planos. O primeiro, vamos chamar de idealístico, tratou-se de uma reafirmação do reconhecimento do princípio de igualdade entre as nações, princípio perseguido desde a Declaração de Direitos proclamada pela Revolução Francesa, em 1789.
A igualdade plena foi considerada inatingível pelo próprio Montesquieu no seu L”Esprit de Loi quando diz: “Os homens nascem naturalmente iguais. Mas não podem permanecer como tal. A sociedade faz que com eles percam a igualdade e não voltem a ser iguais senão em face da lei”. Apesar disto, os sistemas políticos democráticos não se cansam em perseguir o alcance de uma sociedade mundial mais igualitária. Este anseio foi revelado nas reuniões da Cimeira, onde predominaram na voz de todos os pronunciamentos as palavras que se relacionam com os sentimentos igualitários, tais como: equilíbrio de poder, justiça social, simetria de procedimentos, indiscriminação, uniteralismo, não protecionismo, igualitirismo, e muitas outras. Foi importante que chefes de governo dos “grandes” da Europa e dos pequenos do Hemisfério, uníssonos, reconheceram que há algo a corrigir na área das desigualdades, do profundo abismo que, hoje, separa os ricos e pobres do mundo. Parece que houve uma tomada de consciência sobre esta injustiça, pois houve um diapasão comum na choradeira dos mais necessitados e nas promessas dos mais abastados. Sabemos que os resultados só virão a longo prazo. A conscientização político-social é sempre lenta, mas urge manter a pressão igualitária. A Declaração do Rio, firmada pelos 48 chefes de governo presentes, proclamou estes ideais.
Em outro plano tratou-se das questões pragmáticas do encontro – política financeira e política comercial. A Cimeira trouxe o compromisso de fortalecer as relações comerciais entre a União Européia, a América Latina e o Caribe, promovendo a revisão dos obstáculos aduaneiros que vem dificultando as transações. Entre estas dificuldades ressaltam o protecionismo aberto ou velado dos países europeus aos seus produtos, particularmente no setor agrícola, em prejuízo dos produtos da América Latina. Ora este protecionismo não se justifica quando a palavra de ordem é a do livre comércio. Há uma profunda incoerência entre as propostas de livre comércio dos europeus e o protecionismo que praticam. Em discurso, o presidente Fernando Henrique Cardoso chamou este fenômeno de assimetria de procedimento, palavra que pegou e foi profusamente repetida na reunião. Houve manifestação de bons propósitos em corrigir estas desigualdades e até marcou-se uma data para tentar isto.
Os dois principais blocos econômicos continentais, responsáveis pelo maior volume de comércio entre os participantes da Cimeira, o Mercosul e a União Européia, constituíram o centro das negociações. Seus líderes examinaram suas limitações para chegarem a uma pretendida política de livre comércio. Houve a constatação de deficiências de ambos lados. Por fim houve o reconhecimento de algumas deficiências de um lado e as confissões de “mea culpa” do outro. Combinaram nova reunião em Bruxelas, em novembro próximo, com promessas de eliminar as barreiras. Segundo os cálculos brasileiros, eliminadas estas barreiras, o volume de nossas exportações para a União Européia poderá crescer de US$ 5 bilhões por ano, com reflexos positivos para todo o restante da América Latina e Caribe de mais US$ 2,5 milhões.
A Declaração de Rio foi uma ampla manifestação de intenções de entendimento internacional abrangendo setores diversos, de direitos humanos, ecologia, política de investimentos financeiros, armas, justiça, narcotráfico etc. Boas intenções não faltaram.
Entre os personagens que mais se destacaram pela validez de suas propostas, não podemos deixar de apontar o nosso presidente Fernando Henrique Cardoso, os primeiro-ministros Chirac, da França, Shroeder, da Alemanha, os presidentes Menem, da Argentina, e Chavez da Venezuela. O ditador cubano Fidel Castro circulou pela reunião sem nada apresentar de valor, mas sempre acompanhado por sua exagerada segurança e aplaudido por sua costumeira claque ideológica e de inocentes úteis.
Por fim, como em todas as reuniões internacionais deste gênero, predominaram as boas intenções. Os resultados, esperamos, virão devagar, pois houve aparente sinceridade de propósitos.
Carlos de Meira Mattos
General reformado do Exército e conselheiro da Escola Superior de Guerra (ESG).