Classificar facções como terroristas pode expor Brasil à intervenção dos EUA

Projeto de lei será analisado nesta terça-feira, 04 de novembro, na CCJ da Câmara e reacende debate sobre influência norte-americana na América Latina

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protesto contra os EUA em brasília

A proposta que pretende equiparar facções criminosas ao terrorismo reacendeu o debate sobre os riscos geopolíticos dessa medida e o possível impacto na soberania brasileira. Especialistas em relações internacionais, segurança pública e direito alertam que o Brasil pode se expor a intervenções dos Estados Unidos (EUA) caso adote esse enquadramento.

O Projeto de Lei (PL) 1.283/2025, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, ganhou força após a megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro na semana passada (28). A proposta equipara o crime organizado à prática do terrorismo, o que, segundo analistas, confunde dois fenômenos distintos.

O jurista e professor de direito Walter Maierovitch explicou que é fundamental distinguir entre “terrorismo” e “método terrorista”.

As pessoas não técnicas fazem confusão em distinguir terrorismo com método terrorista. Por exemplo, um vizinho, depois de desavença, joga uma bomba na casa do litigante. Isso é método terrorista e não terrorismo. No direito internacional, a distinção é feita e existe a Convenção das Nações Unidas que contempla o crime organizado

afirmou.

Como o PL 1.283/2025 pode abrir caminho para intervenção dos EUA no Brasil

Para a professora Rashmi Singh, coordenadora do núcleo de estudos de terrorismo e crime transnacional da PUC Minas, classificar grupos criminosos como terroristas abre brecha para a atuação militar dos EUA sob o argumento do combate ao “narcoterrorismo”.

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“Isso resultou não apenas na invasão ilegal do Iraque em 2003 […] mas também no surgimento de centros de detenção secretos e prisões sem julgamento e, em muitos casos, sem provas”, destacou Singh, em entrevista à Agência Brasil.

A pesquisadora afirmou que medidas semelhantes legitimaram ações norte-americanas no Oriente Médio e no Caribe, e que agora vêm sendo reproduzidas na América Latina. Segundo ela, “a discussão desse tema no Brasil revela a influência dos EUA no ‘seu quintal’”, já que o país estaria internalizando políticas do governo Donald Trump.

O governo norte-americano vem ampliando o uso do termo “narcoterrorismo” para justificar operações militares na região. “Governos alinhados ideologicamente com Trump vêm fazendo movimentos para autorizar a implantação de bases dos EUA e a atuação direta de forças especiais, como no Peru, no Equador e na Argentina”, escreveu o pesquisador Alberto Kopittke, em artigo publicado pela organização Washington Brazil Office (WBO).

Reações na América Latina

A ofensiva dos EUA encontrou apoio em governos aliados. No mesmo dia da operação policial no Rio, o governo argentino de Javier Milei anunciou que passaria a classificar facções brasileiras como organizações terroristas. Kopittke, que também foi diretor da Secretaria Nacional de Segurança Pública, alerta que o Brasil precisa “bloquear o movimento geopolítico que utiliza esse grave problema para outros interesses”.

O governo brasileiro, por sua vez, aposta em medidas internas, como a PEC da Segurança Pública e o Projeto de Lei Antifacção, que endurecem penas e buscam maior integração entre as forças de segurança.

Facções criminosas vs terrorismo: qual a diferença?

Rashmi Singh reforçou que há diferenças fundamentais entre terrorismo e crime organizado. “Criminosos são motivados principalmente por lucros, enquanto terroristas são, em última análise, movidos por objetivos políticos”, explicou. Para ela, confundir essas categorias pode gerar respostas equivocadas e até agravar a violência.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, também defendeu essa separação. “O terrorismo envolve sempre uma questão ideológica […]. As facções criminosas são constituídas por grupos que sistematicamente praticam crimes capitulados no Código Penal”, disse após reunião com o governador do Rio, Cláudio Castro.

Castro, no entanto, vem se referindo às organizações criminosas como “narcoterroristas”. Após a operação policial no Rio que resultou em 121 mortes, veículos como CNN Brasil e O Globo noticiaram que o governo estadual teria enviado um relatório ao governo Trump descrevendo as ações das facções e pedindo apoio internacional — o que, segundo a Constituição, seria competência exclusiva da União. O governo fluminense não confirmou a informação.

Pressão política e contexto regional

Desde o início de 2025, os EUA intensificaram o uso de sanções e o enquadramento de grupos latino-americanos como terroristas. Uma ordem executiva assinada por Donald Trump em janeiro classificou cartéis de drogas como organizações terroristas globais, abrindo caminho para ações militares diretas.

Em maio, o governo norte-americano questionou o Brasil sobre a possibilidade de aplicar a mesma classificação a grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). A Câmara dos Deputados aprovou, no mesmo mês, a urgência para tramitação do PL 1.283/2025.

A proposta, que pode ser votada ainda nesta terça-feira (4), divide especialistas e políticos. Enquanto setores do governo defendem o endurecimento das leis contra o crime organizado, analistas alertam para o risco de o Brasil se alinhar a uma política externa intervencionista, com potenciais repercussões na soberania nacional.

Fonte: Agência Brasil

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