A rescisão de um contrato é uma decisão significativa nas relações contratuais, normalmente tomada após uma análise cuidadosa das circunstâncias que envolvem o acordo.
No direito brasileiro, os artigos 473 e 474 do Código Civil estabelecem diretrizes claras sobre a rescisão e o papel das cláusulas resolutivas expressas. Nesse cenário, a discussão sobre a possibilidade de “desistir da desistência” contratual levanta questões fundamentais sobre a estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas.
De acordo com o que estabelece o artigo 473 do Código Civil, é permitido que qualquer das partes resolva o contrato por motivo de inexecução voluntária, inadimplemento ou outro motivo que tenha sido expressamente declarado no contrato, desde que comunicado à outra parte, caso a legislação assim não dispense. O artigo 474 do Código Civil, por sua vez, complementa o anterior, especificando que a cláusula resolutiva expressa atribui o efeito imediato de rescisão do contrato, sem a necessidade de ação judicial, desde que a notificação à outra parte seja devidamente realizada.
A combinação desses artigos estabelece que, uma vez notificada a rescisão com base em uma cláusula resolutiva expressa, a decisão de rescindir o contrato opera de pleno direito. A irrevogabilidade dessa decisão se justifica pela necessidade de garantir certeza e segurança jurídica, protegendo ambas as partes de eventuais incertezas que poderiam surgir caso fosse permitida a retratação de uma rescisão já comunicada.
Esse foi o tema de uma recente demanda judicial na qual o contratante notificou formalmente sua intenção de rescindir o contrato com a contratada. Posteriormente, emitiu nova notificação, desta vez desistindo da rescisão anteriormente comunicada, o que resultou em um desequilíbrio na relação entre as partes.
Diante disso, observa-se que, a exemplo do que ocorreu no caso concreto, permitir a desistência de uma rescisão notificada tem o potencial de violar os princípios fundamentais da boa-fé contratual e previsibilidade, pilares das relações contratuais. Isso poderia comprometer a dinâmica contratual e incentivar comportamentos oportunistas, nos quais uma das partes tenta se beneficiar de uma rescisão anunciada, apenas para revertê-la conforme conveniências momentâneas, inclusive em razão de eventuais multas contratuais.
O Superior Tribunal de Justiça tem desempenhado um papel crucial na interpretação das rescisões contratuais, destacando a importância de coibir o abuso de direito e preservar a justiça e o equilíbrio nas relações entre as partes.
A jurisprudência do STJ serve como um lembrete vital de que o exercício de direitos contratuais deve ser limitado pela necessidade de evitar práticas abusivas, reforçando a responsabilidade e a boa-fé no processo de desfazimento contratual. Portanto, a resilição unilateral, embora legítima, deve ser realizada de forma cuidadosa e com a observância de todas as condições pactuadas, garantindo a proteção dos interesses de ambas as partes.
Nesse compasso, é possível concluir que, do ponto de vista prático e técnico, a impossibilidade de desistir de uma desistência contratual, uma vez exercida de acordo com uma cláusula resolutiva expressa, é essencial para manter a ordem e a eficiência nas transações comerciais e pessoais. Essa abordagem evita litígios desnecessários e promove a resolução de conflitos de forma mais direta e transparente.
Fernanda Pontes, advogada do Bhering Cabral Advogados