Cognição: ilusões e o saber que interessa para dominação de um poder

Cognição, religião, poder e manipulação ideológica no Brasil e no mundo, com foco na Petrobras e mídia.

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Ato em defesa das estatais no Rio de Janeiro
Trabalhadores, centrais sindicais e movimentos sociais fazem ato pelos 70 anos da Petrobras, em frente ao edifício sede da empresa, no Centro (foto de Fernando Frazão, ABr)

Um contexto para leitura: Mircea Eliade (1907-1986), romeno, cientista e filósofo das religiões, deixou-nos, no fundamental estudo sobre o “espírito humano”, A História das Religiões (1969, 1985), que usaremos na tradução da edição francesa (1976) por Roberto Cortes de Lacerda para Zahar Editores (RJ, 1978). Lá se encontra:

É graças à postura vertical que o espaço é organizado numa estrutura inacessível aos pré-hominíadas.

Essa experiência do espaço orientado em torno de um “centro” explica a importância das divisões e repartições exemplares dos territórios, das aglomerações e das habitações, e o seu simbolismo cosmológico.

Mas houve outras condições. Aqueles australopitecos surgidos na depressão de Afar (África Oriental) tinham um cérebro três vezes mais pesados do que outros mamíferos. Hoje, seus descendentes, Homo sapiens do século 21, apresentam cérebros de volume muito superior ao daqueles outros mamíferos. O que significa um consumo de energia igualmente superior, representado pelo tempo na busca de comida e pela atrofia de outros músculos.

“Um chimpanzé não pode ganhar uma discussão com um Homo sapiens, mas pode parti-lo ao meio como uma boneca de pano” (Yuval Noah Harari, Sapiens, tradução de Janaína Marcoantonio para L&PM Editores, Porto Alegre, 2015).

À margem do saber oficial, surgem os Ensaios de tectologia (1913), de Aleksander Aleksandrovitch Malinovsky (1873-1928), que adotou o pseudônimo de Aleksander Bogdanov, onde se encontra: “Embora essa ciência não existisse até agora, seu ponto de vista fundamental nasceu já nos primeiros passos da vida da humanidade, juntamente ao início do discurso e do pensamento” (A. Bogdanov, Ensaios de Tectologia, A Ciência Geral da Organização, tradução de Jair Diniz Miguel para Editora Machado, RJ, 2024).

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Bogdanov lutou pelo bolchevismo, mas discordava de Lenine, o que resultou no desconhecimento de suas avançadas ideias por 80 anos. Porém que não se incrimine somente os comunistas. O Ocidente liberal também o encobriu até o século 21.

No século atual, em pouco mais de 20 anos, a República Popular da China (China), que passara por diversas mudanças nos últimos 30 anos dos 1900, inclusive por insistir no superado (sic) modelo do Estado Nacional, surge, não apenas uma das três maiores potências da Terra, como aquela que atingiu novo estágio civilizatório. E foi buscar no mais remoto pensamento, de 500 anos antes da Era Cristã, em Confúcio e Lao Zi, junto ao de Mao Tsé-Tung (1893-1976) e do capitalismo neoliberal (Deng Xiaoping, 1904-1997), as bases da reconstrução do seu País.

Em Os Analectos e no Tao Te Ching, além das preocupações políticas e militares, encontram-se uma cosmologia e uma filosofia de vida e para a ciência. Tanto que não havia, na tradição do saber chinês, diferenças do governo da pessoa daquele para a sociedade. “Quando um homem com cargo oficial descobre que pode fazer mais do que dar conta de seus deveres, então ele estuda; quando um estudante descobre que ele pode dar conta de seus estudos, então ele aceita um cargo oficial” (Confúcio, Os Analectos, Livro XIX. 13).


Das ilusões

Antônio da Silva Mello (1886-1973) foi médico, professor, ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), fundador e diretor (1944-1973) da Revista Brasileira de Medicina que, por artigos inéditos e traduções, atualizou o conhecimento científico por todos recantos do Brasil. Escreveu O Homem – Sua Vida, Sua Educação, Sua Felicidade (1945), obra em três volumes, onde se lê, na 3ª edição (1948), 3º volume: “Freud admite que a religião é uma ilusão que está marchando para o seu fim, mas que isso não representa perigo algum para civilização, porque o homem culto pode viver decentemente dentro da realidade, alheio a qualquer misticismo religioso”.

E prossegue o professor Silva Mello:

Freud considera a religião como uma nevrose infantil, ainda consequência de uma fase de evolução que precisa ser vencida. Não acredita que os nossos avoengos pobres, ignorantes e nada livres tivessem podido resolver o grave enigma do mundo. E julga ser essa a razão pela qual as discussões religiosas têm sido proibidas pela Igreja, sendo ainda hoje mal vistas. E isso deve demonstrar antes a sua insegurança, porque, do contrário, a tendência seria para aceitar a discussão, da qual deveria nascer a verdade. Freud conclui que ignorância é ignorância e que da ignorância não pode derivar obrigação alguma, capaz de nos fazer acreditar em qualquer coisa. A argumentação parece lógica, embora pela ignorância não adquiramos também o direito de deixar de acreditar em determinada coisa. Postula, então, que necessitamos adaptar-nos à realidade, deixando, afinal, de ser crianças. E pergunta, para que um latifúndio na Lua, se ele não dá renda?

A. da Silva Mello, O Homem, Livraria José Olympio Editora, RJ e SP, 1948, 3 volumes, 3ª edição

Santo Ambrósio (século 4 d.C.) considerava a propriedade privada como filha do pecado e defendia a tese dos estóicos: a natureza dá tudo em comum para todos. Deus criou os bens da Terra para os homens os gozarem em comum, para que sejam propriedade comum de todos.

Confúcio não fundou religião, mas desenvolveu um pensamento orientador da vida, foi severo para consigo mesmo, desejou melhorar os homens para melhorar o mundo.

Maomé pregou a fraternidade e a igualdade entre os homens perante Deus. Deu aos árabes uma religião cheia de fé e ritos, porém teve vida pouco edificante, o que, pelos defeitos, aproximou-o dos homens, e cuja tolerância ampliou o alcance do islamismo.

O cristianismo passou a ser uma opção política, com proposta econômica e social, afastando-se do comunismo dos primeiros cristãos e de santos como João Crisóstomo e Ambrósio.

Buda (Sidarta Gautama, século 6 a.C.) foi um pensador e deu na sua própria vida o exemplo de desapego e da busca pela iluminação da consciência. Para ele não existiam intermediários entre um eventual ser superior e as pessoas. Não deixou uma religião, embora o budismo assim seja considerado e esteja estatisticamente entre as de maior número de seguidores.

As religiões cristãs, que dominaram o Ocidente, foram também grandes incentivadoras de guerras e atrocidades. Hoje é uma religião, o judaísmo, que massacra e pratica o genocídio do povo palestino e árabe, para ampliar o espaço territorial de um estado confessional, o Estado de Israel, nas áreas do Oriente Médio.


O impositivo saber que interessa ao poder

O Poder que efetivamente decide o que ocorre nas áreas sob seu domínio nem sempre gosta de se mostrar a frente da administração. Aliás, o mais frequente é vermos uma governança mantida e impulsionada por um poder oculto, que até se desconhece a existência, como atualmente a dos “gestores de ativos”.

O petróleo é a energia primária que atende 85% da demanda mundial. Deter o controle da produção e do preço do petróleo é fundamental para o ideário político e ideológico que se pretenda único, potência unipolar. Das dez maiores empresas de petróleo mundiais, cinco (Exxon Mobil, Chevron, Shell, TotalEnergies, BP) têm seus controles acionários pelas maiores “gestoras de ativos” do mundo, que também controlam diversos outros setores da economia. São elas: BlackRock, Vanguard, State Street, Berkshire Hathaway, Fidelity, Norges Bank e Goldman Sachs.

Fora desse controle se encontram as estatais integrais ou majoritariamente nas mãos do Estado: SaudiAranco, da Arábia Saudita, as Gazprom e Rosneft russas, a Equinor norueguesa, e a Petrochina, da República Popular da China (China).

No entanto, há entre as grandes empresas de petróleo, um caso notável de simulação, bem ao estilo de fortes poderes, a comunicação de massa atribui-lhe o status de estatal enquanto sua governança é privada e das finanças apátridas: a Petrobrás.

O matemático, economista, criador da Petrobrás Distribuidora – BR, competentíssimo administrador Sylvio Massa de Campos (1938) escreveu A Desconstrução da Petrobrás (Altadena Editora, RJ), onde se encontra o artigo de julho de 2004, “The New Petrobrás”. Neste artigo, Sylvio Massa rememora a Lei 947/1997, que, na realidade, transferiu 70% do capital da Petrobrás para investidores privados nacionais e estrangeiros, propondo até a mudança do nome da empresa, criada em 1954 por Getúlio Vargas, para Petrobrax, mais ao gosto de sua descaracterização de empresa brasileira.

Em fevereiro de 2024, o Governo Brasileiro possuía 28,67% do capital da Petrobrás, agora sem o acento agudo da oxítona: Petrobras. Este percentual atinge 38,67%, adicionando-lhe 5% do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros 5% do Fundo Soberano do Brasil. Esta situação se comprova no Conselho de Administração da Companhia onde, sem distinção, todos acionistas votam para sua composição. E as decisões quase sempre interessam aos capitais privados, veja-se a respeito a distribuição de dividendos, até quando o resultado contábil indica prejuízo no exercício.

Em excelente análise sobre o “regime narrativo e lugar do simbólico em Dom Casmurro”, Antônio Sérgio Mendonça (Teoria da Comunicação, Revista de Cultura Vozes, Ano 65, Novembro 1971, Volume LXV, Número 9) discorre sobre o capítulo XII (“Na Varanda”), desta célebre obra de Machado de Assis.

Seguem trechos selecionados do capítulo referido da Obra Completa de Machado de Assis, volume I, Editora Nova Aguilar (RJ, 1985):

“Parei na varanda; ia tonto, atordoado, as pernas bambas, o coração parecendo querer sair-me pela boca afora. Não me atrevia a descer à chácara, e passar ao quintal vizinho.”
“Vozes confusas repetiam o discurso do José Dias:”
“Sempre juntos …”
“Em segredinhos …”
“Se eles pegam de namoro …”
“Tudo isto me era agora apresentado pela boca de José Dias, que me denunciara a mim mesmo”.
“Eu amava Capitu! Capitu amava-me!”.
“E as minhas pernas andavam, desandavam, estacavam, trêmulas e crentes de abarcar o mundo”.
“Esse primeiro palpitar da seiva, essa revelação da consciência a si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que lhe fosse comparável qualquer outra sensação da mesma espécie”.

Só um gênio da palavra escreveria esta comunicação que, politicamente, poder-se-ia interpretar como “a falta de memória histórica é o melancólico sinal de um povo idiotizado”.

Nas formas, diversidades, intensidades, em palavras, nos textos e imagens, diretos ou simbólicos, faz-se com que se entranhem na sua cognição individualizada as condições desejadas para que o poder lhe faça um verdadeiro fantoche dos seus interesses, conscientemente ou, preferencialmente, sem os entender.

Quantos brasileiros afirmariam, sem estar repetindo um slogan ou uma palavra de ordem, que a Petrobrás já não é uma empresa nacional, que não atua mais no interesse do povo brasileiro e do Estado Nacional brasileiro?

Na quarta-feira, 26/3/2025, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, acolheu a denúncia do procurador-geral da República (PGR), contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete parceiros nos crimes de golpe de Estado e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, passando todos a réus de processo penal. Este assunto ocupou grande parte das redes de televisão, abertas e pagas, no Brasil.

Foi também motivo de análise em noticiários das redes de televisão e em jornais. Imensa visualização obteve assim Jair Bolsonaro que, com pretexto de ouvir as partes, esteve também nas redes de televisão e noticiários. Para qualquer político, ocupar com sua imagem e palavra tanto tempo, em horário nobre, a atenção dos eleitores, é verdadeiro prêmio, ou, aos que se filiam às ilusões, bênçãos divinas.

Por que não foi ressaltada esta condição favorável a Bolsonaro? Porque, para o poder financeiro que domina o Brasil, a disputa Lula vs Bolsonaro, seus partidos e parceiros, só lhe traz vantagem.

Vive-se, no Brasil, o domínio da comunicação que traduz o interesse do poder neoliberal financeiro, exceto pelas poucas, quase nenhuma exceção, que apenas confirmam a regra.

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