Colaboração premiada no Caso Americanas: as lições da Governança Corporativa que a Companhia insiste em não aprender

Por Rodrigo Carlos Ferreira

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Lojas Americanas (Foto: Tânia Rego/ABr)
Lojas Americanas (Foto: Tânia Rego/ABr)

A imprensa noticiou os benefícios recebidos por ex-Diretores das Americanas decorrente do seu Programa de Incentivo à Colaboração (PIC), que garantiu benefícios a dois delatores no caso de supostas fraudes contábeis que abalaram a empresa. O pacote, que incluiu dez anos de salário, mensalidades escolares e planos de saúde, levantou sérias questões sobre governança corporativa e a transparência no processo decisório, especialmente ao permanecer sigiloso, tendo vindo a público apenas pela intervenção da mídia.

Apesar de ser visto como necessário para a reconstituição dos balanços da empresa, o sigilo e os generosos benefícios oferecidos aos delatores contrastam com a transparência exigida por boas práticas de governança. A falta de divulgação pública da ata de aprovação desse acordo reforça a sensação de falta de supervisão, colocando a gestão da própria crise em xeque. Ela desafia, aliás, a decisão da B3, tomada em novembro de 2023, que responsabiliza conselheiros de administração e o comitê de auditoria pelas fraudes, além da própria Companhia.

Tal decisão foi um marco de governança no Brasil. A autorregulação rejeitou a defesa da empresa de que os administradores eram vítimas e focou na omissão destes conselheiros e na própria responsabilidade da corporação pelas informações que forneceu ao mercado. O fato de as fraudes terem ocorrido ao longo de quase duas décadas, sem intervenção adequada, evidencia a falha grave em gestão de Governança, de Riscos e de Compliance. O PIC, enquanto política de incentivo à delação, levanta uma polêmica adicional porque, novamente, os atuais Conselheiros não parecem ter se importado em divulgá-lo adequadamente.

Casos internacionais, como o da Enron e o escândalo da Volkswagen, no qual executivos de alto escalão enfrentaram consequências severas, mostram que a responsabilização clara dos envolvidos é fundamental para restaurar a confiança do mercado. E que os incentivos para tal, devem, igualmente, serem pautados por ética e clareza.

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O próprio Instituto Empresa, instituição que promove a Governança Corporativa e defende investidores, reconheceu que a delação é uma ferramenta que pode ser útil no esclarecimento dos fatos escabrosos que ocorreram. Mas, mais uma vez, as Americanas perderam a oportunidade de honrar os fundamentos mais importantes da Governança Corporativa. O acordo deveria ter sido publicizado e comunicado ao mercado, inclusive para que não sofresse a desconfiança de ter surgido apenas e exclusivamente para sustentar a tese que a Companhia e os controladores são irresponsáveis por todos os anos de desmando, concentrando a responsabilidade em duas ou três pessoas, submetidas a uma densa hierarquia que, agora, desaparece.

Em um modelo de governança eficaz – que as Americanas já deveriam ter implantado – tudo precisava ter sido celebrado à luz descontaminante do sol. A B3 destacou corretamente que a omissão dos conselheiros, combinada com falhas na auditoria, contribuiu diretamente para o colapso financeiro da empresa. Agora, novamente, o atual Conselho de Administração torna a pecar. O silêncio da Americanas sobre os detalhes do PIC só reforça a percepção continuada de falta de accountability, retirando a confiança na Companhia e remetendo a questão às páginas dos jornais.

Parece importante referir que a Companhia que sofreu fraudes sistêmicas por décadas sem que ninguém percebesse, fez um pacto com o silêncio e o segredo. Assim o foi em relação ao relatório do Comitê de Investigação das “inconsistências contábeis”. Apenas headlines foram divulgadas.

A questão central aqui, sob a ótica de governança, é que a crise na Americanas não se limita a erros pontuais de executivos ou de diretores; ela representa um fracasso sistêmico no controle interno e na supervisão. A prática de recompensar delatores com pacotes de remuneração milionários, sem o devido esclarecimento ao mercado, parece, no mínimo, contradizer os princípios de transparência e ética que deveriam guiar a recuperação da confiança.

Em conclusão, a decisão da B3 foi um marco positivo no sentido de impor consequências claras à má-governança, alcançando aos Conselheiros por sua ação ou omissão durante as fraudes. Agora, contudo, o sigilo em torno do PIC parece renovar o descuido destes entes importantes da corporação. Uma verdadeira cultura de compliance exige que estes processos sejam transparentes. As Americanas, em suma, parecem não ter aprendido a lição e renovam sua pouca adesão às práticas efetivas de Governança Corporativa.

Rodrigo Carlos Ferreira, é Conselheiro de Administração, Pós-graduado em Auditoria, Controladoria e Compliance, Professor e Consultor de Auditoria. Ele atua nas iniciativas de Governança Corporativa do Instituto Empresa

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