Combate à violência contra a mulher exige compromisso, consciência e coerência

O combate à violência contra a mulher exige compromisso, ação coletiva e rigor na aplicação das leis. Por Caio dos Santos.

333
Violência contra mulheres (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
Violência contra mulheres (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

No último dia 10 de outubro, celebramos o Dia Nacional da Luta Contra a Violência à Mulher, uma data muito singular e importante no tocante à proteção e ao dever diário que todos devemos ter em relação a qualquer tipo de violação às mulheres, como agressões, assédios (morais, éticos, psicológicos e sexuais) e, ainda mais, contra o feminicídio.

É inadmissível, espantoso e triste observar os números alarmantes desse tipo de violência em nosso país. Precisamos, enquanto sociedade, pensar seriamente sobre como mudar este cenário de forma urgente. Para se ter ideia, é bem provável que ao término desta leitura, uma mulher tenha sido agredida. Isso é o que nos mostra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que apontou que, em 2022, 1,3 milhão de mulheres sofreram casos de violência, que incluem agressões físicas, psicológicas e feminicídios. Ou seja, mais de três mil casos diários, 148 por hora. Um disparate para a nossa sociedade. Há, entretanto, um grande dilema nesta realidade, uma vez que a situação pode ser ainda mais grave: supõe-se haver um grande índice de subnotificação, por conta do medo de represálias ainda piores que rondam essas vidas.

Outro estudo da FBSP, do ano passado, apresenta também outra triste realidade. Mesmo com leis mais duras, os agressores continuam a praticar esses crimes. Desde 2015, quando passou a vigorar a Lei do Feminicídio, até 2023, foram registrados 10.655 assassinatos contra a população feminina de modo violento. Pior: no ano passado, houve um recorde de casos (1.463). Isso quer dizer que uma mulher é morta no Brasil para cada grupo de 100 mil habitantes. Uma derrota vil para a segurança pública. E isso normalmente começa com um empurrão, com um tapa, com uma agressão, o que impõe a repulsa do corpo social a qualquer sinal de violência, prenúncio de tragédias maiores.

O combate a tais violências passa pela responsabilidade coletiva de todos os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Passa também pelo cumprimento rigoroso das leis já existentes para o agressor. Passa, sobretudo, por consciência e coerência coletiva. Frisa-se esta coerência, já que não basta apenas ser contra a violência; é preciso também ser contra aquelas pessoas que a praticam e as que, de certo modo, defendem ou minimizam o ato do agressor. O exemplo tem de partir de todos. Essa é uma responsabilidade individual de cada um de nós. Podemos e devemos também cobrar de entidades como a OAB e o Ministério Público maior fiscalização e acompanhamento de casos similares, para que haja uma pressão maior do âmbito social. A OAB-SP, por exemplo, atua em várias frentes que visam garantir tanto a proteção da advocacia feminina de todo o Estado quanto medidas punitivas contra os agressores. Entre as iniciativas estão a criação de um canal de denúncias e a Ouvidoria das Mulheres Advogadas, além de ações e campanhas promovidas pela Secional, como a “Advocacia sem Assédio”.

Espaço Publicitáriocnseg

Quando fui presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB-SP), criei uma série de mecanismos de defesa às advogadas e estagiárias vítimas de violência doméstica. Entendemos que um dos fatores que mais favorecem o agressor é o controle financeiro que ele tem sobre a parceira, de modo que ela, por medo e também por dificuldades financeiras, prefere não se separar do agressor. Tendo isso em mente, desenvolvemos uma pensão para aquelas que passavam por situações de risco, de forma que elas pudessem se desprender do agressor, estando amparadas economicamente. Este foi um instrumento que criamos para ajudá-las a superar esse momento difícil no âmbito particular de suas histórias.

Vale reforçar que estudos mostram que a maioria dos casos de violência doméstica contra a mulher ocorre dentro de casa. Estima-se que aproximadamente 70% delas, quando são vítimas de assassinato, conheciam seu algoz e, insista-se, quase sempre há um histórico de agressões, uma prática constante de covardias, até culminar na covardia suprema que é o feminicídio.

Isso precisa, imediatamente, ser sanado. Não é admissível convivermos com esses números alarmantes e tenebrosos que revelam uma sociedade descompassada quanto aos critérios de respeito e justiça vigentes. E, reforço, penas mais duras, sim, são necessárias; a consciência coletiva e social, neste combate, é essencial; o discurso daqueles que dizem se comprometer com a causa tem de estar mais em evidência.

Imagine só: de que adianta uma empresa ou uma entidade de classe se posicionar a favor da causa feminista e ter em seus quadros diretivos alguém que se presta à violência doméstica? Isso não faz o menor sentido para mim e, acredito, não deve fazer para ninguém.

Apenas juntos, somando forças, combatendo de verdade toda e qualquer violência contra as mulheres é que conseguiremos reduzir esses números e, quem sabe, um dia teremos uma sociedade em que todos os cidadãos – principalmente as mulheres – possam transitar, viver e trabalhar como merecem: com respeito e dignidade intactos.

Caio Augusto Silva dos Santos é advogado há mais de 24 anos, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB-SP), e mestre em Direito Constitucional.

Siga o canal \"Monitor Mercantil\" no WhatsApp:cnseg

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui