Conversamos com Marcos Buscaglia, economista e escritor argentino, sobre a economia argentina no primeiro ano de governo de Javier Milei, que assumiu a presidência no dia 10/12/2023.
Quais são os principais aspectos da condução econômica do governo Milei?
Em termos macroeconômicos, o núcleo do programa econômico de Milei é o superávit fiscal primário. Por exemplo, em 2023, o déficit primário, sem o pagamento de juros, foi de 2,5%, sendo que neste ano o resultado já passou a ser um superávit de 1,5%. Esse resultado está sendo alcançado através de uma redução do gasto público. No futuro, é possível que tenhamos uma redução de impostos. Em termos microeconômicos, o foco é a desregulamentação e a desburocratização da economia. Com isso, o governo de Milei vai trabalhando na eliminação das fontes de instabilidade da economia argentina.
O que está sendo feito no combate a inflação?
O ajuste fiscal é o que permite baixar a inflação, mas, além disso, nós temos o que os economistas chamam de âncora cambial (ancla cambiaria), que é a utilização do câmbio como uma âncora anti-inflacionária. No início do seu governo, Milei fez uma desvalorização cambial muito forte, e a partir daí o câmbio oficial passou a se mover 2% ao mês. Em uma economia muito dolarizada, uma âncora cambial ajuda a desinflar a economia.
Como o emprego está respondendo?
Inicialmente, o emprego caiu, mas os últimos dados indicam uma estabilidade. O salário, que inicialmente teve uma queda muito forte, agora está crescendo acima da inflação.
Como deve ser analisado o comportamento do PIB durante o governo de Milei?
Inicialmente, o PIB caiu muito forte. Sendo mais preciso, o PIB começou a cair em ago/2023, ainda durante o governo de Alberto Fernandez. De ago/2023 a abr/2024, a economia argentina caiu cerca de 7%. Anualizado, isso dá uma queda de 10%, o que é uma recessão brutal. A partir de abr/2024, o PIB passou a se estabilizar, sendo que o setor que liderou a estabilização foi a Agropecuária. Neste ano, nós tivemos fortes chuvas e as colheitas dos principais cultivos, como o milho, subiram fortemente em relação ao ano passado. Como a colheita desses cultivos é feita no segundo trimestre, isso impactou positivamente o PIB do 2T24. No 3T24, nós vimos um crescimento. Em julho e em parte de agosto, esse crescimento foi mais forte. Em setembro, nós tivemos uma pequena caída, e em outubro, os dados são mistos.
Como estão as perspectivas econômicas para os próximos anos?
Para 2025, se está esperando um crescimento da economia argentina entre 4% e 5%. Isso porque o impulso fiscal negativo e a desvalorização cambial não estarão presentes no próximo ano. Somado a isso, devemos ter um aumento de investimentos. Para os anos seguintes, tudo depende da continuidade do processo de reformas. Para isso, será necessário que a população apoie esse processo nas eleições intermediárias de out/2026, quando metade da Câmara dos Deputados e 1/3 do Senado serão renovados. Se as reformas continuarem, a economia argentina pode seguir crescendo com taxas elevadas nos anos seguintes.
Como está o sentimento da população com relação ao governo de Milei?
Para o nível de ajuste que teve a economia, Milei está conservando um apoio muito importante. Com base nos últimos dados disponíveis, nov/2024, a sua popularidade é maior que a popularidade de Mauricio Macri, Cristina Kirchner e outros presidentes com 11 meses de governo.
Como está a relação de Milei com o Congresso argentino? Como ele está colocando em prática as reformas?
A única lei importante que Milei conseguiu aprovar foi a Lei de Bases. Em todo o restante, o que ele fez, como dizem os americanos, foi “play defense” (jogar na defesa) para que as reformas não fossem bloqueadas. Para isso, ele governou em parte por decretos, que são como as medidas provisórias no Brasil. Aqui, os decretos possuem aprovação tácita, e não explícita, ou seja, se o decreto não tem votação contrária em ambas casas, Câmara e Senado, ele se converte em lei.
Na Câmara dos Deputados, Milei conseguiu organizar uma base com 1/3 dos deputados que impede a derrubada de vetos a leis aprovadas pelo Congresso que criam gastos.
Como a Argentina tinha vários câmbios, como ficou essa questão?
Os câmbios paralelos foram bastante reduzidos, o que fez com que a situação melhorasse. Contudo, nós temos um monte de regulações, chamados de controles cambiais, que o governo ainda não eliminou. Isso está pendente.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Milei está introduzindo uma nova visão sobre a forma de encarar as reformas econômicas. Por enquanto, ele está tendo bons resultados.
Dados importantes:
Inflação: a inflação de out/2024, último dado divulgado, ficou em 2,7%. Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada está em 107%, sendo que a inflação esperada para os próximos 12 meses está em 29,4%. Em dez/2023, quando Milei assumiu a presidência da Argentina (10/12/2023), a inflação mensal havia sido de 25,5%. Desde então, ela foi sendo reduzida até chegar ao patamar registrado em outubro.
Taxa de Política Monetária: desde o início do Governo de Milei, a taxa foi reduzida de 133% para 32%.
PIB: depois de um comportamento errático em 2023, último ano do Governo de Alberto Fernandez, quando o Produto Interno Bruto registrou 1,5% no 1T23; -2,9% no 2T23; 2,2% no 3T23, e -2,3% no 4T23, a Argentina apresentou duas quedas nos dois primeiros trimestres de 2024, já no governo de Milei: 1T24, -2,2%, e 2T24, -1,7%.
O Estimador mensal de atividade econômica do Indec, Instituto Nacional de Estadísticas e Censos, registrou uma alta de 2,7% em julho, 0,9% em agosto, e uma ligeira queda de -0,3% em setembro. O PIB do 3T24 será divulgado no dia 16 de dezembro.
Emprego: a taxa de ocupação da Argentina registrou 48,2% no 3T23, 48,6% no 4T23, 48% no 1T24, e 48,5% no 2T24. Com relação ao desemprego, a taxa registrou um aumento no Governo de Milei. Enquanto no 3T23 e no 4T23 ela havia sido de 5,7% nos dois trimestres, no 1T24 e no 2T24 ela passou para 7,7% e 7,6%, respectivamente.
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