Como se calcula o valor de uma SAF?

Segundo Amir Somoggi, o modelo do Bayern de Munique, que ficou conhecido como 50% + 1, poderia ser muito interessante para os clubes brasileiros, com empresas como acionistas minoritários

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Amir Somoggi (foto Sports Value)
Amir Somoggi (foto Sports Value)

Conversamos com Amir Somoggi, diretor da Sports Value, sobre a forma como se calcula o valor de uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol). Amir é responsável pelo estudo Avaliação Econômica dos Clubes Brasileiros 2024, valuation dos top 30 clubes do Brasil, que está na sua 5ª edição. 

No estudo “Avaliação Econômica dos Clubes Brasileiros 2024”, você deixa claro que o valuation de cada clube é a soma do (ativo circulante + imobilizado) + valor da marca + (jogadores – ativos intangíveis) + (direitos – registros – Federação e CBF). A minha pergunta é: como se calcula cada uma dessas variáveis?

Um valuation, diferentemente de um ranking de receita ou de dívida, não reflete, única e exclusivamente, um ano, já que ele procura entender mais a gestão do clube do que, efetivamente, um bom momento.

Dessa forma, para que possamos calcular um valuation, nós analisamos o ativo circulante, ou seja, se o clube tem dinheiro depositado em bancos, já que quando um clube é vendido, o comprador leva esse dinheiro, e o ativo imobilizado, pois, por exemplo, existem clubes que possuem estádios e clubes que não possuem.

Para o cálculo do valor da marca, nós fazemos o fluxo de caixa descontado das receitas operacionais do clube, trazendo a valor presente os seus números históricos. Para isso, nós estudamos o mercado internacional e criamos uma metodologia própria para calcularmos um múltiplo sobre as receitas.

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Esse cálculo inclui TV, patrocínios, licenciamentos e sócio-torcedor, além de outras receitas, para calculamos o múltiplo de acordo com três variáveis: localização geográfica, distribuição nacional e investimento no futebol.

A localização geográfica de um clube é importante porque a torcida de um clube de São Paulo, por exemplo, tem mais potencial de consumo que a torcida de um clube do Rio, que tem mais potencial que a torcida de um clube de Minas, que tem mais potencial que a torcida de um clube da Bahia. 

Com relação à distribuição geográfica, o Grêmio, por exemplo, tem a torcida muito localizada no Sul, enquanto Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense possuem torcidas espalhadas pelo Brasil.

O investimento no futebol é importante, pois já está provado que os clubes que gastam mais no futebol, tanto no Brasil quanto na Europa, têm mais potencial esportivo e reverberam mais ganho para a marca. Por exemplo, um clube que está em uma fase de austeridade, sem gastar, tem um valor de potencial esportivo menor nesta avaliação.

Vamos analisar um caso emblemático: o Fluminense. O clube possui torcida no Brasil inteiro, sendo que ela cresce entre os mais ricos, mas o Fluminense não fechou um patrocínio com empresas como Dolce Gabbana, BMW e Louis Vuitton. Isso faz com que a receita do clube não esteja impactada por essa característica do próprio clube. É por isso que nós temos que ter cuidado para entendermos quanto um clube está aproveitando das suas características. O Santos é outro exemplo, já que o clube ficou muito para trás dos seus três principais adversários em São Paulo por ter se fechado em Santos. Se o clube tivesse jogos em São Paulo, com os patrocinadores olhando para isso, provavelmente, ele receberia mais.

Com relação aos jogadores, nós utilizamos as informações do elenco, já que ele vale muito mais que os registros contábeis, sendo essa informação muito mais plausível e adequada à realidade do clube.

O último dado é o registro na federação. Isso porque, muitas vezes, um clube não tem receitas de bilheteria, sócio-torcedor ou patrocínios, mas tem a receita da TV oriunda da sua federação. Por exemplo, no Estado de São Paulo, é muito comum um clube do interior ser vendido pelo valor da TV, ou seja, se ele fatura R$ 3 milhões com a TV, ele vale R$ 3 milhões. Outro exemplo: se o Flamengo for vendido, o comprador não está apenas comprando o clube, a marca e a torcida, mas também a primeira divisão do Brasileirão, a Libertadores e a presença no Mundial de Clubes.

Dessa forma, é inerente à atividade de um clube a receita que vem da sua federação, da confederação ou da sua liga. Olhando para fora, se um clube participa de uma liga com a La Liga ou a Premier League, ele se valoriza ainda mais, pois tem uma receita garantida vindo direto da sua liga.

As divisões de base de um clube são um ativo?

As divisões de base são um ativo fundamental, tanto que muitos clubes possuem bases avaliadas em R$ 40 milhões, R$ 50 milhões, R$ 60 milhões, e que reproduzem um valor muito elevado de venda de atletas. Vale lembrar que essa receita não entra no valor da marca.

Se um clube pega os valores das vendas dos seus atletas e constroi um estádio ou um centro de treinamento (CT), isso impacta o ativo imobilizado. Por exemplo, a primeira fase da arena do Athlético-PR foi toda construída com esses valores, enquanto clubes como Corinthians, São Paulo e Flamengo torravam dinheiro.

Além da categoria de base ser uma forma barata para que um clube tenha um elenco forte, ela é, principalmente, uma forma muito econômica de fortalecer o próprio clube. Isso porque, enquanto muitos clubes brasileiros vendem e contratam, e quando veem, estão no prejuízo, outros colocam o dinheiro no banco ou investem em ativos, o que faz uma diferença muito grande.

Apenas para que eu me localize, quando você se refere a primeira fase da Arena do Athlético-PR, você se refere a década de 1990, correto?

Exatamente. O clube começou o projeto em 1995 e o CT entre em 1998/1999, o que culminou no Brasileiro de 2001, sendo que a nova arena foi feita em cima do projeto antigo. Por mais que o clube tenha utilizado recursos do BNDES na segunda fase, os primórdios da arena foram feitos com recursos da venda de atletas. O São Paulo fez o mesmo com Cotia. Quem é inteligente não fica só contratando jogador, mas também investe em ativos imobilizados que vão gerar mais receitas.

Segundo o estudo, o valuation dos clubes cresceu 24% de 2023 para 2024 e 60,77% desde 2020? Ao que você atribui essa evolução?

Um ponto importante é que cada clube tem a sua história. Por exemplo, o Grêmio foi muito mal no estudo de 2023, que tinha como referência os dados de 2022, ano em que o clube gaúcho disputou a Série B do Brasileiro depois de ter sido rebaixado em 2021. Depois que o clube voltou a disputar a Série A em 2023, os números cresceram absurdamente. No caso do Fluminense, os seus números foram muito impactados pela Libertadores de 2023. Tirando esses exemplos orgânicos, o grande salto de 2024 se deve aos investimentos nas SAFs, como os casos de Botafogo, Cruzeiro e Bahia. Se você pegar o gráfico histórico, nenhum dos anos anteriores teve um crescimento como o de 2024.

O que os clubes podem fazer para aumentar os seus valuations?

O que faz um valuation crescer é um estádio, um CT ou um time competitivo. Um crescimento sustentável de valuation não vem apenas da colocação de dinheiro, como no caso de Botafogo e Cruzeiro, que, como todos sabem, estão totalmente desequilibrados em termos econômicos. Esses clubes estão recebendo investimentos, mas estão gastando muito acima das suas capacidades. Isso porque investimento não é receita, mas injeção de recursos. Receitas, por exemplo, vêm de patrocínios e TV.

Para crescer um valuation, o mais importante é o crescimento de marca, justamente o que aconteceu com Fluminense e Grêmio. Esses dois clubes não investiram tanto em estádio ou CT, mas tiveram um crescimento orgânico propiciado pelos bons resultados em campo, como a Libertadores do Fluminense ou o retorno do Grêmio para a Série A, que também teve o impacto do Suárez. Cabe ressaltar que o estudo de 2024 utiliza os números de 2023.

A melhor maneira de crescer um valuation é crescer a marca, já que isso é perene, e não um voo de galinha. Patrocínios, exposição internacional e expansão da venda de produtos podem se manter ao longo dos anos.

Você se sente à vontade analisando as informações fornecidas pelos clubes através dos seus balanços?

Eu me sinto muito confortável. Como faço isso há 20 anos, sendo o pioneiro nessas análises, eu vi a melhora desses números. Muitos clubes são auditados por auditorias conhecidas, como a BDO, que também auditam companhias de capital aberto. Existem clubes que possuem balanços melhores que outros, que são mais transparentes e que possuem notas explicativas, mas esses são números, vamos dizer assim, bastante checáveis, não sendo nenhum absurdo. Graças às auditorias, eu me sinto bem mais seguro para analisar esses números.

O que vale mais a pena: ter um estádio próprio ou obter a concessão para utilização de um estádio pronto? Faço essa pergunta, pois, no caso do Flamengo, você destacou a falta de um estádio próprio no valuation do clube, mas o Corinthians optou por ter um estádio próprio, ao invés de obter a concessão do Pacaembu, e explodiu o seu passivo.

Essa é uma ótima pergunta. Vamos primeiro pegar o caso do Palmeiras, que é mais fácil de se entender. O Palmeiras tinha o Parque Antártica, um estádio para 28 mil pessoas, totalmente arcaico como a Vila Belmiro, São Januário e o Couto Pereira. Quando o Palmeiras percebeu que não seria sede da Copa de 2014, ele fez uma parceria com a WTorre, só que diferentemente do Corinthians, ele entregou a operação do estádio para a empresa e ficou com a bilheteira e o sócio-torcedor.

A WTorre ficou com o naming rights e os camarotes, sendo que a cada ano de contrato cresce um pouco a parte do Palmeiras, mas o grosso do dinheiro do clube não foi mexido. Com isso, o clube deu um salto muito grande, pois ele saiu de um estádio acanhado para uma arena moderna, com maior capacidade e ingressos mais caros.

O Palmeiras cedeu a superfície para que uma empresa pudesse construir uma arena e explorá-la por 20 anos, sendo que depois desse período essa estrutura será entregue ao clube para que ele seja o único dono. O clube aumentou a receita sem perder nada.

O Flamengo tem o Maracanã, mas ele não pode fazer o que quiser no estádio, pois ele é concessionário junto com o Fluminense. Isso faz com que o custo de abrir o Maracanã não fique sob controle do Flamengo e do Fluminense, o que torna o estádio muito caro. Quando um clube tem uma concessão, ele tem que arcar com custos que ele não teria se fosse o dono do estádio.

O erro do Corinthians foi que o clube não tinha dinheiro para construir o estádio. Diga-se de passagem, nenhum clube brasileiro tem. Mesmo o Athlético-PR precisou da ajuda do Governo Federal, do estadual e do municipal para terminar o seu estádio para a Copa de 2014, senão ele quebraria. Voltando mais no tempo, o São Paulo, para construir o Morumbi, ficou sem ganhar títulos de 1957 a 1970. A partir do momento em que um clube resolve construir um estádio e seguir gastando muito no futebol, ele entra em bancarrota, como aconteceu com o Corinthians.

Além do estádio ter custado caríssimo, o Corinthians não tem bilheteria, pois esses recursos são utilizados, integralmente, no pagamento do fundo. O problema é que esses recursos não quitam a dívida e nem os seus serviços, pois além de a dívida estar na casa de R$ 1 bilhão, R$ 1,2 bilhão, os seus serviços estão entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões por ano. Esse foi o grande erro do clube. Imagine se a Odebrecht tivesse ficado com a operação do estádio e o Corinthians com a bilheteria para gastar?

O Pacaembu deveria ter ido para o Corinthians, e se não fosse para o Corinthians, para o Santos, que foi muito incompentente ao não pegar o estádio, já que o (João) Dória quis dar o estádio de graça para o clube. Os clubes cometem muitos erros, mas o erro do Corinthians, sem sombra de dúvida, foi o maior deles.

Ter um estádio próprio só vale a pena se o clube não abre mão de receitas. Por exemplo, o Grêmio saiu do Olímpico faturando R$ 40 milhões e foi para a Arena sem faturar nada. Nas minhas contas, o Grêmio abriu mão de R$ 70 milhões por ano, já que esse valor vai para a OAS, em acordo similar ao do Corinthians. Como o Grêmio não tem o ativo, pois ele não está no seu balanço, ele vale muito menos que o Inter, além de ter ficado sem receita.

Para que um clube tenha um estádio próprio, ou ele é muito rico e organizado, ou é concessionário, explorando um ativo que não é seu.

Por que um estádio novo vale mais que um estádio antigo?

A primeira questão é o valor do imobilizado. Não há como comparar um estádio construído há 30, 40, 50 anos com um estádio moderníssimo, até pela questão do potencial construtivo e do valor do metro quadrado. Alguém pode dizer “ah, mas se o Vasco melhorar São Januário, ele pode reavaliar esse ativo”, mas, na verdade, é a exploração comercial que faz a diferença. Por exemplo, quanto o Palmeiras, Flamengo e Fortaleza fazem de bilheteira em comparação com o Vasco e o Santos, que ainda faz menos que o Vasco?

Um estádio antigo não permite a incorporação de camarotes, naming rights e ingressos com preços mais elevados. Veja o caso do São Paulo, que tem um estádio quitado, que fatura super bem, mas com um valor de imobilizado, de registro contábil, muito menor que o valor do estádio do Athlético-PR, que é mais novo e muito mais moderno.

Por que no cálculo “valuation ajustado às dívidas operacionais”, você optou por não considerar as dívidas fiscais dos clubes?

Por uma questão conceitual. Se o clube está em dia com o Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), esse problema já está encaminhado. Assim, a tendência de uma SAF é que a dívida do Profut fique com o clube social, com a parte da receita que vai para o clube social sendo utilizada na quitação dessa dívida. Por essa lógica, a dívida fiscal não é da SAF. É por isso que nós consideramos nesse cálculo as dívidas operacionais, como bancos, fornecedores, clubes, ex-jogadores, trabalhistas e contingências em geral.

No estudo, você fez um comparativo de valuation entre os clubes europeus, americanos e brasileiros, relacionando os 13 primeiros colocados de cada ranking. Na última colocação do ranking dos Estados Unidos, está o Columbus Crew, que, diga-se de passagem, eu nunca tinha ouvido falar, mas se esse clube estivesse no ranking dos clubes brasileiros, ele estaria na quarta colocação. O que explica isso?

Essa é uma verdade dolorosa para o Brasil, que pratica futebol há mais de 100 anos. Os americanos deram o primeiro passo com Pelé, que jogou no [New York] Cosmos de 1975 a 1977, mas o futebol pegou tração, efetivamente, a partir da Copa de 1994, sendo que a MLS [Major League Soccer] foi criada em 1993. Ou seja, a história do futebol nos Estados Unidos é recente.

A MLS fatura por ano US$ 2,2 bilhões, enquanto os clubes brasileiros, que nunca se organizaram em uma liga, devem faturar, sem contar as receitas com jogadores, US$ 1,5 bilhão. Por mais que os clubes brasileiros estejam bem agora, eles estão bem distantes dos clubes americanos.

Os clubes americanos não têm o dinheiro da TV que os clubes brasileiros recebem, mas todos eles têm os seus estádios em regiões ricas, com o metro quadrado em dólar. Outro ponto: o match day dos clubes americanos é quase quatro vezes maior que o nosso. Eles não têm história, tradição e o mercado consumidor do país é muito menor e mais restrito que o nosso, mas eles superaram os clubes brasileiros por causa da organização.

É por isso que os Estados Unidos possuem clubes pequenos frente ao padrão europeu, mas que valem bem mais que os clubes brasileiros. Por exemplo, quatro clubes americanos (LAFC, US$ 1,15 bi; Atlanta United, US$ 1,05 bi; Inter Miami, US$ 1,02 bi e LA Galaxy, US$ 1 bi) possuem valuations superiores ao do Flamengo (US$ 871 mihões). Isso é inacreditável, mas os clubes americanos estão em um ambiente de liga, o que faz muita diferença, além de todos terem os seus estádios próprios cotados em dólar.

Recentemente, a Portuguesa aprovou a sua SAF avaliada em R$ 1,2 bilhão. Também recentemente, foram veiculadas informações na mídia sobre uma possível SAF do Fluminense avaliada em R$ 850 milhões. Cabe ressaltar que a diretoria do Fluminense convocou uma assembleia para o dia 14 deste mês para esclarecer essas informações. Qual a sua avaliação sobre os valores envolvidos nesses dois casos?

Começando pelo Fluminense, esse número é completamente estapafúrdio. Na nossa avaliação, o Fluminense está avaliado acima de R$ 2 bilhões. Alguém pode dizer que esse valor se refere ao melhor momento do clube, pois o valuation de 2024 tem como referência os dados de 2023, e que o seu valuation de 2025, que terá como referência os dados de 2024, vai cair em relação ao ano anterior, já que, no ano passado, o clube não foi tão bem. Mesmo assim, o valuation do clube não vai cair para R$ 850 milhões, e sim para R$ 1,9 bilhão, próximo ao valor atual de R$ 2 bilhões. Por todas as informações que eu tenho, o valor de R$ 850 milhões seria uma subavaliação do Fluminense.

Com relação a Portuguesa, o clube está super avaliado, pois ele não vale nem R$ 200 milhões pelo seu balanço. O problema é que se não falarem em valores muito astronômicos, uma SAF não é aprovada. Eu não sei como um clube, que está na quarta divisão do futebol brasileiro, vai receber um aporte de R$ 1 bilhão e vai dar payback para os seus investidores. Se você botar R$ 1 bi no Fluminense, o clube dá retorno, mas na Portuguesa, isso não faz o menor sentido.

Mesmo com investimento em estádio e potencial construtivo, essas obras vão demorar uma eternidade para render frutos. Com a Selic caminhando para 15%, não faz o menor sentido um grupo de investidores colocar R$ 1 bilhão na Portuguesa. Eu não sei, exatamente, o que levou a esse número tão fora da realidade.

A movimentação que tem ocorrido no mercado brasileiro, tem ocorrido nos mercados dos demais países da América-Latina?

Os mercados europeus balizaram o mundo. Na década de 1990, os clubes europeus se transformaram em empresas de vários modelos, sendo que alguns foram para a Bolsa. Por exemplo, Roman Abramovich comprou o Chelsea em 2003 e o transformou em uma empresa limitada, sem recorrer à Bolsa. Esse modelo foi amplamente importado por mercados como o colombiano, onde todos os clubes, com apenas uma exceção, são S/As, e o chileno, onde todos são S/As.

Contudo, por mais que os clubes desses mercados tenham feito isso, eles não se fortaleceram. Por exemplo, a Liga Chilena fatura menos que o Flamengo. Assim, não é a transformação em empresa, necessariamente, que fortalece os clubes.

Os clubes argentinos pertencem ao principal mercado depois do brasileiro e sempre disseram que não queriam se transformar em empresas, e continuam falando isso, mas qual a chance de um deles ganhar a Libertadores contra uma SAF brasileira? Quando o Fluminense, que é um clube associativo, foi campeão sobre o Boca Juniors, ele gastava o dobro do clube argentino, apesar de ser a décima receita do Brasil, ou seja, o Fluminense era mais rico que o Boca, que é o principal clube da Argentina. Em algum momento, os clubes argentinos vão ter que pensar em uma forma de trazer dinheiro novo, já que o Brasil está pautando uma nova estratégia de investimentos na América do Sul.

Os modelos chileno e colombiano não têm dado resultados, mas o modelo brasileiro tem se mostrado extremamente rentável. Recentemente, o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, disse que o dinheiro arrecadado pelo Botafogo, com a Libertadores de 2024, estava salvando clubes europeus, referindo-se ao Eagle Group. Isso foi meio absurdo, mas o Botafogo, na minha opinião, é a galinha dos ovos de ouro do Eagle Group, e não o Lyon, embora o clube francês valha mais.

E os clubes mexicanos?

O caso mexicano é bem interessante. Como o país está próximo dos Estados Unidos, eles importam a cultura americana com mais facilidade que a gente. Para os mexicanos, o futebol é um negócio. Somado a isso, quando eles perceberam os movimentos dos narcos, eles viram que o melhor era entregar os clubes para grandes empresários.

Os mexicanos optaram por esse modelo para evitar o que aconteceu na Colômbia, onde os clubes foram parar nas mãos de narcotraficantes. Essa foi uma forma interessante de os clubes mexicanos se protegerem. Todos eles são empresas, apesar de não haver a transparência que há no Brasil, onde os clubes, por exemplo, divulgam os seus balanços.

Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto a sua entrevista?

Eu defendo muito o modelo do Bayern de Munique, pois eu não gosto do modelo Premier League que está sendo criado no Brasil. De vender a SAF do Botafogo para o (John) Textor, a SAF do Cruzeiro para o Ronaldo ou a SAF do Vasco para a 777. Esse é um modelo que não tem preocupação com o tecido social, com a comunidade.

Como o Bayern de Munique percebeu os movimentos dos clubes ingleses e italianos, e viu que precisaria de dinheiro para competir com eles, ele criou, junto com a Bundesliga, o modelo 50% + 1, que acabou sendo adotado por todos os clubes alemães. Através desse modelo, o Bayern vendeu 8,33% do seu capital para a Adidas, 8,33% para a Audi e 8,33% para a Allianz, ficando o clube com 75%. Outro ponto: além de as empresas serem acionistas minoritários, elas são patrocinadoras do clube. 

Por mais que essa seja uma realidade complexa, o modelo do Bayern de Munique poderia ser uma opção para clubes brasileiros que não querem nem ouvir falar em SAF, já que não querem vender suas operações. Por exemplo, a Tramontina poderia colocar R$ 250 milhões no Inter para ter 10% do clube, que vale R$ 2,5 bilhões. Esse dinheiro poderia ser utilizado na capitalização e na profissionalização do clube. Isso porque, por exemplo, a gestão do Textor não profissionalizou o Botafogo, e sim a sua empresa, que tem um novo clube no seu rol.

O Botafogo não é um excelente exemplo de gestão corporativa, mas o Bayern de Munique é. O clube alemão gasta muito, tem lucro e tem acionistas desse porte, que se deram muito bem porque o valuation do clube aumentou absurdamente desde que eles entraram. Por exemplo, dificilmente a Allianz ganharia tanto dinheiro, em termos de valorização de ativo, fora do futebol.

Se a empresa gosta de lucro, nada melhor do que investir em um clube que precisa de investimento e que possui um modelo empresarial corporativo, só que todo mundo me fala que isso não vai acontecer no Brasil, pois os clubes não estão preparados para terem empresas como acionistas. No Brasil, as SAFs se parecem com holdings familiares, onde o cara faz o que bem entender.

Eu gostaria muito que o modelo do Bayern de Munique fosse possível no Brasil, pois as SAFs brasileiras não são empresas robustas com valores corporativos consolidados.

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