Como vai funcionar o Split de Pagamento da CBS e do IBS?

Segundo Roni Peterson, da Receita Federal, o Split Payment vai garantir os créditos dos adquirentes, reduzir a sonegação fiscal e fortalecer a isonomia concorrencial entre as empresas.

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Roni Peterson Bernardino de Brito (foto Receita Federal)
Roni Peterson Bernardino de Brito (foto Receita Federal)

Conversamos com Roni Peterson Bernardino de Brito sobre o Split Payment da CBS e do IBS. Roni é auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil e membro da comissão de sistematização do programa que elaborou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que deu origem à Lei Complementar 214/2025, e o PLP 108/2024, que segue em tramitação no Congresso.

Antes de conversarmos sobre o Split Payment, o que vai mudar na relação entre contribuintes e administrações tributárias com a Reforma Tributária?

A Reforma Tributária traz uma mudança completa na relação entre os contribuintes e as administrações tributárias. Com ela, essa relação será muito mais simples e tecnológica, sendo que a maior inovação é a apuração assistida.

A Receita Federal (CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços) e o Comitê Gestor (IBS, Imposto sobre Bens e Serviços) vão fornecer ao contribuinte de qualquer porte, seja ele grande, médio ou pequeno, a apuração assistida ou pré-preenchida, mais ou menos como ocorre no Imposto de Renda, só que muito mais completa e mensal. Melhor explicando. Quando um contribuinte faz uma venda, ele emite uma nota fiscal e apropria os seus débitos, e quando ele faz uma compra, ele recebe uma nota fiscal e declara os seus créditos. A Receita e o Comitê Gestor vão somar os débitos de um lado e os créditos do outro e apresentá-los ao contribuinte, indicando o valor devido ou o valor a ser ressarcido. Isso vai facilitar muito a vida dos contribuintes, inclusive dos micros e pequenos, que costumam ter limitações nas suas gestões.

Outro aspecto importante é que haverá um monitor, como se fosse um extrato bancário, disponível 24 horas, todos os dias, para que o contribuinte possa acompanhar a sua situação fiscal. Por exemplo, quando uma empresa fizer uma compra, e a nota fiscal for emitida, em poucos segundos a operação vai aparecer no seu monitor, que vai indicar a situação do crédito, que pode ser pendente, caso ainda não tenha sido pago, ou já apropriado, caso já tenha sido pago.

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Da mesma forma, a mesma operação vai aparecer no monitor da empresa vendedora, indicando o débito do tributo referente à nota fiscal que foi emitida. Nesse caso, por exemplo, se o contribuinte tiver um débito de R$ 5, mas já tiver um crédito no mesmo valor, ele não precisa mais se preocupar com o débito, pois ele já estará quitado. Da mesma forma, se o monitor indicar um débito de R$ 10 e um crédito de R$ 5, a empresa já vai saber que o seu saldo está devedor em R$ 5. 

Caso o contribuinte tenha no monitor um crédito que ainda não foi validado, mas que ele sabe que já foi validado, ou um débito que já foi extinto, ele vai, via sistema, informar essa situação à administração tributária, que vai iniciar um processo de tratamento.

É dentro dessa sistemática que se insere a quitação dos débitos através do Split Payment.

Como vai funcionar o Split Payment?

O Split Payment é uma forma automatizada de pagar os débitos da CBS e do IBS, fazendo a segregação entre o tributo que incide na operação e o valor da operação. Por exemplo, se uma empresa faz uma venda por R$ 115, onde R$ 100 é referente ao preço e R$ 15 é referente à CBS e ao IBS, o Split vai permitir que o valor de R$ 100 seja repassado diretamente à empresa e o valor de R$ 15 seja repassado diretamente à administração tributária. Cabe destacar que no sistema financeiro, essa segregação de valores não é uma novidade, pois ela já existe em diversos ramos, como os marketplaces das grandes plataformas.

Como as empresas vão apurar a CBS e o IBS com o Split Payment? Utilizando como exemplo o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), há anos que as empresas, uma vez que o período de apuração é fechado, relacionam os débitos e créditos, apuram se o saldo é devedor ou credor, e caso tenha sido devedor, fazem a guia e pagam o imposto.

O Split Payment vai automatizar boa parte do processo de apuração, já que ele tem um mecanismo inteligente e maleável de automatização do pagamento. Voltando ao exemplo da empresa que fez uma venda de R$ 100 com um tributo de R$ 15, se essa empresa fez a venda à vista, mas começou o dia com um crédito de R$ 10, a Receita Federal e o Comitê Gestor vão informar ao sistema financeiro que ele não precisa recolher R$ 15, mas apenas R$ 5, ou seja, o valor que efetivamente é devido pelo contribuinte naquele momento. É isso que chamamos de split inteligente, pois não é apenas segregar o valor cheio do tributo devido na operação, mas sim o valor líquido devido pelo contribuinte no momento da operação. Essa é a grande inovação do nosso Split Payment frente as outras experiências internacionais.

O split inteligente faz com que o pagamento ocorra em cada liquidação financeira, o que é diferente do que temos hoje no ICMS, no ISS (Imposto sobre Serviços), na PIS (Programa de Integração Social) e na Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), com o contribuinte fazendo a venda do produto com o tributo incluído, R$ 115 no total, recebendo o valor cheio, fazendo a apuração do valor líquido do tributo a ser pago no período correspondente (R$ 15 de débito – R$ 10 de crédito = R$ 5 de saldo devedor líquido a ser pago) e liquidando esse saldo no mês seguinte. Nesse novo universo de apuração, o Split Payment vai quitar o débito do tributo na operação financeira correspondente.

Como o Split Payment vai fazer com que a apuração e o pagamento do tributo sejam automatizados e ocorram a cada liquidação financeira, isso vai trazer uma nova forma de apuração tributária para a CBS e o IBS.

O Split Payment não pode afetar o fluxo de caixa das empresas?

Pode afetar, mas não necessariamente de forma negativa. Vamos imaginar uma empresa que paga suas compras com um prazo de 90 dias. Neste caso, o fornecedor vai emitir a nota fiscal e pagar a CBS e o IBS na data de vencimento, que ainda não foi definida. Para facilitar a explicação, vamos imaginar que esses tributos tenham que ser pagos no dia 25 do mês subsequente. Quando o fornecedor pagar a CBS e o IBS, isso vai fazer com que esses créditos apareçam no painel da empresa compradora nesta data. Neste exemplo, os créditos vão aparecer disponíveis para a empresa compradora antes que ela realize o pagamento da compra, o que representa uma vantagem financeira, já que ela poderá pedir o seu ressarcimento ou utilizá-los caso ela faça uma venda em seguida. Em muitos arranjos financeiros, o Split Payment pode gerar um ganho de fluxo de caixa. Em outros, ele pode exigir alguma adaptação.

Quando o Split Payment entrar em operação e atingir a velocidade de cruzeiro, não nos parece que ele será um fator determinante na organização de uma empresa em qualquer que seja o cenário. Isso porque, no primeiro mês de operação, a empresa pode até sofrer alguma interferência, mas no segundo mês, todas as suas compras já terão gerado créditos através do mecanismo que acabei de explicar, já que o fornecedor vai ter que pagar a CBS e o IBS, quando devidas, na data de vencimento do mês subsequente. Dessa forma, a partir do segundo mês as empresas já estarão em uma situação muito próxima do que temos hoje, com elas apurando os débitos menos os créditos para recolherem a diferença.

Como está o desenvolvimento da infraestrutura que vai dar suporte ao Split Payment?

O desenvolvimento da infraestrutura já está em andamento. Nós temos grupos de trabalho, formados por União, estados e municípios, que estão desenvolvendo a infraestrutura interna das administrações tributárias, pois, como a Reforma Tributária é interfederativa, esse é um trabalho conjunto. Obviamente, serão necessários novos sistemas, ferramentas e abordagens.

Outra vertente, que também já está em andamento, é o trabalho conjunto entre os entes federativos e o sistema de pagamentos como um todo. Inclusive, eu sou o vice-coordenador do grupo que está desenvolvendo o Split Financeiro em conjunto com o setor financeiro.

Mas essa infraestrutura vai ficar centralizada na Receita Federal?

O grupo de trabalho está discutindo se haverá um centralizador para essa infraestrutura e, caso isso aconteça, quem seria ele. Nós teremos uma infraestrutura da Receita Federal e uma do Comitê Gestor, mas com uma simbiose, uma conexão muito forte entre elas, tanto que o contribuinte vai ver uma plataforma única.

A mesma discussão está acontecendo com o setor financeiro, onde nós temos uma complexidade maior, já que temos que integrar todos os meios de pagamento à nova forma de recolhimento de tributos. 

Mas tudo isso vai estar funcionando a partir de 2026?

Sim, a nossa expectativa é que tudo esteja funcionando a partir de 2026. Contudo, o próximo ano será um ano de testes. Essa é uma mensagem importante para tranquilizar os contribuintes, já que em 2026 serão feitos os testes de sistemas, documentos e alíquotas. As administrações tributárias já estão em plena comunicação com as instituições e os contribuintes para que o próximo ano não seja traumático, pois o objetivo é fazer com que a implementação do novo sistema seja tranquila, gradual e bem paulatina. Não haverá disrupções, quebras ou exigências exageradas, tanto que a Lei Complementar 214/2025 dispensou o recolhimento efetivo da CBS e do IBS no próximo ano, caso os contribuintes cumpram as obrigações acessórias, principalmente os documentos fiscais.

É importante destacar que a Receita Federal e as administrações tributárias de estados e municípios já estão disponibilizando as instruções para adaptação das notas fiscais que serão utilizadas no ano que vem. Basta o contribuinte cumprir com as obrigações acessórias para que ele não tenha que recolher a CBS e o IBS em 2026.

De onde veio o conceito do Split Payment?

Como disse, o split payment é um conceito que já é utilizado em diversas áreas, como os marketplaces. Na seara tributária, ele não chega a ser uma novidade, já que ele foi tentado em vários países com modelos muito diferentes do nosso.

Nós estudamos a fundo as experiências de outros países e fizemos uma adaptação profunda para que, efetivamente, o Split Payment funcionasse no Brasil, que vai ser um dos primeiros casos no mundo a adotá-lo em larga escala, como regra do sistema de administração tributária sobre o consumo. A ideia é criar um mecanismo que seja palatável, favorável e útil ao contribuinte.

O recolhimento pelo valor líquido devido pelo contribuinte, no momento em que ele recebe o pagamento, é a grande inovação em relação às experiências internacionais. Nós esperamos que esse mecanismo gere utilidade para os contribuintes e, obviamente, também para o governo.

Por que o Split Payment é tão importante para a Reforma Tributária?

A importância do Split Payment para a Reforma Tributária está relacionada a cinco virtudes, sendo que a primeira é a garantia do crédito do adquirente. Diga-se de passagem, esse foi o motivo do seu surgimento. Isso porque só vai haver crédito se houver o pagamento do tributo. Para isso, basta o adquirente pagar a sua compra usando um meio digital, como Pix, cartão de crédito e débito, boleto ou TED. Outra forma de garantir o crédito, caso o fornecedor seja sonegador ou esteja inadimplente, é o próprio adquirente recolher o tributo, o que apelidamos de Split Manual, mas isso deve ser pouco utilizado por ser burocrático. 

A segunda virtude é que o Split Payment vai funcionar como uma medida de saneamento das relações entre as administrações tributárias e os contribuintes, já que ele é menos agressivo que outras medidas que foram usadas nos últimos anos, como a substituição tributária e o regime monofásico.

A terceira virtude é que o Split Payment vai nos ajudar a reduzir a sonegação fiscal, o que vai nos permitir reduzir as alíquotas da CBS e do IBS. Como um dos objetivos pré-definidos da Reforma Tributária é manter a mesma arrecadação, se nós tivermos menos sonegação fiscal, nós poderemos manter a mesma arrecadação com uma alíquota menor da CBS e do IBS. Inclusive, o Secretário da Reforma Tributária, Bernard Appy, tem comentado em eventos que o Split Payment pode permitir uma redução da alíquota na ordem de 2% a 3%, já que o sistema vai fazer com que os sonegadores paguem os seus tributos sobre o consumo.

A quarta virtude, que é muito pouco explorada, é que o Split Payment vai fortalecer a isonomia concorrencial. Isso porque no Brasil, infelizmente, nós enfrentamos um problema de assimetria concorrencial entre os contribuintes que pagam os seus tributos e os contribuintes que decidem sonegá-los ou inadimpli-los. Como o Split Payment automatiza os pagamentos de todos os contribuintes, ele gera isonomia concorrencial, combate as deslealdades tributárias e saneia a economia como um todo.

Por fim, o Split Payment vai garantir um fluxo constante de recursos para o comitê Gestor do IBS de forma a que ele possa ressarcir os créditos dos contribuintes, quando os seus saldos forem credores. Isso porque o Comitê Gestor não tem fluxo de caixa próprio.

Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto a sua entrevista?

Eu gostaria de reforçar que o Split Payment vai apenas recolher o tributo que é devido em uma operação. Ele não é um tributo e nem uma nova cobrança, mas a automatização do pagamento. Por todas as virtudes que coloquei, ele é muito mais favorável à sociedade do que ao próprio governo. Basta ao adquirente efetuar o pagamento através de um meio digital para que o split ocorra sozinho, sem nenhuma intervenção, com o contribuinte podendo acompanhar a sua situação fiscal através do painel que mencionei.

Nessa nova relação, haverá uma mudança na lógica em que o contribuinte fazia tudo e mandava as informações para as administrações tributárias. Agora, a Receita Federal e o Comitê Gestor vão disponibilizar as informações para os contribuintes através de uma plataforma que ficará acessível o tempo todo e que servirá de integração entre as duas partes.

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