A trajetória das concessões rodoviárias no Brasil tem gerado benefícios substanciais para a infraestrutura de transporte, proporcionando rodovias mais seguras e bem conservadas sob gestão privada. Contudo, mesmo com esses avanços, o sistema apresenta desafios de justiça tarifária e representatividade dos usuários. Duas propostas surgem como soluções promissoras para aprimorar as concessões: a implementação do sistema de pedagiamento free flow e a criação de conselhos de usuários.
A evolução necessária: o sistema free flow
Atualmente, o pedágio em rodovias concedidas no Brasil é cobrado em praças instaladas a cada 100 quilômetros, o que gera uma disparidade significativa entre os usuários. Motoristas que percorrem trechos curtos pagam o mesmo valor que aqueles que utilizam a rodovia por toda a extensão entre duas praças de pedágio. Esse modelo tarifário impacta especialmente os caminhoneiros, que arcam com valores altos para longas viagens, enquanto outros motoristas conseguem usufruir da infraestrutura sem contribuir proporcionalmente.
Para resolver essa questão, o modelo de cobrança proporcional por quilômetro percorrido, conhecido como free flow, é uma alternativa mais justa e eficiente. Esse sistema, já utilizado em algumas rodovias de alta circulação em outros países, envolve a cobrança automática por meio de sensores e câmeras instalados ao longo das rodovias, que identificam o veículo e calculam a tarifa conforme a distância percorrida. O free flow permite que cada usuário pague proporcionalmente ao uso da infraestrutura, eliminando as distorções do modelo atual e incentivando uma contribuição justa e equilibrada.
Além de proporcionar justiça tarifária, o sistema free flow oferece maior agilidade e fluidez no trânsito, pois elimina a necessidade de praças de pedágio físicas, que frequentemente causam congestionamentos e aumentam o tempo de viagem. Essa inovação tecnológica representa um avanço na gestão das concessões e pode promover uma experiência mais positiva e equilibrada para todos os usuários.
Conselhos de usuários: fortalecendo a representatividade e a transparência
A criação de conselhos de usuários em cada rodovia concedida é outra proposta que visa aprimorar o modelo de concessões no Brasil. Esses conselhos atuariam como um canal direto entre os usuários e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), permitindo uma fiscalização mais próxima e transparente das concessionárias.
Com a formação dos conselhos de usuários, representantes de caminhoneiros, motoristas, movimentos sociais e comunidades locais teriam uma participação ativa no acompanhamento e avaliação dos serviços prestados. Essa estrutura daria voz às necessidades específicas de cada trecho, permitindo que os usuários influenciem as decisões sobre melhorias na infraestrutura, na segurança e nos serviços oferecidos. Além disso, os conselhos poderiam contribuir para uma fiscalização mais rigorosa dos contratos de concessão, identificando eventuais falhas no cumprimento dos requisitos de manutenção e segurança.
A transparência nas negociações e nas fiscalizações contratuais também seria aprimorada com os conselhos. As reuniões e relatórios periódicos emitidos por esses grupos proporcionariam uma visão mais clara do desempenho das concessionárias, garantindo que os interesses dos usuários estejam no centro das decisões. Dessa forma, os conselhos poderiam tornar o processo de concessão mais democrático e alinhado às expectativas da sociedade.
Benefícios ampliados para o setor e para a economia
A adoção do free flow e a criação dos conselhos de usuários não apenas beneficiariam os usuários das rodovias pedagiadas, mas também impulsionariam setores econômicos fundamentais, como o transporte de cargas e o comércio. Com uma cobrança mais justa e proporcional, empresas de transporte e caminhoneiros poderiam reduzir custos operacionais, o que contribuiria para uma logística mais eficiente e acessível. Esse impacto positivo se refletiria em uma cadeia de valor mais competitiva e sustentável.
A representatividade garantida pelos conselhos fortalece a confiança nas concessões rodoviárias, pois oferece à sociedade uma plataforma para apresentar suas demandas e avaliar a qualidade dos serviços. A participação ativa dos usuários também facilita a identificação de áreas que necessitam de melhorias, incentivando as concessionárias a investir continuamente em infraestrutura e serviços para atender às expectativas dos clientes.
A adoção dessas medidas é um passo fundamental para consolidar um sistema rodoviário mais justo, eficiente, transparente e acessível, em benefício de toda a sociedade.
José Augusto Valente é membro da Divisão Técnica de Transporte e Logística do Clube de Engenharia. Foi secretário de Política Nacional de Transportes e presidente do DER-RJ.