Segundo estudos da Auditoria Cidadã da Dívida, nos últimos 24 anos, período em que uma coalizão progressista governou por 15 anos nosso país, o Orçamento Federal pagou, de juros sobre a volumosa Dívida Pública Federal, o elevado montante de R$ 4 trilhões. Essa cifra, simplesmente, deixou de ser usada na execução de políticas públicas para redução da mortalidade infantil, melhoria de hospitais públicos, redução do analfabetismo, melhoria no saneamento básico, recuperação de estradas e construção de universidades, entre outras modalidades. Neste mesmo período, não por acaso, o PIB per capita brasileiro cresceu apenas 1,2% ao ano, contra 2,3% ao ano de crescimento em escala planetária, com forte influência da Ásia e sua manufatura.
Nesta conjuntura desafiadora, nos dias atuais, há uma legítima preocupação dos credores da Dívida Pública com a provável elevação de 13 pontos percentuais entre 2022 e 2026, na comparação com o PIB. O gasto primário nominal da União cresceu 15% nos últimos 12 meses, enquanto os encargos com juros somam R$ 800 bilhões anuais, gerando um déficit nominal de quase 10% do PIB, alto para um país periférico e dependente como o nosso. Como nosso real não é uma moeda conversível internacionalmente, a saída de capitais pressiona sua cotação, que se desvaloriza, exigindo um freio de arrumação na economia.
O tripé macroeconômico e as regras do decreto do Conselho Monetário Nacional de meta de inflação rígida de 3% ao ano (onde, aliás, o governo tem a maioria dos votos) não oferecem uma saída diferente para os membros do Copom do Banco Central brasileiro. O dilema é que essa mudança de rota vai estancar um processo virtuoso, onde a atividade interna gerou mais empregos e viu a taxa de desocupação cair vertiginosamente para a casa dos 6%, em poucos anos, junto com uma tênue subida da massa ampliada de salários.
As crises periódicas, ou crises de conjuntura, são inerentes ao modo de produção capitalista. Em síntese, a crise é desencadeada por uma acumulação excessiva de capital fictício, a qual tem origem na queda da taxa de lucro obtida nas atividades produtivas da economia real. Por outro lado, salários em alta geram estreitamento das margens de lucro da classe empreendedora e a necessidade de um solavanco na política econômica.
O pânico nas bolsas internacionais desencadeado no início de agosto sugere que estamos no início de mais um processo de eliminação de uma fatia do capital fictício acumulado. Vale lembrar que uma soma dele foi eliminada na crise de 2008, mas a solução então adotada implicou a criação de novas bolhas e ainda mais capital fictício.
É nesse quadro que devemos interpretar a postura e os comentários dos formuladores de política econômica ao afirmarem a impossibilidade de novas quedas na taxa Selic. Juros caros, tributação indireta alta e renda disponível cadente para a maioria da população implicam redução futura na atividade produtiva e possível retomada da alta no desemprego, justamente na fase final do governo de plantão e às vésperas da busca por reeleição. De fato, uma verdadeira “Escolha de Sofia” para os dirigentes de plantão.
Ranulfo Vidigal é economista.