Conversamos sobre a reforma tributária com Chicão Bulhões, secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação do Município do Rio de Janeiro.
Qual a visão da Prefeitura do Rio de Janeiro sobre a reforma tributária defendida pelo Governo Federal e as PECs que hoje se encontram no Congresso Nacional (45/2019, 110/2019 e 46/2022)?
O prefeito Eduardo Paes tem sido bem vocal em relação a esse assunto. Existe uma preocupação muito grande em relação a perda do poder de tributar dos municípios. Nós temos duas discussões em curso: a simplificação e unificação dos tributos, o que é visto com bons olhos, até para ganharmos uma produtividade maior, e a centralização excessiva desse tipo de tomada de decisão em relação à tributação, com a concentração, mais uma vez, de poder excessivo em Brasília.
O prefeito tem dito, e nós compartilhamos dessa visão na administração pública, que deve-se tomar cuidado para que não se torne todos os municípios, mais uma vez, reféns de decisões centralizadas em Brasília em relação à tributação. Nós queremos preservar a autonomia local para a tomada de decisão em relação ao ISS.
Isso não é menor. Tem que haver um certo cuidado com relação a isso, pois pode-se criar uma nova dinâmica de relacionamentos políticos no país que não está sendo discutida e não está sendo prevista. Isso também terá efeitos econômicos.
Está havendo pouca discussão em relação a esse tema, que está muito focado só na arrecadação. “Ah, alguns municípios vão arrecadar mais, outros vão perder receita”, mas essa discussão perpassa um pouco a questão fiscal. Ela tem um elemento político de desenvolvimento e de poder importante. Isso não pode ser tirado da equação e da discussão.
O ISS precisa acabar ou o seu modelo pode ser aprimorado?
O seu modelo pode ser aprimorado. Não vejo, necessariamente, que ele precise acabar, mas pode haver uma discussão mais ampla de como tributar. Está faltando um pouco essa discussão: vamos fazer impostos unificados, mas será que os impostos atuais não poderiam ser aperfeiçoados com algum outro modelo?
Há 30 anos que se discute reforma tributária no Brasil, e há 30 anos que não se evolui nesse tema, já que essa questão não tem apenas reverberações fiscais. Sem dúvida nenhuma, ela também tem efeitos na produtividade dos entes privados.
Agora, repito, não se pode tirar da equação as dinâmicas de poder estabelecidas entre os entes federativos. Quais serão os efeitos econômicos de se colocar os prefeitos e governadores respondendo somente à política fiscal praticada pela União? E se Brasília tiver uma visão distorcida com relação a uma questão local de um lugar?
Isso foi feito com várias legislações, como a legislação penal brasileira. Ela é extremamente centralizada, mas será que a realidade para o Norte do país é igual à realidade para o Sul e Sudeste? Será que o Nordeste é igual ao Centro-Oeste? Será que as aplicações de penas e de olhares da legislação penal deveriam ser absolutamente idênticos em todos os estados da federação, determinados por uma legislação federal? Essa é uma pergunta que fica, da mesma forma que para a questão da tributação.
É claro que nós vivemos num emaranhado tributário imenso, e isso é um desafio de produtividade e de burocracia para os empreendedores. Isso também tem que estar nessa discussão. Agora, as dinâmicas legislativas e de tomada de decisão tributária local também deveriam ter esse olhar de relação entre entes federativos.
Uma política pública sempre pode ser aperfeiçoada, pois ela não pode ser esculpida em pedra. É preciso se adequar às necessidades do momento.
Caso o Rio perca a competência tributária constitucional sobre o ISS, quais seriam os impactos na administração do município?
Isso é difícil de dizer, pois depende do que vai sair. De qualquer maneira, nós estamos falando de conceitos, até porque a reforma ainda está no âmbito da discussão do conceito. Qual é a reforma que, efetivamente, vai ser votada? Que reforma se pretende fazer? Ainda está muito cedo para se cravar um resultado. É preciso ter um pouco mais de clareza sobre qual é a reforma que estamos falando para aí sim calcular os impactos.
Na visão da Prefeitura do Rio, quais são as principais falácias criadas em torno da reforma tributária e do ISS?
Talvez a palavra falácia seja muito forte. Há uma intenção legítima de se melhorar o ambiente de negócio e nós entendemos que ela é boa. Essa melhoria, o aumento de produtividade e a simplificação no pagamento de tributos são fundamentais para a economia.
Agora, de novo, volto à questão inicial. Nós não podemos entender que, simplesmente, tem um lado só nessa discussão. Quais serão os efeitos que serão causados, para além da questão da arrecadação, se tudo for centralizado na União, com apenas ela dizendo como as dinâmicas locais, econômicas e tributárias vão acontecer? Nós temos que ter um olhar para além da arrecadação.
A palavra falácia, talvez, seja muito forte, mas, certamente, há uma ausência, na minha opinião, dessa discussão e de mostrar um pouco como a nova dinâmica de poder será colocada e os efeitos que serão gerados, inclusive de desenvolvimento econômico.
Aliás, qual é a visão de desenvolvimento econômico para o país de uma maneira integrada? Eu acho que nós também estamos tratando desse assunto. Quais são as consequências de guerras fiscais? Como se tributa os produtos na origem e no destino? Como se reage a um mundo digital cada vez mais conectado e sem fronteiras?
Essa conversa está defasada, pois o mundo evoluiu bastante. Agora, nós estamos reagindo direito às novas demandas de tributação para os novos meios de relações humanas ou nós estamos presos numa dicotomia de simplificação, que não, necessariamente, vai corresponder aos desafios que temos? Aqui, nós temos mais perguntas que respostas.
A reforma tributária está sendo discutida de forma apropriada no Congresso Nacional?
O Congresso Nacional vai sempre discutir aquilo que é colocado para ele. É positivo discutir, mas eu só acho que a discussão deve englobar todos os fatores e o que isso traz. De novo, nesse momento o foco está muito grande na questão da arrecadação. Apenas na questão fiscal.
Nós também temos que olhar para a dinâmica entre os entes federativos. O que isso vai impactar nas dinâmicas sociais, econômicas e de poder entre os municípios, estados e União. Da maneira como está desenhado, haverá uma mudança significativa.
Eu não vejo isso sendo debatido com tanta ênfase, a não ser pelos prefeitos, que estão muito preocupados, e, eventualmente, pelos governadores, que também estão preocupados. Nós precisamos ter esse olhar.
Considerando a conversa que tivemos, o senhor gostaria de trazer mais algum ponto para essa entrevista?
O ponto fundamental dessa discussão é: qual é a visão de desenvolvimento econômico que está se propondo para o país nesse momento? Nós não podemos separar essa pergunta do resultado que vai sair das grandes reformas, inclusive a tributária. Qual a visão de país que se propõe? Quais são os resultados esperados, não só em termos de arrecadação e fiscal, mas de dinâmica social e econômica para a população? Quais são os benefícios para as pessoas na ponta? Como será essa nova dinâmica de poder?
Para que se prospere numa discussão de reforma, é preciso deixar muito claro qual é a visão de desenvolvimento econômico que se pretende no século 21, com os desafios que temos relacionados à mão de obra e educação; ao clima, a preservação ambiental e a sustentabilidade; ao desenvolvimento urbano e a uma igualdade maior de oportunidades para as pessoas que querem se inserir em um mercado de trabalho com maior mobilidade social.
Primeiro se deveria estabelecer a visão macro para depois se descer para as questões de como realizar isso. Seria mais interessante começar por aí, para que tivéssemos um debate mais próspero em relação a reforma tributária que está há tanto tempo para ser feita no Brasil.